segunda-feira, 21 de maio de 2012

DE SOBRESSALTO, BATO PALMAS PARA ESSA TAL DE GABY AMARANTOS: HÁ TENTATIVAS DE RESISTÊNCIA AQUI!

Quando estive matriculado na disciplina acadêmica Tecnologia e Linguagem dos Meios de Comunicação de Massa, ministrada no período letivo passado pela professora Maíra Ezequiel, pude participar de interessantíssimas discussões sobre algo que um articulista de nome André Lemos batizou de “cibercultura remix”. Vimos importantes filmes sobre o assunto – entre eles, o fenomenal “RIP! A Remix Manifesto” (2009, de Brett Gaylor – comentado aqui) – e pude arejar meus conceitos e pré-conceitos acerca dos fenômenos midiáticos alavancados pela globalização extremada, que desestrutura as fronteiras anteriormente definidas entre a cultura de massa e a chamada cultura popular. Nesse contexto, as iniciativas do tecnobrega paraense, que engendrou uma espécie de mercado interno de consumo e distribuição de discos propositalmente “piratas”, são de vital importância para um debate mais sensato acerca das complicações valorativas desencadeadas pela necessidade de se analisar criticamente alguns objetos desta “indústria cultural alternativa”. E, nesse redemoinho de indagações, ouço amigos queridos elogiarem uma diva brega popularizada como Gaby Amarantos.

 Como não quer muita coisa, mas suspeitando que gostaria do disco e precisaria justificar minhas decisões avaliativas num escopo maior, ouvi “Treme” (2012) no caminho para a universidade, hoje pela manhã. E não é que, para além da irregularidade temática de suas 14 canções, eu gostei muito do que ouvi? Gostei mesmo, até eu estou impressionado! Logo na abertura do disco, a canção “Xirley” desestruturou qualquer clichê analítico que eu pudesse despejar sobre o disco: aquilo ali é muito próprio, muito particular, muito específico. Requer uma análise particular, particular e específica. Afinal de contas, como reagir diante de uma canção que começa descrevendo uma mulher que faz café coado na calcinha só para conquistar os machos e que, no refrão, grita: “eu vou ‘samplear’, eu vou te roubar”? Como?! Sem contar que a voz da cantora é muito bonita, que os acordes eletrônicos da mesma são positivamente dançantes e que o videoclipe da canção é absolutamente conceitual, daqueles que a gente faz questão de ver mais de uma vez para tentar fisgar o máximo possível de detalhes discursivos. Por esta canção, fiquei tentado a ficar fã da cantora! Mas ainda faltavam treze canções...

E eu segui em frente: a segunda faixa, “Ela Tá Bêba, Doida (Bêba, Doida)”, possui um apelo cômico mais evidente, mas, ainda assim, chama a nossa atenção por causa da voz imponente de sua intérprete e pela percussividade somática inerente ao disco como um todo. Na faixa 03, “Ex Mai Love”, tema de uma telenovela da Rede Globo, pelo que descobri ‘a posteriori’, somos conduzidos a uma reavaliação cuidadosa dos costumes populares, visto que a letra da canção possui sutilezas comparativas bastante sintomáticas no que tange ao contexto hodierno:

 “Meu amor era verdadeiro, o teu era pirata
 O meu amor era ouro, e o teu não passava de um pedaço de lata
 Meu amor era rio, e o teu não formava uma fina cascata 
Meu amor era de raça, e o teu simplesmente um vira-lata


 Ex my love, ex my love, 
 Se botar teu amor na vitrine, ele nem vai valer 1,99

 Em outras palavras: “1,99”, segundo a canção (e sua origem efetivamente popular, diga-se de passagem) deixa de ser um mero valor de troca para ser valor de uso, jargão adjetivo. Através do uso inteligente desta expressão, Gaby Amarantos manifesta uma verve contracultural, um foco de resistência, uma declaração de que o fenômeno da “aparelhagem” que ela tanto menciona ao longo do disco não é randômico, mas estruturado, consciente, de modo que, não por acaso, está sendo gradualmente assimilado pela mídia hegemônica, a fim de ser desautorizada pela mera exaltação dos “aspectos ridículos” da artista que, em minha concepção, é nada mais do que autenticidade. Aí surge mais um dilema recorrente: pode a autenticidade ser minuciosamente calculada para causar efeito? Quem conhece a minha adesão almodovariana, sabe que minha resposta é sim!

 Mas eu continuei ouvindo o disco: as faixas 04 (“Merengue Latino”), 05 (“Pimenta com sal”, com participação de Fernanda Takai), 06 (“Gemendo”) e 07 (“Vem me Amar”) não me empolgaram tanto, achei-as apenas medianamente coerentes, mas, na faixa 08, “Galera da Laje”, tive a primeira decepção gritante em relação ao disco: aqui, a letra é vulgar, entreguista, condizente com os maus julgamentos que os detratores da Gaby Amarantos publicizam. Aí, eu comecei a pensar no quanto ela é consciente do que representa enquanto potencial estratagema contra-hegemônico “re-hegemoneizante”. A belíssima faixa 10, “Mestiça”, com uma cadência mais suave e folclórica, me deu a resposta. Este é um disco de tentativas, de urgências, de equívocos, de ações. Ouso dizer, inclusive, que gostei do que ouvi, mas, para mim, Le é muito mais relevante pelo que representa do que pelo que realmente é, se é que se pode, de fato, estabelecer uma distinção entre ambos os verbos. Sei que fui surpreendido pela qualidade do disco: ele é muito, muito melhor do que dizem por aí e do que a saturação elementar de sua capa faz pressupor!

 Wesley PC>

2 comentários:

madruga disse...

eu não compreendi direito o conceito de "autenticidade" do Benjamin,mas agora,graças a wesley e o tecnobrega,ele faz todo sentido.kkkkkkkk


vivendo e aprendendo....

Gomorra disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK


Digo o mesmo, Glauco: vivendo e aprendendo MESMO!

Por mais que eu perceba defasagens estilísticas e falta de sustentabilidade na tal autenticidade da moça, não tem como não elogiar o disco: tem algo ali que merece uma observação atenciosa e defensiva (risos), é sério!

E bora ler este Feyerabend juntos, visse? Ele também ajuda a entender! (*kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk) - WPC>