segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A (IM)POSSIBILIDADE DE REDENÇÃO [UMA RESENHA APAIXONADA E NATALINA]:


“Um católico é mais capaz de mal que um outro qualquer. É possível que, por acreditarmos Nele, estejamos em contato mas íntimo com o Diabo do que as outras pessoas. Mas devemos esperar – acrescentou maquinalmente – esperar e rezar.” (página 283)

Consumi o romance “A Inocência e o Pecado” [“Brighton Rock” (1938)], de Graham Greene, com incrível velocidade: já havia lido três obras do autor e não conhecia nada sobre este livro em particular, mas estava sem sono numa terça-feira e precisei acalmar o meu espírito. Sendo fã deste autor intuía que, nesta trama desconhecida, encontraria ali o que uma crítica condensou como suas marcas registradas: “o domínio do tempo e da narrativa e a profundidade psicológica das personagens e do sentido religioso, remetendo aos romances de [Fiódor] Dostoiévski” (Ana Maria Kessler Rocha em “100 Autores que Você Precisa Ler” – página 105). Graham Greene me consola!

Por motivos mais do que óbvios, intuía que a trama com a qual entraria em contato me faria pensar num rapaz que amo, católico e conservador, supostamente decidido acerca das rédeas de sua vida mas concomitantemente absorto nas dúvidas e rasteiras que a vida nos apresenta cotidianamente – e, por causa disso, encontrei com contato com ele durante quase toda a leitura, como se ele nunca tivesse se afastado (fisicamente) de mim...

Na primeira página do livro, uma morte está prestes a ocorre: um homem chamado simplesmente de Hale, mas prenominado Fred (ou melhor, Charlie) recebera um golpe de arma branca nas costas, mas os jornais e laudos médicos lhe concederão um óbito por causas naturais, visto que ele sofria de trombose e diversas outras falências de saúde. O tal Hale era um agente de apostas, pelo que entendi, e dois personagens têm suas vidas descortinadas em decorrência do que acomete o infeliz Hale: a obstinada Ida Arnold, que estivera com ele pouco antes de sua morte e tem certeza de que ele recebera um golpe fatal por parte de alguém; e o Rapaz, um jovem gângster apelidado Pinkie, efetivamente responsável pelo assassínio. A primeira interroga várias pessoas em busca de pistas que conduzam ao desvelamento do crime. O segundo elimina quem possa se constituir como testemunha, assassinando a maioria destas pessoas e casando-se forçosamente com uma rapariga de 16 anos, chamada Rosa, que se apaixona perdidamente por ele, por mais que lhe digam – e ele próprio insista em provar-lhe – que Pinkie é mau e ardiloso. Ela o ama, ao passo em que ele sente repugnância de qualquer mulher, por ter nojo absoluto do ato sexual, traumatizado que ficara de quando, nas noites de sábado de sua infância, viu seu pai deitar-se furiosamente sobre sua mãe subserviente, que gozava e sofria em iguais medidas. O Rapaz odeia o pecado mortal do sexo, portanto, e esta repulsa se converterá no tema central do romance, para além de suas aparências e conduções policialescas.

À medida que a trama evolui, a proximidade referente ao desfecho das verdadeiras intenções do crime que vitimara fatalmente o doente Hale, a narrativa expõe os interesses, pensamentos e temores ocultos dos personagens, alternando-se entre os contextos que cercam os dois personagens-pólos citados no parágrafo anterior, eventualmente entrecruzados em seus destinos desviantes (Ida persegue, o Rapaz foge)... Porém, o que mais me encantou no livro foi, sem dúvida, a abnegação romântica da jovem e deslumbrada Rosa, que ama Pinkie mais que a sua vida miserável, entregando-se a ele de forma voluntariamente iludida, por mais que perceba, em momentos derradeiros, que ele tem a intenção de deformá-la com vitríolo ou conduzi-la a um oportuno suicídio. “Preferia matar-se a dar à língua (...), porém, sabia que não teria essa coragem” é um vaticínio que, na página 95, abrange os desígnios desejosos de mais de um personagem.

Surpreendentemente, o asco nutrido pelo Rapaz em relação ao sexo faz não apenas que ele se conserve virgem até as vésperas de sua maturidade como tema fervorosamente que precise penetrar a luxúria de qualquer fêmea, seja a rapariga carente com quem se casa ilegalmente, seja a amante de um capanga recém-falecido que flerta com ele numa festa. Detalhe adicional: o Rapaz também não bebe álcool. Conclusão: identifiquei-me plenamente com ele, ao passo em que também empurrava esta identificação para o moço que amo, igualmente abstêmio de álcool e sexo. E, sem que eu percebesse, via-me plenamente absorto nas agruras religiosas, conscienciosas e muitíssimo bem-redigidas deste romance inesperado e magistral, definida como “o primeiro ‘romance sério’ do autor” por alguns exegetas. Se eu estava apaixonado antes e deixei fingir que este sentimento estava adormecido, durante a leitura, tudo veio à tona: não sei se me atrevo a classificar “A Inocência e o Pecado” como uma obra-prima, mas a descrição do passeio pela beira-mar em que o Rapaz tenta conquistar definitivamente o carinho de Rosa, enquanto disfarça o asco em relação a seus carinhos, e percebe que a sua virgindade intumesce em si mesmo como o sexo, tornou-se rapidamente uma das imagens literárias imortais e definitivas de minha vida. Recomendo este pé com a alma trêmula (tal qual Ida, quanto visita um necromante) e langorosa (tal qual Rosa, em todas as passagens que protagoniza), mas, ao mesmo tempo, firme na manutenção de meus anseios e temores (tal qual Pinkie, do surgimento criminoso ao sumiço que lhe captura no desfecho). Um livro magistral, como tudo aquilo que o egrégio Henry Graham Greene (1904-1991) pariu em vida!

Wesley PC> 

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