terça-feira, 1 de maio de 2012

DA ARTE COMERCIAL DE TRANSFORMAR A ANGÚSTIA EM SORRISOS (OU CONGÊNERES):

A cada filme protagonizado por Amácio Mazzaropi que tenho a honra de conferir, me impressiono com as recorrências enredísticas em suas produções: além do esperado elogio às classes subalternas – num contexto de exortação à simplicidade, mesmo que forçada – é muito comum depararmo-nos com filhos que abandonam os pais em suas obras. Até então, os exemplos mais marcantes tinham sido “Chofer de Praça” (1959, de Milton Amaral) e “Casinha Pequenina” (1963, de Glauco Mirko Laurelli), em que os desfechos assemelhados a “finais felizes” não eliminavam a ingratidão dos filhos em relação a seu pai caipira. No filme que acabei de ver, ao lado de minha mãe, o tema do desdém filial reaparece, de modo tão crasso que chega mesmo a causar a morte da mãe por desgosto, em plena noite de Ano Novo. Tratava-se do inusitado “Portugal... Minha Saudade” (1973), dirigido pelo companheiro habitual de sua última fase cinematográfica e pelo próprio Amácio Mazzaropi. Para além da estranheza estilística, gostei muito do que vi!

Ao final da sessão, eu e minha mãe ficamos nos indagando o que levou o astro caipira mais sagaz do cinema nacional a investir nesta recorrência subtemática: “ele deve ter sofrido algum trauma!”, exclamou Rosane de Castro. Eu argüi: “imagine ser homossexual numa cidade do interior paulista, mãe”. Ela sorriu baixo, enquanto eu ficava pensando comigo mesmo: “este cara foi homossexual, como pode?”. Fiquei mais uma vez intrigado com essa constatação que li algumas de suas biografias resumidas na Internet. A maioria delas confirmava a informação: Amácio Mazzaropi fora mesmo homossexual. De um jeito esquisito, isso me encheu de orgulho!

Vale acrescentar que, enquanto eu tentava ver o filme, meu irmão mais velho e sua esposa chegaram em minha casa. Vieram trazer alguns queijos e maracujás para minha mãe, mas o modo como ele trata as pessoas é rude. Fiquei dando brincas em meu irmão mais novo, por ele estar desempregado. Minha mãe deu-lhe um pouco de vitamina láctea de abacate para beber. Ele estava com diarréia. Foi defecar. Fiquei com nojo de tocar no sabonete em que ele lavara as mãos, quando fui ao banheiro. De sua parte, ele quase me ignora. Os meus comportamentos sexuais heterodoxos desagradam-lhe muito menos que a minha recusa em querer ficar rico. De todos da minha família, sinto como se ele fosse o que menos gosta de mim...

O que nos traz de volta ao filme: na trama, dois irmãos portugueses são separados ainda na infância. Um fica em Lisboa, o outro vem para o Brasil. O que lá fica enriquece; o que vem para cá, também, mas mediante muito trabalho duro e suporte de injustiças. Quando envelhece, o irmão português (interpretado pelo próprio Mazzaropi, que anda normalmente e fala com um sotaque lusitano inaudito) decide conhecer o irmão que vive no Brasil. Encontra-o desolado, trabalhando no asilo em que fora deixado pela família da nora e no qual a sua esposa faleceu. O último plano do filme paralisa um enquadramento solar, quando avô caipira e neta convalescente de saudade brincam numa roda-gigante. Estranho, mas bonito.

Wesley PC>

2 comentários:

Jadson Teles disse...

Triste...
J.

Gomorra disse...

Feliz, meu bem. Feliz!
Humano.
Como nós!

WPC>