sábado, 24 de março de 2012

DAQUILO QUE SEMPRE ESTEVE LÁ, MAS QUE PRECISOU SE TRANSFORMAR EM SI MESMO PARA QUE EU O PERCEBESSE...

Já perdi as contas de quantas e quantas vezes ouvi “Isopor” (1999), um dos discos mais “acessíveis” da banda mineira Pato Fu. Digo acessível porque este é o disco que contém “Perdendo Dentes”, quiçá a canção da banda que foi mais bem capitaneada pela vendabilidade ‘pop’. Este é também o disco que contém o manifesto nipônico “Made in Japan”, a preciosidade de nome “Imperfeito” e a divertidíssima “O Filho Preferido do Rajneesh”. Em outras palavras – e repetindo o que disse no início – já perdi as contas de quantas e quantas vezes ouvi este excelente disco. Mas, no início da tarde de hoje me flagrei ouvindo uma determinada faixa como se fosse a primeira vez. Ou melhor, como se fosse a derradeira vez num apanhado de memórias traumáticas soterradas. Tratava-se da faixa 04, “Um Ponto Oito”, sobre um narrador que atropela um rapaz pobre, talvez um ladrão, e, a partir daí, potencializa os questionamentos existenciais que já o tomavam de assalto e “quis não mais viver”. Glupt!

“Olhei a cidade
Olhei pro meu carro
Voltei a correr
Pensei em fugir
Quis não mais viver
Quis não mais viver
Com mais ninguém
A não ser com quem gosta de mim
Me esqueci numa curva que fiz
Tão veloz que o amor
Não morreu por um triz
Não morreu por um triz”...


Enquanto executava a canção, duas vezes seguidas, prestei rigorosa atenção à sua letra sumamente narrativa e, sem que eu avisasse a mim mesmo, me percebi chorando. Não apenas uma, mas duas vezes. Chorei de verdade, lacrimejei com fervor enquanto me imaginava no lugar de ambos os personagens da canção. Durante os quase sete minutos de execução da mesma, me vi menos identificado com pessoas do que com uma situação geral de abandono societal, de rigor civilizatório embasado na categorização do ‘homo himini lupus’. E, enquanto o personagem atropelado reclamava, antes de morrer, que ficara com a pior parte do que é chamado civilização, eu me percebia lendo uma obra-prima teórica do Sigmund Freud, chamada “O Mal-Estar na Civilização” (1930), recomendado indireta e urgentemente por dois grandes e carinhosos amigos. Apressei-me em gritar para mim mesmo que, haja o que houver, utilizarei nem que seja um trecho deste maravilhoso livro em minha dissertação de Mestrado sobre as relações paradoxais entre o que se convencionou tachar de ‘pornochanchada’, a abertura política do Brasil, a ascensão mercadológica da pornografia e a concomitante retração moral da população audiente. Haja o que houver, eu cito um trecho deste livro. Afinal de contas, pode haver no contexto atual de minha vida uma citação mais cabal do que a que transcrevo abaixo?

O amor genital conduz à formação de novas famílias, e o amor inibido em sua em sua finalidade a ‘amizades’ que se tornam valiosas, de um ponto de vista cultural, por fugirem a algumas das limitações do amor genital, como, por exemplo, à sua exclusividade. No decurso do desenvolvimento, porém, a relação do amor com a civilização perde sua falta de ambigüidade. Por um lado, o amor se coloca em oposição aos interesses da civilização; por outro, esta ameaça o amor com restrições substanciais”.

Este é justamente o meu foco de pesquisa. Incrível como Sigmund Freud foi direto à veia, o que também pode ser dito sobre esta canção, sem dúvida uma das mais geniais já realizadas no Brasil, absolutamente genial em sua proposital conjunção incômoda entre uma letra exageradamente trágica (em sentidos conotativo e denotativo) e uma sonoridade modernosa e contagiantemente roqueira. Em suma, uma verdadeira obra-prima, do mesmo modo que é o livro freudiano. Estou emocionado: o que eu buscava estava diante de mim faz tempo!

Wesley PC>

3 comentários:

Jadson Teles disse...

Querido Wesley,
Eu tenho problemas com o Sr. Freud por vários aspectos, um deles é basear suas teorias na atualização mítica, ou seja, são teorias que nos limites são fantasias vestidas de modernidade. Contudo, O texto que você cita aqui é um primor ele vai além dele mesmo, consegue fazer uma interpretação atemporal desse sentimento que permeia a sociedade desde sempre e ainda mais latente nos dias atuais. Texto fodastico!
J.

Jadson Teles disse...

e quanto ao cd, ouvi ele ontem umas 3 vezes e ainda não me dei por satisfeito, preciso escutar ele de novo, nunca fui fã do PATO FU, mas sempre nutri uma certa simpatia, a música que voce faz menção em especial é um diamante de tão linda, forte e ousada. mas o cd como todo me incomodou ao menos nessas primeiras audiências, vou ver o que consigo mais dele! xeru e fique claro aqui que EU TE AMO, e parece que mais e mais a cada dia! de modo perfeito-imperfeito! rsrsr
J.

Pseudokane3 disse...

(risos)

Deixarei tudo subentendido, Jadson: "somente tu!".

Ponto de exclamação!

WPC>