sábado, 9 de junho de 2012

E, QUANDO EU PENSO QUE JÁ VI DE TUDO, ESSE TAL REALISMO HODIERNO ME PREGA UMA SURPRESA!

Até dia desses, nunca havia ouvido sequer falar do diretor italiano Pappi Corsicato. Sua filmografia é bastante discreta, mas, ainda assim, uns e outros insistem em tachá-lo de almodovariano. O fotograma acima revela muitas conexões com filmes como “De Salto Alto” (1993) ou mesmo “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), mas, em minha opinião, “I Buchi Neri” (1995), filme dele que descobri por acaso, parece mesmo é com as obras da década de 1990 realizadas pelo irregular Gregg Araki. Terminei me surpreendendo e gostando bem mais que o (in)esperado!

Na primeira cena do filme, um estranho plano espacial, ao som de um ‘rock’ romântico cede espaço à focalização de uma latrina, onde dois jovens com calças arriadas urinavam. Um deles está se casando com uma mulher sem olhos. O outro recita os versos iniciais de “O Estrangeiro”, obra-prima literária de Albert Camus, e parte para um lugar praiano, a fim de enterrar a mãe, com a qual parece não ter muito vínculo afetivo. No caminho, depara-se com uma mulher sendo fotografada por um homem gordo. Arria as calças ali mesmo e se masturba. Mais tarde de apaixona por ela, que é prostituta e tem medo de galinhas. Vivem juntos por algum tempo e, noutra conexão enredística com “O Estrangeiro”, assassina um meliante praiano com um facão. Foge. A prostituta sente sua falta e, desmaiada, escuta seu nome ser chamado por um gigantesco ovo voador, que lhe afirma que a galinha que ela encontrará a seguir é um anjo. Talvez este tenha sido um final feliz...

Apesar de eu ter sintetizado quase toda a trama do filme, há muito a ser visto em “I Buchi Neri”. Por isso, achei muito injusto que este filme não seja conhecido: é tão inusitado, tão bem dirigido, tão bem interpretado, por que não obteve nem que seja um sucesso restrito a festivais ‘underground’? Gostei muito do filme. Recomendo!

Wesley PC> 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O SONO QUEDARÁ (IN)TRANQÜILO DEPOIS DISSO...


“A Caverna dos Sonhos Esquecidos” (2010), do Werner Herzog, tirou meu sono! Trata-se de um documentário impressionante, sobre uma descoberta arqueológica recente, a Caverna de Chauvet, que se tornou famosa em 1994 quando espeleólogos descobriram lá aqueles que, até então, são os vestígios mais antigos da existência humana no planeta. Tratam-se de desenhos pintados há mais de trinta mil anos em que, além de leões pré-históricos, mulheres nuas em conjunção com bovinos extintos e cavalos que parecem estar em movimento, deparamo-nos com palmas de mãos repetidas em vários trechos da caverna. E foi isto o que mais me impressionou: uma mão humana, com um dedo mindinho torto, ciente de que está no mundo e que, por algum motivo, deve comunicar a outrem esta proeza. Tanto o fez que, muito bem-feito, me deixou impressionado: não consegui dormir direito depois desse filme!

 Comentei noutro canto que, por mais que eu esperasse que ele fosse um ótimo filme – dado o currículo impressionante de seu diretor, recém-elogiado aqui, numa ocasião recente e também inusitada – não imaginava o quão impressionado eu ficaria após a sessão. Juro: eu tremia de emoção diante do que vi! Imagino se tivesse consumido esta obra de arte em 3D, como ele foi planejado, conferindo a esta ferramenta fetichista o uso que ela merece: teria sonhos hipnotizantes por meses a fio! Se um dia me derem a oportunidade de viajar para o lugar do mundo que eu quiser, a Caverna de Chauvet tornou-se um destino ansiado. Se bem que, como o diretor explicou em sua pungente narração, as visitas de turistas podem prejudicar a beleza frágil do lugar, visto que até mesmo o mofo oriundo da respiração dos indivíduos macula os painéis rupestres ali condicionados. Mas, Deus do céu, que sonho!

 Tenho ciência de que esta apreciação escrita sobre a minha experiência está marcada pelo deslumbramento senso-comunal, mas nem me defenderei com muito esmero: o fascínio que o filme provoca transcende estes detalhes: se, por um lado, eu ficava me questionando o tempo inteiro acerca o viés aburguesado do tipo de financiamento monetário para o caríssimo e delicado tipo de pesquisa mostrado no filme, por outro, eu não conseguia conter o meu espanto diante de cada imagem deslindada em vários tons de sombra pela genialidade analítica do diretor, que, afinal, encerra seu filme com um surpreendente e desolador questionamento acerca da criação de crocodilos mutantes numa região nuclear localizada próxima á tal caverna. É algo de deixar qualquer ser humano de cabelo em pé! Peço perdão pela pobreza de meu comentário, mas “A Caverna dos Sonhos Esquecidos” não deve ser apenas descrito: ele deve ser visto, sentido, ouvido o quanto antes! Tão silenciosa e respeitosamente como qualquer um que tenha pisado na tal caverna...

 Wesley PC>

quinta-feira, 7 de junho de 2012

IDEOLOGÍA (com acento no I)

Não é surpresa para ninguém que “Alô, Amigos” (1942, de Wilfred Jackson, Jack Kinney, Hamilton Luske & Bill Roberts) peca por sua verve ideológica generalizante e abarcadora. Menos surpresa ainda é que ele seja um filme muito bom. Mas, entre um e outro adjetivo, há um incômodo irreparável, que tem muito a ver com o que o teórico francês Alain Herscovici quer dizer quando alega que “o Estado financia certos bens culturais tendo geralmente como objetivo a democratização cultural, baixando o preço para o consumidor final, o que deveria aumentar o consumo. Mas, na realidade, todas as pesquisas sobre o público das instituições culturais mostram que só as classes sociais que têm um nível de renda mais alto se beneficiam desses financiamentos” (página 129 de “L’unité économique du secteur de la communication” – 1989). Talvez seja uma assertiva óbvia, mas nunca suficiente repetida e, ainda pior, nunca adequadamente apreendida – de propósito!

 Nos 42 minutos de “Alô, Amigos”, o Pato Donald visita o lago Titicaca, no Peru, e entra em conflito com uma lhama sobre uma frágil ponte suspensa que desaba, no primeiro episódio, e, mais tarde, se embebedará ao lado do malandro papagaio brasileiro Zé Carioca. Antes desse último evento, um parente gaúcho do vaqueiro Pateta se dispõe a um cotejo entre os hábitos típicos dos fazendeiros argentinos e os pioneiros estadunidenses. Tudo muito ideológico, obviamente, mas, por incrível que pareça, o episódio do filme que mais gostei foi justamente aquele que mais me irritou a princípio: a antropomorfização de uma família de aviões chilenos, responsável pelo transporte do malote postal ao redor do monte Aconcágua. Fiquei encantado com a determinação do aviãozinho Pedro e com a bonomia de seus pais. Sou manipulável, portanto.

Wesley PC>

quarta-feira, 6 de junho de 2012

MASTURBANDO-SE AO SOM DO DISCO NOVO DA PATTI SMITH...

Duas de minhas sobrinhas neo-alagoanas estão grávidas: uma de 20 anos, que fez aniversário recentemente; e outra de 14, cuja data de aniversário eu nem sei mais. Pelo que eu pude apreender das conversas telefônicas entre minha mãe e minha irmã, mãe das duas grávidas, a primeira delas sente enjôos tão fortes que chega a precisar de internação hospitalar. Minha mãe, entretanto, ofereceu uma solução certeira a minha irmã: “basta enrolar algumas folhas de jornal nos seios que os enjôos passam!”. Não sei se minha sobrinha atendeu à dica de minha mãe, mas esta brilhante demonstração de senso comum bem-intencionado me fez pensar em muita coisa, inclusive no que diz respeito a estas questões femininas que, mesmo não sendo sentidas internamente por mim (menstruação, gravidez, hímen fisiológico), tendem a me ser tão caras...

