segunda-feira, 4 de junho de 2012

ALGO QUE NÃO É AMOR, MAS QUE É VENDIDO, AOS POUCOS, COMO SE FOSSE...


“O processo de dominação (...) não se esgota nos métodos puramente repressivos, mas se insinua pelos caminhos tortuosos do requinte ideológico.” (Ingrid Sartri – ‘Comunicação e Dependência Cultural: Um Equívoco’)

Há pouco, vi os quatro últimos episódios da segunda temporada do seriado televisivo “Game of Thrones”. Ainda que eu mantenha a empolgação elogiosa comentada aqui, me decepcionei com o que vi nos referidos episódios. Havia dito, aliás, que evitaria acompanhar a esta segunda temporada, sob pena de prejudicar o estupor positivo que me tomou de assalto anteriormente, mas não me arrependi de todo ao insistir em acompanhar aqueles numerosos personagens, atolados até o pescoço em tramóias reais e belicistas: decepcionei-me, é verdade, mas nada pra o qual eu não estivesse comercialmente preparado.

 Dentre as subtramas pouco empolgantes desta segunda temporada, há de se destacar toda a modorra associada ao personagem Jon Snow (Kit Harington), hiperestimado em sua bravura porém desinteressante em sua virgindade inconvincente, conforme fica ainda mais evidente no episódio em que ele tem ereções enquanto dorme agarrado a uma suposta selvagem. Outro nucléolo pouco interessante envolve a conversão do órfão e autoproclamado ‘Rei do Norte’ Robb Stark (Richard Madden) em homem apaixonado por uma estrangeira perita em sutura de soldados feridos, bem como os devaneios frustrados de poder proferidos por Theon Greyjoy (Alfie Allen), que, para além de sua crueldade e fealdade exótica, não conseguia se esquivar de uma pungente sensualidade.

 Dentre as subtramas que mais me interessaram, há que se destacar: as desventuras da graciosa ‘khaleesi’ Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) enquanto tenta proteger seu povo e seus três filhotes de dragão [elemento este que me intimidou negativamente ao final da primeira temporada, mas que é, desde já, um dos chamarizes bem-sucedidos para que eu me disponha a ver a terceira, ano que vem]; os sofrimentos experimentados pelo garoto paralítico Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright), que vê sua cidade-natal ser queimada e seus patrícios assassinados; e, ainda, a impressionante desenvoltura do genial Tyrion Lannister (Peter Dinklage) em seu desempenho como Mão do insuportável rei estouvado Joffrey Baratheon (Jack Gleeson), como amante fiel da sedutora forasteira Shae (Sibel Kekilli) e como inusitado confidente das ameaças amarguradas da traiçoeira Cersei Lannister (Lena Headley), que apregoa que “amar muitas pessoas é algo que enfraquece”, e da dissimulada Sansa Stark (Sophie Turner), cada vez mais intimidada em suas sujeições masoquistas aos abusos de autoridade das pessoas que a cercam. Por estes personagens, vale muito a pena continuar assistindo à série, por mais que ela descambe para a manutenção programada de nossa atenção ideologizada.

Analisando o que escrevi até então, percebi que meu tom está muito mais descritivo do que dissertativo, mas sou obrigado que isto é demasiado compreensivo diante não apenas da pletora de personagens como das variações de humor com que eu reagia a cada situação. Se, por um lado, declarei anteriormente que não fui convencido pela gentileza de Rob Stark para com seus prisioneiros e inimigos, por outro, irritei-me ainda mais com as suas reações aos comportamentos precipitados de sua mãe Catelyn (Michelle Fairley), que deixa fugir um importante e cruel prisioneiro. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma Catelyn não é uma mulher que me fascina pela constante dubiedade de sua construção personalística? Em outras palavras: tal qual destaquei no que tange aos pequenos dragões de Daenerys, o mesmo elemento que, num minuto anterior, incomodava pela aparição, no momento seguinte, fascina pela transmutação valorativa, pela associação inesperada com os anseios (i/a)morais de outros personagens. Outro exemplo deveras pertinente? A crescente importância do sorrateiro eunuco Varys (Conleth Hill) na segunda metade desta temporada que o diga: afeiçoei-me estranhamente a este personagem (risos).

Imaginando o que pode despertar interesse na terceira temporada vindoura, constato que uma espécie de autotelia narrativa é muito mais válida do que uma percepção teleológica, no sentido de que, ao contrário dos admiradores da heptalogia literária de George R. R. Martin a que ainda não tive acesso (os dois livros ainda não chegaram sequer a ser escritos/lançados), estou pouco me lixando para quem vai ganhar as tais guerras que são anunciados segundo após segundo dos episódios da versão televisiva. O que eu gosto mesmo é de perceber-me imerso num inteligente emaranhamento de variações enredísticas prenhes de traição, luxúria e exacerbações simbólicas de tudo de ruim que pode provir do caráter de seres humanos metidos com política. É isso que faz com que, mesmo quando eu me decepciono com a série, eu insista em defendê-la como um dos mais geniais produtos televisivos que já vi em minha vida. Ouso dizer: excelente!

Wesley PC>

Nenhum comentário: