sexta-feira, 18 de maio de 2012

“TENHA CUIDADO COM QUEM TU FAZES SEXO. NÃO APENAS POR CAUSA DAS DOENÇAS, MAS PORQUE ELE AFETA AS EMOÇÕES DE MANEIRAS QUE TU JAMAIS PODERIAS SEQUER PRESUMIR”

Apesar de não ter mencionado a faixa 04, “Never Let Me Go”, no texto de Fotolog em que demonstrei o arrebatamento inicial pelo recém-baixado “Ceremonials” (2011), disco mais recente do Florence + The Machine, esta canção tornou-se uma de minhas favoritas à época (ao menos, no plano anglofílico), justamente por causa da leveza exaustivamente repetida de seu refrão monofrasal. Poucos dias depois, li uma resenha que elogiava as surpresas contidas no romance “Never Let Me Go”, escrito em 2005 pelo escritor japonês naturalizado britânico Kazuo Ishiguro. A coincidência positiva do título deixou-me bastante curioso acerca do conteúdo do mesmo, de modo que logo me adiantei em pedir ao autor da resenha – à época, vivendo nos EUA – que me emprestasse o referido livro. Dito e feito: tão logo ele regressou ao Brasil, recebi uma mensagem de texto comunicando-me que, se eu quisesse, o livro já estava disponível para minha leitura sequiosa. Adiantei-me em encerrar o romance senegalês que me possuía há alguns meses e esperei o momento adequado para mergulhar no pitoresco universo ishiguriano, que inclui títulos tão díspares quanto “Os Vestígios do Dia” e “Quando Éramos Órfãos”.

 Tal momento veio inicialmente na forma de um cartaz estendido em frente a uma locadora de DVDs. Um filme chamado “Não Me Abandone Jamais” (2010, de Mark Romanek), sobre o qual ainda não havia ouvido falar, estava sendo ofertado. Achei o título nacional parecido com o livro que eu tencionava ler em breve e resolvi ligar para o emprestador do mesmo, comunicando a minha “descoberta”. Tratava-se, de fato, de uma versão cinematográfica para “Never Let Me Go”, o qual não era apenas conhecido pelo meu interlocutor telefônico, como este conhecia detalhes sobre a equipe técnica e antecipava-se em declarar que não assistirá a este filme. No final de semana seguinte, o mais irmanado de todos os meus amigos intima-me a ver o tal filme, dizendo que ficou bastante reflexivo após a sessão, que o roteiro é absolutamente urgente e que eu deveria parar de ignorar suas indicações, chantagem emocional branda que servia como transmutação discursiva para o apelo “eu preciso conversar sobre isso contigo o quanto antes!”. OK”, eu disse. “Mas tenho que ler o livro antes!”.

 E, assim, na manhã de ontem, quinta-feira, dia em que foi iniciada a greve dos professores da Universidade Federal de Sergipe, li a primeira página do livro. Hoje, tarde de sexta-feira, estou prestes a iniciar a centésima quadragésima sexta. Li doze capítulos, portanto, de um livro cujas reviravoltas são anunciadas a conta-gotas. Sei que o foco tramático inicia-se no âmbito da ficção científica, mas que será gradativamente transferido para o elã nostálgico, de modo que sinto que me identificarei deveras com os sentimentos compartilhados pela narradora Kathy H., uma “cuidadora” que lamenta a perda de seus melhores amigos Ruth e Tommy, ambos designados como “doadores”. Aprioristicamente, estes termos não fizeram muito sentido (pensei que Kathy fosse uma atendente de Legião da Boa Vontade, por exemplo), mas, no sétimo capítulo, uma “guardiã” do colégio onde os personagens estudaram, na adolescência, faz uma bombástica revelação: “suas vidas já estão decididas. Vocês se tornarão adultos e, antes que envelheçam, vocês começarão a doar seus órgãos vitais. Vocês foram trazidos a este mundo com um propósito, e seus futuros, todos eles, já foram decididos. Li este conjunto de sentenças num ônibus, e precisei respirar fundo antes de continuar...

 Mas o detalhe que mais me chamou a atenção, até agora, na leitura foi justamente a explicação do título: no romance, “Never Let Me Go” é o nome de uma canção interpretada pela cantora fictícia Judy Bridgewater, contida no disco “Songs After Dark”, que é o preferido da protagonista/narradora quando jovem por causa não somente da sonoridade deste verso, mas, principalmente, por causa do cigarro exibido na fotografia da cantora, elemento absolutamente proibido (até mesmo no que concerne a citações culturais) no ambiente estudantil em que ela freqüentava. Kathy gostava tanto dessa canção em particular, a terceira do disco, que costumava dançar à noite, ao som dela, cantarolando os versos como se segurasse um bebê nos braços. Uma das guardiãs a flagra dançando e diz que ela deve abandonar os instintos maternos, pois adolescentes como ela – criadas para serem “especiais” – jamais poderão ter filhos. Ela não entende o que isso quer dizer, mas deseja guardar a fita cassete que contém a canção como objeto carinhoso de fetiche. A fita some. Sua melhor amiga a presenteia com outra fita, supondo que ela gostaria das canções para baile ali contidas, mas ela desgosta. Finge apreciar por respeito a sua amiga. E, no final do sexto capítulo, Kathy escreve: “Ainda a tenho [esta fita] até hoje. Não costumo executá-la muito, pois as músicas não têm nada a ver com nada. É um objeto, como um broche ou um anel, mas, especialmente agora que Ruth se foi, ela se tornou uma de minhas posses mais preciosas”. E, com esta passagem do livro, não preciso acrescentar o quanto ele tende a me afligir pessoalmente...

Estou no meio ainda: faltam 142 páginas. Que venham!

 Wesley PC>

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