 No mesmo dia em que recebi alguns elogios por conta da publicação de um texto sobre a Marcha das Vadias aracajuana e o paralelo com a trajetória de algumas cineastas – intitulado “Com Teto e Com Lei: Ou de Como Sergipe Também sabe Gritar Contra a Opressão”, mas cujo título foi radicalmente modificado quando de sua publicação aqui – resolvi escutar o novo disco de minha musa alternativa Patti Smith: “Banga” (2012), recém-lançado no último dia 05 de junho. Composto por 12 canções, distribuídas ao longo de cinqüenta e oito minutos e trinta e quatro segundos, este disco me agradou pela sutileza. Analisando comentários da artista sobre suas composições, percebemos que “Banga” é deveras conceitual em sua organização de letras que remetem à colonização da América e ao movimento reflexo que os Estados Unidos tendem a fazer com o restante do mundo em contexto de pós-guerra. É um trabalho conceitual em relação às próprias obras anteriores da cantora, visto que ela é muito coerente em suas denúncias, mas, aqui, o dedo lírico da artista é apontado contra (e a favor) de alvos bastante definidos, que vão desde os tsunamis no Japão e o falecimento da cantora Amy Winehouse até o aniversário de Johnny Depp, comemorado no dia 9 de junho. Apesar de já ter ouvido o disco pelo menos quatro vezes na íntegra, de ontem para hoje, foquei minha atenção primordial na faixa de abertura, “Amerigo”, repetida enésimas vezes antes de dormir. Mas, obviamente, as faixas que mais me despertaram o interesse foram “Tarkovsky (The Second Stop is Jupiter)” (faixa 08), que menciona um dos diretores cujo extraordinário conjunto da obra teve sua genialidade beatífica assumida com dificuldade por mim, e a épica “Constantine’s Dream” (faixa 11), com mais de dez minutos de duração, em que a autora versa sobre o papel que os fazedores de arte desempenham na sociedade, como ela mesma afirmou numa entrevista.

Além das canções destacadas, a quinta faixa, que é homônima em relação ao título do disco, seduz por seu apelo roqueiro mais gritante, e canções como “This is the Girl” e “Maria” encantam por remeterem ao tipo de sensação compreensiva em relação à alma feminina a que me referi nas linhas iniciais desse texto, enquanto que a faixa 09 ("Nine") impressiona pela continuidade estilística com o disco "Gung Ho" (2000), que aprecio bastante. Mas queria aproveitar a deixa para falar sobre outro assunto: hoje de madrugada, eu sonhei. No sonho, um rapaz cujo pênis eu chupo (intermitentemente, é claro) há cerca de dez anos impedia-me de vasculhar os resquícios seminais que ele expelira durante um banho. Ele estava atrasado para um compromisso cm seus amigos de farra. Estava irritado por causa disso, inclusive, mas, mesmo assim, resolveu cochilar antes de sair de casa. Dormiu demais, ficou ainda mais atrasado. E, antes que ele despertasse, furioso, eu acordei. Assustado e impressionado, enviei uma mensagem de “bom dia” para o seu celular. Nunca se sabe... Tenho ciência de que os sonhos referem-se mais a pendências do passado que a previsões do futuro, mas não custa se precaver. Patti Smith, ainda cantando em meu rádio, que o diga!

Wesley PC>

terça-feira, 5 de junho de 2012

“MAIS VALE UMA BICHA NA MÃO DO QUE TRÊS HOMENS VOANDO” OU “NÓS TAMBÉM TEMOS O DIREITO DE VIVER”!

Quando eu vi o cartaz de “Manicures a Domicílio” (1978), intuí logo que seria uma pornochanchada entojante e machista. O crédito do canastrão Carlo Mossy como diretor confirmava o meu preconceito, mas, para meu escândalo, o filme se mostrou espantosamente subversivo em diversas seqüências. Logo no início, por exemplo, a aparição do próprio diretor, interpretando ele mesmo e se dirigindo à platéia como “meu querido público pornochanchadeiro” demonstrou que havia algo de muito relevante para ser visto ali. Por mais que as enésimas tentativas de suicídio do afetado cabeleireiro Aurora Boreal (Carlos Leite) tivessem um mínimo de incremento humorístico (admitamos: tentar se matar através de sufocação por perfumes da Avon é algo hilário enquanto sintoma de época), o diretor serve-se dele apenas para desfilar aquilo que as pornochanchadas têm de mais recorrentes: peitos e bundas de mulher em contextos absolutamente demeritórios para as suas portadoras. Mas, ainda assim, insisto: o filme tem algo de subversivo que o redime.

