sexta-feira, 6 de abril de 2012

REFLEXÃO ETÍLICA DE SEMANA SANTA:

Na manhã de hoje, Sexta-feira Santa, eu, meu irmão mais novo e minha mãe unimo-nos matinalmente numa tarefa comum: transferir para a varanda de nossa casa o sofá velho onde dorme nosso cão Bogdanovich. Encerrada a tarefa, cada qual seguiu com suas preferências entretenedoras habituais: minha mãe acompanhava missas católicas pela TV; meu irmão se embebedava na casa de alguns vizinhos; e eu assistia a um longa-metragem pouco conhecido do genial diretor James Whale. O filme em pauta tem como título nacional “A Caravana da Morte” (1935), mas uma tradução fiel seria “Lembra da Última Noite?”, dado que o título original do mesmo é permeado pelo sarcasmo típico do diretor.

A trama rocambolesca de “A Caravana da Morte” – baseada numa estória cujo título poderia ser traduzido como “Os Assassinatos da Ressaca”, conforme se lê nos créditos de abertura – surpreende deveras por causa de seu ponto de partida: a fim de comemorar o sexto mês de casamento, um casal de milionários reúne alguns de seus melhores amigos igualmente milionários numa orgia alcoólica que terá como elementos secundários o escárnio aos serviçais contratados para servir drinques nas festas de que eles participam, a quebra proposital de diversos objetos domésticos, o desdém contra as perseguições policiais motivadas pelo excesso de ebriedade motorizada e um desrespeito contumaz pelas regras de convivência vicinal, desagrados que, na concepção dos milionários, podem ser facilmente compensados com indenizações monetárias. O problema é que, quando despertam da bebedeira, eles descobrem que alguém fora assassinado num dos quartos. E a polícia chega para fazer uma investigação do culpado, que admitirá até mesmo uma inaudita sessão de hipnose. À medida que a investigação avança, são descobertas motivações escusas, criminosas e infiéis dos milionários amigos do casal principal, o que não fomenta quaisquer julgamentos de valor por parte dos mesmos. É como se tudo fosse válido para quem é rico!

Por mais amorais que sejam os personagens, entretanto, o mesmo não pode ser dito do diretor do filme: ele próprio um milionário apreciador do álcool, James Whale é deveras autocrítico na condução directiva deste filme hollywoodianamente atípico, em que até mesmo um mordomo sardônico é adicionado ao tom predominante de sátira do roteiro. Numa cena absolutamente genial, por exemplo, o protagonista tenta fazer uma bêbada desacordada despertar estapeando-a na face diversas vezes, enquanto diz que aquilo está doendo mais nele do que nela. Irritada com o seu cinismo, a esposa dele o estapeia na face e, reativamente, ele devolve o tapa, numa cena hilária como nenhum espectador esperaria. Noutro instante, marido e mulher prometem que, caso se livrassem dos problemas daquela investigação, jamais engoliriam outro gole de bebida alcoólica enquanto estivessem vivos, o que eles fazem questão de descumprir minuto após minutos, até culminar num desfecho estranhíssimo, em que o mordomo afetado é alvejado por vários objetos atirados pelos convidados novamente bêbados do casal protagonista. E, enquanto isso, meu irmão continua a se embebedar por aí...

Wesley PC>

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