sexta-feira, 10 de agosto de 2012

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #04: “ELE É QUEM MAIS GASTA. A FAMÍLIA É TODA PERDULÁRIA!”

Ao contrário do filme que vi ontem, muito lento e diluído narrativamente, “O Palácio dos Anjos” (1970), exuberante produção colorida de Walter Hugo Khouri, é dinâmico e tramaticamente acessível: cansada de ser assediada moral e sexualmente por seu patrão Ricardo (Luc Merenda), a bela secretária Bárbara (Geneviève Grad) é interceptada na rua por uma mulher (Joana Fomm, no vigor de sua juventude e beleza) que lhe oferece uma proposta de trabalho aparentemente irrecusável: ela possui um bordel de luxo e tenta convencer Bárbara a integrar a sua fauna de coquetes, mas ela recusa inicialmente. Ao chegar em casa e fazer as contas de todas as suas dívidas, ao lado de duas amigas, Bárbara exorta-as a não mais “dar de graça” e, ao invés de trabalhar para a mulher que lhe dera a idéia da prostituição-chique, monta em seu próprio apartamento um cabaré requintado. Uma das companheiras de Bárbara não gosta da idéia e volta para a casa de seus pais. Numa cena impressionante em seu poder de inversão khouriana, vemos Bárbara freqüentar bares e outros lugares comumente freqüentados por homens em busca de aventuras sexuais, a fim de encontrar uma nova prostituta juvenil para o seu empreendimento...

Apesar de reducionista (o filme é muito mais do que isto, tenham certeza), a sinopse acima revela uma inaudita versatilidade por parte do diretor e roteirista, que, neste filme em particular, denota conhecer a alma feminina tanto quando se dispõe a desnudar a alma masculina. Em dado momento, aliás, há o ponto em que ambas as almas se confundem: em pelo menos um momento da trama, Bárbara é chistosamente chamada de “Ricardo”, por causa da voracidade com que conduz seus negócios, e, ao final, confunde-se plenamente com ele em sua sanha capitalista, organizando a disponibilidade erótica das garotas sob sua administração como meros bibelôs proporcionadores de prazer pago. Em mais de um sentido, enxergo neste filme uma espécie de ousada autocrítica por parte de seu idiossincrático realizador, sempre na fronteira entre a descrição sincera das angústias anímicas mais ferozes e a ambigüidade naturalmente associada a qualquer representação sexual. Como os filmes khourianos são também notados pela quantidade exorbitante de cenas sexuais, no impactante desfecho de “O Palácio dos Anjos”, a autocrítica chega ao seu paroxismo: é lícito prostituir-se? E prostituir aos outros, como se justifica? 

Para falar a verdade, este foi um de seus filmes que eu menos apreciei: por incrível que pareça, a agilidade rítmica me deu sono, mas tenho certeza de que, ao revê-lo, gostarei muito mais. Por ora, dois detalhes me enchem de orgulho acerca desta produção: a trilha sonora agonizante do inspirado Rogério Duprat e a seqüência protagonizada por Norma Bengell, que interpreta uma esposa indignada pelo sucesso de Bárbara enquanto meretriz em relação a seu marido. Sentimos na pele – eu, o diretor e os demais espectadores – o tapa na cara que Bárbara leva nesta seqüência. Mas, mesmo assim, seguimos em frente: o mundo é um lugar injusto!

Wesley PC>

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