sexta-feira, 13 de julho de 2012

“MAIS DE 58 LINHAS E NENHUM ADVÉRBIO DE MODO!”

Não esperava me impressionar tanto com “Caro Francis” (2009), documentário dirigido por Nelson Hoineff sobre Paulo Francis (1930-1997), uma das figuras mais controvertidas do jornalismo brasileiro, visto nesta noite de quinta-feira graças a uma exibição casual na GNT, canal que nunca tinha me dado ao luxo de assistir até então. No filme, amigos, admiradores, ofendidos, familiares, imitadores e detratores do jornalista expõem suas visões sobre ele da forma mais íntima possível, o que muito me agradou, visto que este era justamente o modo de expressão que o consagrou enquanto crítico e cronista.

Famoso (ou melhor, infame) por causa de seus erros informativos em comentários sobre obras de arte – erros que ele fazia questão de manter, visto que afirmava que não estava interessado na “realidade dos fatos”, mas sim num ‘análise’ dos mesmos, aspecto com o qual me identifiquei – Paulo Francis tornou-se ainda mais consagrado quando passou a aparecer comumente na TV, numa seção estadunidense da Rede Globo, tanto por causa de sua voz anasalada quanto por causa de suas opiniões categóricas e exageradas, sem contar a sua estridente conversão em defensor apaixonado do capitalismo depois de ser trotkista por vários anos. Num trecho do documentário, inclusive, ele questiona: “num determinado ponto de minha vida, eu percebi que o capitalismo não era o monstro contra o qual eu deveria lutar, mas sim algo que funciona”... E eu tive certeza de que este filme mudaria o meu ponto de vista acerca de como encarar a minha provável adesão futura ao ofício de jornalista!

 Acusado de ser plagiador, medíocre no campo intelectual, machista, colérico e muitas outras pechas comprovadas, Paulo Francis amava sua gata Alzira. Na cena que mais me emocionou no filme, sua viúva chora ao ler uma carta que descrevia o sofrimento da mesma durante os seus últimos dias de vida. Mas o que chama mais atenção no documentário são as entrevistas, que vão desde o seu companheiro de redação Ruy Castro aos seus asseclas opinativos Matinas Suzuki e Diogo Mainardi, além da shomenagens prestadas por uma banda de ‘rock’ pernambucana chamada Paulo Francis Vai Pro Céu. Porém, o momento mais impactante para mim foi uma intervenção do ex-Ministro da Fazenda Gustavo Krause, que, depois de ser tachado de “jeca” pelo jornalista, que não escondia o seu preconceito contra nordestinos, o político pernambucano disse que ela tinha razão em suas acusações e, em seguida, tasca: “do mesmo modo que existe ‘intelligentsia’ no Brasil, existe também uma ‘burritsia’. Qualquer um que não pense sob a vulgata marxista faz muita falta!”. Fiz questão de enviar este comentário para o meu orientador de Mestrado no mesmo instante! (risos)

No trecho final do documentário, a suposta negligência de um médico e um processo judicial (em minha opinião, entendível) contra uma aberrante calúnia proferida pelo jornalista – que acusou ao vivo, no seu programa de televisão, o então presidente da Petrobrás, Joel Rennó, de ser “formador de quadrilha” e de possuir dinheiro depositado em contas na Suíça – são elencados como fatores desencadeadores do enfarto que matou Paulo Francis, mas, para além de suas polêmicas rasteiras, o documentário foi muitíssimo coerente em sua exposição objetiva dos pontos de vista variados sobre este controverso profissional da imprensa brasileira. Desgosto de Paulo Francis enquanto “pessoa” (entendendo-se pelo termo o que apreendi sobre ele neste documentário e na leitura de alguns artigos de sua autoria), mas defendo a necessidade de sua existência enquanto ser humano – e o modo sincero e apaixonado com que ele elogia a amizade demonstra que ele não era um homem de todo ruim! – e enquanto polemista (que o diga o modo inteligente com que ele confessava ter usado quase todas as drogas e nunca ter se viciado em nenhuma, acrescentando que “viciado é aquele que busca de todas as formas a sua autodestruição” e que achava a maconha inócua, mas o uso de cocaína o fazia querer ouvir as óperas de Richard Wagner em volume alto). Afinal de contas, como muitos concordaram, faz bem ter alguma voz corajosa e espevitada que se eleve contra aquilo que discorda. O embate narrado entre ele e o antigo ‘ombudsman’ da Folha de São Paulo, Caio Túlio Costa, apelidado de “lagartixa pré-histórica” pelo biografado, é providencial neste sentido: se Paulo Francis vivesse em Sergipe e tivesse que comentar determinadas atividades culturais do Estado, ele já teria sido apedrejado faz tempo, por motivos bem diferentes daqueles que me faz considerá-lo um contra-exemplo do tipo de jornalismo que eu anseio por exercer. Por outro lado, ele faz parte de uma geração extinta, para quem os textos jornalísticos e/ou opinativos deveriam ser bem escritos tanto na forma quanto no conteúdo, visto que ambos são indissociáveis. A bela exclamação que intitula esta postagem, mencionada no filme pelo brilhante Ruy Castro, é a prova que Paulo Francis não deve ser rechaçado sem análise – mesmo que seja tão enérgico e precipitado quanto o tipo de comentário (inclusive permeado por palavrões) que ele estava acostumado a fazer!


Wesley PC>

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