domingo, 11 de março de 2012

E, ENQUANTO ESCREVO ESTA RESENHA, SINTO O MEU CABELO CRESCER...


“Você é linda, sua velha rabugenta, e se eu pudesse
te dar só um presente
para o resto de sua vida seria este.
Confiança.
Seria o presente da Confiança.
Ou isso ou uma vela perfumada”.


Os versos acima, do jeito como estão escritos, constam de uma espécie de posfácio ao final de “Um Dia”, maravilhoso livro do britânico David Nicholls que acabo de ler. São versos que não fazem mais parte da trama – e que talvez sejam um agradecimento interno e muito pessoal do autor a uma mulher que muito ama – mas que, ao mesmo tempo, tem muito a ver com a história que eu tinha acabado de consumir como se fosse uma projeção de minha própria vida. Extraordinário o livro, estou impressionado!

Por mais que a trama eventualmente diminuísse o seu tom de surpresa (toda história de amor acaba sendo mais uma história de amor, mais cedo ou mais tarde) e por mais que alguns acontecimentos fossem essencialmente previsíveis (infeliz da trama – ou vida real – que não contenha mortes anunciadas, gravidezes, choros e abandonos, traições e, como é cada vez mais comum hoje em dia, divórcios), o autor conseguia se reinventar a cada parágrafo e nos surpreender, fazendo que até mesmo a minha arrogância subliminar de crítico dito “alternativo” se rendesse ao verdadeiro golpe de genialidade que acontece após a página 363 da edição que estava em minhas mãos, capítulo dezoito, “O meio”, datado como 15 de julho de 2004. Jamais imaginaria o que estava por vir, uma verdadeira ação mestra de literatura adulta!

E, NESTE MOMENTO, PEÇO QUE QUEM AINDA NÃO LEU OU DESEJA LER ESTE LIVRO EM BREVE EVITE AVANÇAR NA REVELAÇÃO DAS SURPRESAS CONTIDAS NAS PÁGINAS SEGUINTES!

Afinal de contas, o modo como o autor e, principalmente, a inteligente publicidade relacionada ao livro, cria expectativas tramáticas que serão francamente interrompidas ou remodeladas. Tal como ocorre na vida em si. Não que a morte súbita da protagonista feminina tenha sido uma surpresa plena. Foi, mas não a grande surpresa do livro. Para mim, o que realmente foi espantoso é o modo como o autor aproveita-se deste pressuposto para erigir muito mais emoção passional a partir do deslindamento de eventos suprimidos no dia que deu origem à trama, 15 de julho de 1988, quando os protagonistas Emma Morley e Dexter Mayhew dormem juntos após se conhecerem na festa de formatura universitária: na parte cinco de seu livro, “Três aniversários”, David Nicholls corrige em apenas cinco capítulos toda a minha exasperação atual com esta tendência insuportável dos meios de comunicação de massa hodiernos em estimularam o que tachei de “estética do Alzheimer”. Ali, a nostalgia é sincera, as memórias são carregadas de historicidade, o drama é legítimo e real. Definitivamente, este romance digna-se de fulgurar em os meus favoritos. Afinal de contas, estou ainda perplexo por não ter lido o capítulo referente à data que cumpriria a promessa do jargão publicitário envolvendo a sinopse: “vinte anos, duas pessoas. Não há um 15 de julho de 2008 no livro! Mas como é fácil e proveitoso imaginá-lo...


PODEM VOLTAR À LEITURA GENÉRICA, PESSOAL!

Obviamente, não tardaria para que essa história de amor fosse cooptada por Hollywood. Apesar de a trama não ser necessariamente adolescente – o protagonista masculino Dexter, por exemplo, é concomitantemente atraente e repugnante da primeira até a última página, sem possibilidade de maior redenção – não duvido que a condução adotada na versão cinematográfica do filme, já lançada em 2011, com a dinamarquesa Lone Scherfig na direção, roteiro escrito pelo próprio David Nicholls, e Anna Hathaway e o pouco conhecido Jim Sturgess como protagonistas, seja um tanto traiçoeira em relação à amargura inevitável de muitas páginas do livro, que, como já adverti, é muito consciente de seus antecedentes enredísticos, a ponto de um personagem secundário chamar o casal central, sardonicamente, de Harry e Sally, em referência a um já clássico filme romântico de Rob Reiner em que dois (quase) amigos se apaixonam após anos de convivência (forçada). Mas, para mim, o momento mais intimamente marcante do livro inteiro encontra-se no capítulo referente ao dia 15 de julho de 1993, em que as personalidades de quatro diferentes personagens são metonimizadas a partir dos filmes que eles escolhem ver naquele dia: enquanto uma moçoila culta e politizada que trabalha como professora colegial anseia por ver um filme do Krzysztof Kieslowski, seu namorado comediante deseja ver o novo filme de uma famosa franquia de ‘terrir’ do inspirado Sam Raimi. Mais tarde, a professora recebe um telefonema de seu suposto e inconstante melhor amigo, que a convida para a pré-estréia de um ‘arrasa-quarteirões’ de Steven Spielberg, mas ela recusa. Ele, então, é obrigado a se consolar com a presença de uma modelo fútil e espalhafatosa, que só aceitaria ao convite, sem se interessar pelo filme, se tivesse certeza de que a princesa Diana estaria presente na sessão. Por esse detalhe magistral de composição, não é difícil concordar comigo, mesmo sem ter lido o livro: ele é genial!

Wesley PC>

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