sábado, 11 de agosto de 2012

MINI-MARATONA WALTER HUGO KHOURI #07: “O FILME É, ACIMA DE TUDO, VOCÊ MESMO!”

Vi “Paixão e Sombras” (1977), obra-prima autobiográfica e metalingüística do diretor Walter Hugo Khouri, com uma pequena defasagem cronológica em relação ao filme que ele realizaria logo em seguida, mas isso foi mágico: se “As Filhas do Fogo” (1978) precisava ser visto em comunhão com meus melhores amigos, “Paixão e Sombras” precisava ser consumido, introjetado, penetrado no elã de minha solidão, em sua primeira vez: é uma obra de arte minimamente significativa, daquelas que precisam ser revistas N vezes, a fim de que eu consiga apreender pelo menos um terço de seus discursos gritados pelo espírito: é um filme no qual não consigo encontrar defeitos, salvo a inevitabilidade de ter um fim. É um filme que não se acaba, mas que se inscreve perpetuamente no coração, no cérebro e na alma do espectador. É uma obra-prima, insisto. Quiçá, o melhor filme do diretor, tão ou mais incisivo que o espetacular “Eros, o Deus do Amor” (1981).

Neste filme, Marcelo (Fernando Amaral), um personalíssimo diretor de cinema, passeia pelos estúdios de sua nova produção. Deseja reatar a parceria com uma atriz-musa (Lílian Lemmertz), mas esta está contratada para outro filme, no Rio de Janeiro. Sua assistente, Ana (Monique Lafond, excelente), obviamente apaixonada por ele, tenta motivá-lo, convencê-lo a escolher outra atriz, mas ele é obstinado, só quer aquela, pois “o filme é dela, para ela, sobre ela”. Perguntam-lhe por que ele só filme em interiores, e, para além de sua sinceridade vinculada à temática da angústia, ele deixa entrever que esta é uma restrição produtiva, visto que pagam-lhe pouco para financiar os próprios filmes, extremamente autorais. Neste sentido, a contribuição do espirituoso contra-regra Buda (Carlos Bucka) é vital. Numa cena genial, Ana o compara à efígie de Orson Welles. Quando perguntado se deseja participar do filme como ator, Buda rejeita. “Minha esposa vai ficar com ciúmes se me vir contracenando com um monte de menininhas”. Mas, sem que ele soubesse, já estava participando – e magistralmente – de um filme-testemunho, um estado de alma, uma obra-prima.

 Fiquei impressionado – e até chateado – por saber que este filme é tão ignorado na encantatória filmografia do diretor: é um de seus filmes mais nus, se é que se pode dizer isso de um ‘corpus’ em que a nudez é quase onipresente, em todos os sentidos do termo. Aqui, o desnudamento do Marcelo/Khouri é completo, pleno, total, incontrolável: até mesmo para os meandros economicistas de minha pesquisa de Mestrado, este filme será utilíssimo. Ele funciona sob qualquer frente ou lado que nos disponhamos a analisar: é um filme perfeito. Preciso dele muito mais vezes em minha vida. Minha vida.

 Wesley PC>

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