No que se pode chamar de trama no péssimo roteiro deste filme, o tal cabeleireiro é assediado por três mulheres belíssimas, ao longo dos 90 minutos de projeção: a primeira delas, a mulata Conceição (a deslumbrante Adele Fátima), envolve-se com um mafioso italiano que possui uma rede de supermercados e capangas que fazem sexo com sua velha e maltratada esposa; a segunda delas, uma morena chamada Glorinha (Marineide Vidal) seduz um gerente de banco que também é síndico do prédio em que mora e possui um pôster enorme do filme “O Anjo Nasceu” (1969, de Júlio Bressane) em sua residência; e a terceira delas, a loira Madalena (Marta Moyano) persegue um autoritário senhor, que possui um militar nazista como vigilante. São pretextos ridículos para cenas pretensamente sensuais em que jovens gostosas entregam-se sexualmente a homens idosos e antipáticos, antes de as três se juntarem para estuprar Aurora Boreal, que, afinal, acaba preso por tacar fogo em sua casa. O interessante é que, antes de descobrirmos que ele está na prisão, acompanhamos ele dançando empolgadamente “Eleanor Rigby”, de The Beatles, na abertura de seu salão de beleza. Sua mãe (Henriqueta Brieba) é enviada para um asilo depois que ele é preso, mas, ao contrário do que se imagina, ela se diverte bastante por lá, chacoalhando o corpo esquálido numa boate improvisada, ao som de um dos dois geniais lemas do filme: “nós também temos o direito de viver”. O outro lema é “mais vale uma bicha na mão do que três homens voando”, proferido quando Glorinha conversa com uma cliente que reclama da impotência sexual de seu marido. Diz ele: “se nós gostássemos de homens que só fazem vento, casaríamos com um ventilador”. E eu confesso: apesar de idiota e chauvinista, eu sorri amarelo nesta seqüência. Existe algo de muito interessante ensejado neste filme!

Ainda que, afinal de contas, os resultados de “Manicures a Domicílio” tenham sido tão desagradáveis quanto eu imaginei, é uma pornochanchada com aspectos bastante contrastantes em relação aos chavões do gênero. Por pior que seja, o roteiro não fica confinado aos clichês de corno que Cláudio MacDowell tanto satirizou, criticou e, afinal, legitimou, às expensas, inclusive, do próprio Carlo Mossy como ator. Para além de todos os seus defeitos, é um filme que vale muito a pena. Analiticamente, eu recomendo bastante. Vale um gracejo incontido!

 Wesley PC>

DE CÉU A CÉU: DO ENFADO À LEMBRANÇA (NÃO TÃO BOA?) DE QUEM SE AMA

Hoje eu encasquetei de ouvir a cantora paulistana CéU. Possuía aqui em casa o seu primeiro disco [“CéU” (2005)] e o seu lançamento mais recente [“Caravana Sereia Bloom” (2012)]. Para ser sincero, achei ambos muito chatos. Mas tenho motivos para lembrar de pessoas queridas por causa destes discos: o primeiro costumava ser consumido por osmose quando eu freqüentava festas públicas. Era muito comum ouvir “Malemolência” e, principalmente, “Roda”, as canções mais famosas do disco, quando os técnicos de som de algum evento preparavam o equipamento entre a apresentação de uma banda e outra. Ouvindo o disco na íntegra, não descobri nada que me agradasse por completo, ainda que um trecho da letra da terceira canção insista em me encantar positivamente: “Menino bonito, menino bonito, ai! É tudo que eu posso lhe adiantar: o que é um beijo se eu posso ter o teu olhar?. O quê? Ah, como estes versos resolvem bem o meu trauma oscular longevo: o olhar cativa, o olhar apraz!

Do disco mais recente, ouvido na manhã de hoje, talvez eu tenha gostado ainda menos. Por mais elogios que ele tenha recebido da crítica especializada, no sentido de que está menos atrelado aos clichês da MPB hodierna e mais roqueiro (o que eu discordo veementemente), achei o disco enfadante. Para não dizer que não há nada que se aproveite bastante ali, admito que a última faixa, “Chegar em Mim”, é um pitéu, para além de sua letra prenhe de autoconfiança conquistadora (“o perfume chega pra dizer: se eu fosse você, já tinha chegado em mim”). Fiz questão de repeti-la duas vezes seguidas, enquanto urinava (risos). Lembrar de quem se ama tem esse tipo de efeito colateral, ainda que a lembrança em pauta não seja tão boa. Outro dia, eu explico, quem sabe? Talvez não seja o momento mais adequado de remexer nesta ferida. Talvez a CéU não mereça ainda tanta relevância associativa. Não que ela seja ruim – estou ouvindo-a novamente com mais cuidado agora, para tentar me convencer do contrário – mas é tão formulaica que enfastia. Será que o disco do meio [“Vagarosa” (2009)] é melhor que os dois que ouvi hoje? Por ora, não me arrisco a arriscar (risos). O que foi ouvido até então é suficiente enquanto mantenedor de uma perigosa nostalgia...

