domingo, 10 de junho de 2012

SE TENHO O ANTONIO GRAMSCI E ALGUNS AMIGOS A MEU LADO, SIM, EU AVANÇO!

Recentemente, numa reunião de grupo de pesquisa, eu declarei em alto e bom som que me considerava um patinho feio, no sentido de que o meu tema de pesquisa – os interstícios da pornochanchada brasileira – possui aspectos que tendem a ser subestimados, eclipsados ou ignorados por questões ditadas como emergenciais em relação aos caracteres da contemporaneidade. Alguns dos presentes à tal reunião apressaram-se em me defender ou consolar, como se eu estivesse lançando mão de um artifício prejudicial de (falsa) modéstia, quando, na verdade, o que eu externava é, de fato, a crise que sinto/enfrento: estou tendo muitos problemas para organizar os fundamentos analíticos de minha futura dissertação, visto que não apenas a bibliografia sobre o meu escopo temático é escassa como geralmente descamba para vieses (preponderantemente mercadológicos, geralmente) que não me interessam de todo. Meu desejo é mergulhar nos filmes, confundir meus anseios e dilemas com os das obras de arte que compõem esta escola cinematográfica tão subestimada do Brasil. E, para meu encanto e consolo, enquanto lia o primeiro capítulo de um livro do Antonio Gramsci que buscara recentemente na biblioteca, deparo-me com a seguinte definição:

 “O historiador – com toda a necessária perspectiva – consegue fixar e compreender que os inícios de um novo mundo, sempre ásperos e pedregosos, são superiores à decadência de um mundo em agonia e dos cantos de cisne que ele produz.” (versículo final de “Alguns Pontos Preliminares de Referência”, contido no obrigatório “Concepção Dialética da História”)

Não apenas a menção metafórica ao anatídeo com o qual me comparei esperançosamente em minha intervenção atormentada na reunião de grupo de pesquisa foi pontual como também o impressionante elã ao enfrentamento da contemporaneidade me tomou de assalto: o fato de – talvez, não por acaso – eu ser apaixonado (em todos os sentidos do termo) por historiadores fez com que este versículo me enchesse de júbilo intelectual, me fizesse experimentar uma sensação de possibilidade que tem bastante a ver com as críticas à subsunção da teoria pela prática (ou vice-versa) que o autor destaca neste primeiro capítulo, brilhantemente sintetizados nesta passagem, que também me despiu pessoalmente: “quando não se tem iniciativa na luta, e a própria luta termina por identificar-se com uma série de derrotas, o determinismo mecânico transforma-se em uma formidável força de resistência moral, de coesão, de perseverança paciente e obstinada” (p.23). Ao contrário do que possa parecer, assim isolada, esta citação não é um panegírico, mas sim uma exortação: e é diretamente que a mim que o imortal Antonio Gramsci falava neste momento. Não me contive e, antes de dormir, fiz questão de reproduzir trechos deste capítulo inicial de um livro magnânimo para alguns dos meus amigos mais íntimos – a maioria deles, historiadores.

Cônscio da dificuldade vindoura de meus trabalhos teóricos futuros – que serão também práticos em sua contribuição histórica, caso em obtenha êxito no enfrentamento de meus óbices ideológicos – desnudo-me animicamente a cada página virada. E, se uma admoestação virulenta de meu professor insiste em me perseguir (aquela que me acusava de não distinguir adequadamente os filmes da realidade), o encantatório crítico de cinema Luiz Carlos Oliveira Júnior, já devidamente exaltado aqui, veio em meu socorro. Num texto em que elenca alguns filmes autorais comprometidos com a noção de encarar o espectador, ele lança a seguinte sentença: “a verdade é que, mesmo antes de “Janela Indiscreta” [1954, de Alfred Hitchcock], (...) o cinema não só era consciente de nossa presença (o que, no fundo, nunca escondeu) como também desenvolvia maneiras de retribuir nosso olhar e, principalmente, nosso amor. O cinéfilo está longe de ser um não-correspondido, alguém que comprar as maiores brigas do mundo por filmes que nem sequer tomam conhecimento de sua presença na sala escura (e de sua devoção incondicional)”. E, dessa forma, com a devida ajuda de meus amigos, eu posso seguir em frente: sei que, mais cedo ou mais tarde, esta minha nudez interessará a alguém. Talvez até já interesse, aliás!


Wesley PC>

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