quarta-feira, 11 de julho de 2012

ÀS RUAS: POR FALTA DE DIVULGAÇÃO É QUE NÃO FOI!

Na tarde de hoje, finalmente assisti ao documentário clássico “Braços Cruzados, Máquinas Paradas” (1979, de Roberto Gervitz & Sérgio Toledo), que, de clássico, de fato, tem a sua relevância histórica, mas não necessariamente a sua formatação discursiva: o modo como os diretores/roteiristas/editores, ao lado do músico Luiz Henrique Xavier e do fotógrafo Aloysio Raulino, estruturam a cadência narrativa do documentário tem muito menos a ver com a objetividade ideologizada os entusiastas da forma “clássica” do gênero que com as inovações estético-políticas levadas a cabo por Jean Rouch, Chris Marker e Robert Drew, para ficar em apenas alguns exemplos. Em outras palavras: o filme não se prende apenas a um registro da História, mas ajuda a escrevê-la, o filme sai às ruas e compra a briga dos trabalhadores, focalizada como objeto de denúncia do filme.

 A rejeição dos moldes clássicos de feitura confere ao filme uma estrutura que se serve de elementos consagrados como ficcionais, mas que servem aqui a um propósito conteudisticamente revolucionário. O foco da exposição fílmica são as conturbadas eleições sindicais metalúrgicas de 1978. Logo no início, a narração de Othon Bastos rechaça os moldes sindicais então em voga, implantados pelo ex-presidente Getúlio Vargas a partir de uma moldura fascista. Três chapas estão concorrendo: a chapa 1, que anseia pela continuidade do peleguismo; a chapa 2, que proclama um discurso mencheviquezado; e a chapa 3, claramente de oposição e à qual estão coadunados os interesses expositivos dos produtores do filme e as reivindicações salariais da maioria dos trabalhadores. Ao longo dos 76 minutos de projeção, acompanhamos as planilhas administrativas das três chapas em concorrência, as atividades grevistas mencionadas desde o chamativo título do filme e as acusações (comprovadas) de fraude na apuração dos votos. Uma elipse formal demonstra a intervenção do Ministério do Trabalho em favor dos sindicalistas da chapa 1 e o trecho final do filme é um clamor público pela legitimidade dos direitos dos metalúrgicos. Simples, porém expressivamente efetivo!

 Dentre os diversos recursos linguísticos que facilmente angariam a atenção militante do espectador estão a percuciente exposição de problemas socioeconômicos da época, como os veículos lotados e em más condições nos quais os trabalhadores se penduram para chegar até às fábricas, as reclamações incoesas e justificadamente redundantes de operários que estão muito mais preocupados com suas condições de subsistência do que com uma plataforma política mais geral – o que redundará numa brilhante autocrítica por parte do filme, quando mostra um representante patronal dizendo que os grevistas estão muito alegres, ao invés de demonstrarem a penúria atrelada aos salários insatisfatórios, conforme se vê nalgumas imagens em que eles sorriem deslumbradamente para a câmera – e a legitimação midiático-jornalística de medidas oficiais, como a estapafúrdia garantia à posse de Joaquim dos Santos Andrade, presidente reeleito (por vias corruptas) da Chapa 1. A utilização de campo e contracampo, bem como a ficcionalização proposital e escancarada de algumas situações (como o momento em que os operários, de fato, desligam as máquinas em protesto – vide foto), fazem com que o filme se destaque qualitativamente entre os outros exemplares cabais do cinema documental grevista, no caso “Greve!” (1979, de João Batista de Andrade), “ABC da Greve” (1979, de Leon Hirszman) e “Linha de Montagem” (1982, de Renato Tapajós), os três recuperados analítica e nostalgicamente em “Peões” (2004, de Eduardo Coutinho).

 Apesar de seu brilhantismo construtivo e reivindicativo, “Braços Cruzados, Máquinas Paradas” é pouco conhecido, desprezado pela crítica pelega e ignorado por diversos cinéfilos. Tive a honra de assistir a este filme brilhante numa sessão promovida pela ADUFS, Associação dos Docentes da Universidade Federal de Sergipe, em que, incluindo este que vos escreve, uma amiga de infância e três dos organizadores do evento, havia seis pessoas no auditório, chegando mais duas ao final do filme, para contribuir com o debate. Ou seja: um dos mais pungentes filmes já realizados no Brasil sobre uma justa paralisação das atividades trabalhistas em prol de direitos constitucionais básicos continua a ser desdenhado, ainda hoje, por aquele que deveria ser o seu público-alvo ativo. Por essas e outras, os pelegos continuam a se reeleger...

 Wesley PC>

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