Wesley PC>

segunda-feira, 4 de junho de 2012

ALGO QUE NÃO É AMOR, MAS QUE É VENDIDO, AOS POUCOS, COMO SE FOSSE...


“O processo de dominação (...) não se esgota nos métodos puramente repressivos, mas se insinua pelos caminhos tortuosos do requinte ideológico.” (Ingrid Sartri – ‘Comunicação e Dependência Cultural: Um Equívoco’)

Há pouco, vi os quatro últimos episódios da segunda temporada do seriado televisivo “Game of Thrones”. Ainda que eu mantenha a empolgação elogiosa comentada aqui, me decepcionei com o que vi nos referidos episódios. Havia dito, aliás, que evitaria acompanhar a esta segunda temporada, sob pena de prejudicar o estupor positivo que me tomou de assalto anteriormente, mas não me arrependi de todo ao insistir em acompanhar aqueles numerosos personagens, atolados até o pescoço em tramóias reais e belicistas: decepcionei-me, é verdade, mas nada pra o qual eu não estivesse comercialmente preparado.

 Dentre as subtramas pouco empolgantes desta segunda temporada, há de se destacar toda a modorra associada ao personagem Jon Snow (Kit Harington), hiperestimado em sua bravura porém desinteressante em sua virgindade inconvincente, conforme fica ainda mais evidente no episódio em que ele tem ereções enquanto dorme agarrado a uma suposta selvagem. Outro nucléolo pouco interessante envolve a conversão do órfão e autoproclamado ‘Rei do Norte’ Robb Stark (Richard Madden) em homem apaixonado por uma estrangeira perita em sutura de soldados feridos, bem como os devaneios frustrados de poder proferidos por Theon Greyjoy (Alfie Allen), que, para além de sua crueldade e fealdade exótica, não conseguia se esquivar de uma pungente sensualidade.

 Dentre as subtramas que mais me interessaram, há que se destacar: as desventuras da graciosa ‘khaleesi’ Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) enquanto tenta proteger seu povo e seus três filhotes de dragão [elemento este que me intimidou negativamente ao final da primeira temporada, mas que é, desde já, um dos chamarizes bem-sucedidos para que eu me disponha a ver a terceira, ano que vem]; os sofrimentos experimentados pelo garoto paralítico Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright), que vê sua cidade-natal ser queimada e seus patrícios assassinados; e, ainda, a impressionante desenvoltura do genial Tyrion Lannister (Peter Dinklage) em seu desempenho como Mão do insuportável rei estouvado Joffrey Baratheon (Jack Gleeson), como amante fiel da sedutora forasteira Shae (Sibel Kekilli) e como inusitado confidente das ameaças amarguradas da traiçoeira Cersei Lannister (Lena Headley), que apregoa que “amar muitas pessoas é algo que enfraquece”, e da dissimulada Sansa Stark (Sophie Turner), cada vez mais intimidada em suas sujeições masoquistas aos abusos de autoridade das pessoas que a cercam. Por estes personagens, vale muito a pena continuar assistindo à série, por mais que ela descambe para a manutenção programada de nossa atenção ideologizada.

Analisando o que escrevi até então, percebi que meu tom está muito mais descritivo do que dissertativo, mas sou obrigado que isto é demasiado compreensivo diante não apenas da pletora de personagens como das variações de humor com que eu reagia a cada situação. Se, por um lado, declarei anteriormente que não fui convencido pela gentileza de Rob Stark para com seus prisioneiros e inimigos, por outro, irritei-me ainda mais com as suas reações aos comportamentos precipitados de sua mãe Catelyn (Michelle Fairley), que deixa fugir um importante e cruel prisioneiro. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma Catelyn não é uma mulher que me fascina pela constante dubiedade de sua construção personalística? Em outras palavras: tal qual destaquei no que tange aos pequenos dragões de Daenerys, o mesmo elemento que, num minuto anterior, incomodava pela aparição, no momento seguinte, fascina pela transmutação valorativa, pela associação inesperada com os anseios (i/a)morais de outros personagens. Outro exemplo deveras pertinente? A crescente importância do sorrateiro eunuco Varys (Conleth Hill) na segunda metade desta temporada que o diga: afeiçoei-me estranhamente a este personagem (risos).

