domingo, 20 de maio de 2012

O PREFIXO DA PALAVRA SUBJETIVO É –SUB. ISSO NÃO DEVE SER À TOA...

Da primeira vez que vi “Twentynine Palms” (2003, de Bruno Dumont), eu estava sozinho. Da segunda, eu estava muito bem-acompanhado. Na primeira vez, achei o filme belo e devastador. Na segunda, também, mas fui confrontado com um novo elemento: precisei defender os personagens como se estivesse defendendo a mim mesmo. Para quem não viu ainda, a recomendação urgente: vá ver o filme e depois volte! Para quem já viu, a obviedade: não há nada no filme que não seja visto ou sentido aqui do lado de fora. Ou há?

Na segunda sessão desta alegoria extremada do tipo de relacionamento amoroso que mais surge como projeção possível diante de meus devaneios solitários, as partícipes femininas da sessão zombaram o tempo quase inteiro da personagem de Yekaterina Golubeva. Tachavam-na de estúpida, deslumbrada, louca, desvairada, masoquistamente permissiva. Eu, porém, não conseguia deixar de me identificar com ela. Talvez não tenhamos muito em comum, que seja, mas ela corresponde ao modo como me imagino se, um dia, estiver namorando alguém. Quem ama, erra. Quem ama, se equivoca. Quem ama alguém que erra e se equivoca o tempo inteiro tem mais direito de errar e se equivocar ainda mais? Para uma das convidadas, a resposta era um sonoro NÃO! Para mim, o eterno talvez...

Repassamos a limpo diversas cenas do filme, mas eu insistia em defender a protagonista, em dizer que, no lugar dela, não seria surpreendente se eu agisse da mesma forma. Por mais que minha amiga destacasse os efeitos trágicos do estupro que acontece perto do final do filme, este evento – por mais paradigmático que tenha sido enquanto inversor da “surras da pica” que dominavam a narrativa – era quase ignorado por meu subconsciente, que cria que superaria aquela mazela inevitável dos dias hodiernos. Minha amiga foi taxativa: “por mais que se ame, não se pode ser idiota para não perceber que o mundo ao nosso redor é mau!”. E eu caminhava devagar, mesmo que parece correr...

 “Twentynine Palms” é um filme que me impressiona. Por este filme em si, não me sinto apto a equiparar o diretor a Robert Bresson, como parte da crítica especializada costuma fazer, mas é um filme que me afeta bastante, que me destroça e que, por incrível que pareça, contribui para que um sorriso largo fique estampado em meu rosto. Um sorriso que talvez seja melhor compreendido numa fábula:

Era uma vez uma ervilha ou uma lesma que não se sentia como os outros de sua espécie. Sentia-se triste, deslocada, por mais que, eventualmente, achasse com quem se divertir ou fazer algo que, numa relação heterossexual tradicional, seria associado à procriação. Essa ervilha ou lesma, entretanto, cria que, algum dia, seria aceita num pomar em que outra ervilha ou lesma como ela ou diferente dela deixaria que ela se apaixonasse por ela (ou vice-versa) e eles pudessem fingir que a comunhão ora alcançada eliminasse todos os anos de angústia ou sofrimento ou desolação ou desencanto ou tristeza perene que a ervilha ou lesma experimentou. Um dia, ela vê uma cortina. A ervilha ou lesma levanta esta cortina com a língua ou com as mãos ou com o ventrículo direito e vislumbra o paraíso ou o sol ou duas pessoas que se amam, deitadas juntas. Naquele instante, a ervilha ou lesma experimenta, simultaneamente, a inveja e a felicidade. E, por mais que o mundo pendesse para o primeiro sentimento, ela sente que o segundo é mais importante. Por isso, enquanto escrevo estas linhas a ervilha ou lesma é, ainda, uma supérstite

Wesley PC> 

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