quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A HISTÓRIA, O TEMPO, AS MENSAGENS SOBRELIMINARES...

Gosto muito de filmes compostos por episódios internacionalizados, não obstante admitir que, no século XXI, em particular através das ideias de alguns produtores franceses, este tipo de filme vem se tornando uma concepção fetichista de cinema intra-referencial, realizado menos por seus méritos qualitativos e/ou necessidades de expressão que pela observação percuciente de que cinéfilos gastam dinheiro para brincar de adivinhar quem está por detrás de pequenos projetos orientados por uma temática geral.

 Foi assim, portanto, que eu me senti obrigado a ver “Lumière e Companhia” (1995), dirigido por 41 diretores, que, a convite de Philippe Poulet, realizaram micrometragens de mais ou menos cinquenta segundos, utilizando a câmera inventada em no final do século XIX pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, e seguindo algumas regras elementares, como não utilizar som sincronizado. Os resultados foram bastante divergentes: não tive acesso aos episódios de Sarah Moon e Nadine Trintignant, nem assisti às transições entre os segmentos, quiçá importantes em sua assunção de intentos directivos, já que os cineastas explicavam alguns esboços de suas ideias. De longe, os meus segmentos favoritos foram aqueles dirigidos por Zhang Yimou (que converte um casal de atores de ópera clássica num dueto ‘punk’, em plana Grande Muralha da China), Gabriel Axel (que, num plano-seqüência, torna simultâneas ações como uma filmagem ao ar livre e um duelo), Alain Corneau (que encanta fazendo uma mulher dançar enquanto é iluminada por diversas cores implantadas na película), Arthur Penn (que mostra um oriental lambendo entusiasticamente o sangue de uma mulher negra parindo uma criança), Andrei Konchalovsky (que focaliza um cachorro em decomposição diante de uma paisagem árida), Constantin Costa-Gravas (que inverte as expectativas e põe crianças para encarar os espectadores), Michael Haneke (que amalgama vários trechos telejornalísticos violentos de um dia qualquer de 1995), James Ivory & Ismail Merchant (que filmam uma paisagem londrina típica do início do século XX ser invadida por uma filial do McDonald’s) e Bigas Luna (que mostra uma camponesa nua amamentando o seu filhinho numa plantação).

Dentre os episódios quase anódinos (homenagens e autocitações), merecem destaque os segmentos dirigidos por Wim Wenders (que põe em cena os famosos anjos de um díptico magistral de filmes dirigido por ele mesmo), Peter Greenaway (que experimenta com a evolução dos anos e nudez, num filmezinho que lembra bastante os testes de Étienne-Jules Marey), Claude Miller (numa brincadeira de crianças tipicamente lumiereana), David Lynch (que cria um “clima” muito mais do que parece querer contar uma estória de mistério), Jaco Van Dormael (que registra o beijo apaixonado de um casal com Síndrome de Down, excepcionalidade que já foi tema de um de seus filmes), Fernando Trueba (que faz um homem atravessar a rua em direção à tela como uma realização do século retrasado), Spike Lee (que tenta fazer com que um bebê fale “papai!” pela primeira vez), Idrissa Ouedraogo (que se diverte com um blague de banhistas num rio, quando um deles imita um jacaré e assusta os demais), Youssef Chahine (que zomba dos ‘takes’ turísticos diante das pirâmides egípcias, fazendo com que um homem irritado quebre a câmera dos personagens), Cleude Lelouch (preocupado com um beijo captado simultaneamente por diversas máquinas de filmar), Gaston Kaboré (fazendo piada com meninos que são obrigados a transportar latas de negativo fílmico para um cinema), Patrice Leconte (numa pouco inspirada filmagem da chegada de um metrô à estação, que não pára), Raymond Depardon (e uma encantadora brincadeira de crianças diante de uma estatua antiga), Abbas Kiarostami (que frita um ovo enquanto pessoas tentam conversar ao telefone),Hugh Hudson (um tanto autocomplacente em sua rememoração traumática da bomba de Hiroshima, mas impactante quando revisto), Cédric Klaplisch (e os desencontros de um casal de bailarinos), Vicente Aranda (que reconstitui os desfiles militares vencedores de outrora) e Lucian Pitillie (que mostra um casal embarcando num helicóptero, cuja força do ar proveniente de suas hélices em movimento devasta tudo ao redor).

 Em relação aos episódios que não apreciei, lamento ter me deparado com os segmentos dirigidos por Liv Ullmann (sem inspiração numa ode deslumbrada à câmera antiga), François Girod (e uma péssima crítica espúria ao fascínio publicitário), Theos Angelopoulos (e um chiste com um personagem homeriano diante da câmera), John Boorman (e soldados que posam, em meiop à bagunça de uma filmagem cinematográfica nas ruas), Merzak Allouache (e uma denúncia pífia do machismo muçulmano), Lasse Hälsstrom (e um episódio que eu não entendi o que quis dizer, de tão óbvio: uma mulher embalando uma criança nos braços enquanto o trem passa), Helma Sanders-Brahms (e uma evocação deslumbrada e equivocada de um iluminador de cinema do passado, Louis Cochet), Jerry Schatzberg (e a cidade, focalizada em plano frontal, apenas), Regis Wárgnier (e uma idéia semelhante à de Fernando Trueba, muito mais londrina que parisiense), Yoshishige Yoshida (e vários planos urbanos atravessando horizontalmente a tela) e, por fim, Jacques Rivette (numa emulação infantil primeva). Espero não ter esquecido ninguém! 

 No geral, as intenções são boas, o filme é bastante irregular, mas, fetichista como eu sou, não tive como me esquivar de uma qualificação elogiosa: ótimo projeto!


Wesley PC>

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