Imaginando o que pode despertar interesse na terceira temporada vindoura, constato que uma espécie de autotelia narrativa é muito mais válida do que uma percepção teleológica, no sentido de que, ao contrário dos admiradores da heptalogia literária de George R. R. Martin a que ainda não tive acesso (os dois livros ainda não chegaram sequer a ser escritos/lançados), estou pouco me lixando para quem vai ganhar as tais guerras que são anunciados segundo após segundo dos episódios da versão televisiva. O que eu gosto mesmo é de perceber-me imerso num inteligente emaranhamento de variações enredísticas prenhes de traição, luxúria e exacerbações simbólicas de tudo de ruim que pode provir do caráter de seres humanos metidos com política. É isso que faz com que, mesmo quando eu me decepciono com a série, eu insista em defendê-la como um dos mais geniais produtos televisivos que já vi em minha vida. Ouso dizer: excelente!

Wesley PC>

domingo, 3 de junho de 2012

E, MAIS UMA VEZ, PEÇO LICENÇA PARA FALAR SOBRE O AMOR, COM BASE EM QUATRO DOS FILMES QUE VI DE ONTEM PARA HOJE (MAS SÓ FALAREI O NOME DO ÚLTIMO)...

No mais antigo dos filmes que vi, um casal se expõe diante da câmera – ora em registro negativo, ora por detrás de uma névoa. Eles se amam, mas se questionam e, com o tempo, fodem. Nascerá uma criança, vista num filme posterior do mesmo diretor, que também filma a decomposição do cachorro da família...

Noutro dos filmes que vi, uma lésbica com dinheiro fica completamente atraída por uma desenhista de fêmeas de veado que encontra na rua. Paga para que ela viva consigo. A outra aceita, meio a contragosto. Mas não a trata bem: deixa claro que ela quer o dinheiro e o conforto. Mais tarde, a protegida se apaixona por um jogador de pôquer que, por sua vez, se apaixona pela lésbica dominadora e é correspondido. Passam a viver juntos. E, de repente, a bela e esnobe desenhista se ajoelha diante dos dois, que a tratam como uma extensão empregatícia, e diz: “eu amo vocês”. 

Num terceiro filme, um viúvo desiludido por causa da morte de sua esposa embriaga-se e se percebe pela primeira vez num bordel. Pela primeira vez que ele confessa, diga-se de passagem. Apaixona-se pela prostituta, que também desenvolve uma estranha empatia por ele, que, durante o sexo, grita: “a minha esposa era uma chata!”. Após diversas situações escandalosas, o filho moralista do viúvo obriga o pai a se casar com a prostituta. O motivo: quando eles fossem marido e mulher, ele cornearia o pai. A prostituta, então, apaixona-se pelo filho, que, por sua vez, foge com outro homem, um ladrão boliviano. E ela se mata!

O que me traz ao quarto filme, visto na manhã de hoje: o polonês “Um Coração Caloroso” (2008, vide foto), comédia de Krzysztof Zanussi, em que um rapaz bondoso é despedido de um supermercado depois que permite que uma velhinha leve uma lata de conserva alimentícia mesmo sem ter dinheiro. Abandonado pela namorada, que viaja para a Irlanda, ele tenta se matar. Não consegue. Sabendo de seus intentos suicidas, um rico mafioso tenta convencê-lo a morrer e doar seus órgãos vitais, pois ele necessita urgentemente de um transplante cardíaco. Temeroso de falecer, o mafioso reescreve seu testamento, no afã por deixar a sua fortuna para alguma instituição que contribua para estragar ainda mais o mundo. Ao final, após diversos qüiproquós que não revelarei aqui para não estragar o prazer de quem ainda verá o filme, o mafioso direciona um pomposo cheque para um abrigo de animais abandonados. Em outras palavras: eu acredito no amor – e no cinema! 

Wesley PC>