domingo, 22 de abril de 2012

FILMES QUE VI APÓS O DESLOCAMENTO PRAIANO -II: “XIAO WU, UM ARTISTA BATEDOR DE CARTEIRAS” (1997, de Jia Zhang-Ke)

Com a pele ardendo por causa do tempo excessivo de exposição ao sol, visitei a residência de um rapaz por quem sinto muita atração sexual e um amor insuspeito, alimentado ao longo de mais de dez anos de convivência conjunta. Ele estava numa espécie de orgia etílica e apareceu em casa apenas para se perfumar. Talvez transasse com alguma rapariga aquela noite, não sei. Seja como for, ele me cumprimentou, me olhou nos olhos, percebeu que eu dependia dele, mas que, ao mesmo tempo, as necessidades íntimas dele não parecem ter tanto a ver com as minhas quanto eu insisto em sonhar. Despedi-me de sua mãe e voltei para casa, onde descobri que um filme primevo do diretor chinês Jia Zhang-Ke seria exibido na TV. “Ôoooooba!”, gritei!

 Numa das subtramas de “Xiao Wu, um Artista Batedor de Carteiras” (1997), o protagonista interpretado por Wang Hongwei descobre que seu melhor amigo de infância, agora convertido num empresário bem-sucedido, iria se casar e não o convidou para a cerimônia. Ambos eram ladrões na juventude, mas um deles mudou de vida, foi reabilitado pelo capitalismo. Com o orgulho ferido, Xiao Wu decide presentear o seu amigo com algo: segurando um isqueiro que toca uma melodia beethoveniana sempre que aceso nas mãos, ele embrulha uma dada quantia monetária e entrega ao empresário, que, hipocritamente, o recusa, por alegar que se trata de “dinheiro sujo”. Dali por diante, Xiao Wu tentará desenvolver um arremedo de relacionamento amoroso com a prostituta que exige que ele cante algo ao lado dela num karaokê. Ela adoece. Ele ensaia uma canção enquanto se despe num salão de banhos abandonado. E, ao redor dele, tudo se transforma: a globalização chega de forma impositiva, fechando os estabelecimentos comerciais da pequena cidade onde Xiao Wu mora. Não tardará para que ele seja preso...

 Enquanto imaginava o que responder quando me perguntassem se a minha pele estava ardendo (“o que são as dores do corpo frente à agonia da alma?”), percebia-me pungentemente afetado pelo filme, absolutamente genial em sua concatenação discursiva entre o desenvolvimento da infelicidade de um personagem em particular e a desilusão em larga escala de uma nação. Gritei novamente: “Obra-prima”! E, depois, dormi.

 Wesley PC>

2 comentários:

Jadson Teles disse...

Com água na boca pra ver esse, Meus Deus! e ao mesmo tempo com medo do que ele pode me provocar estou muito suscetível no momento!

Pseudokane3 disse...

Te advirto, portanto: ouça esse tal medo. Ele te provocará isso, sim, senhor! Se eu, que sou quase "entreguista", fiquei atordoado, imagine tu, que morou no interior... (WPC>)