sábado, 20 de outubro de 2012

“NÃO EXISTE NADA PIOR DO QUE METÁFORA EXPLICADA”!


Uma canção que ouço com muitíssima freqüência nos últimos dias tem como verso-chave a seguinte admoestação: “ou você cede as rédeas ou morre com suas convicções". Na letra da canção, este verso desempenha uma função bastante específica, mas, isolando-o, agarrei-me a ele com afinco antes de me dispor a pisar num local que jurei não pisar tão cedo, com o intuito de assistir a uma representação teatral que me interessava por motivos bem pessoais: alguém que conheço (e aprendi a gostar com muita facilidade) atuava nela. Valia a pena enfrentar uma autoproibição por isso!

A peça em pauta tinha como título “Itanhy – A Morte Antes da Alma” e a sinopse disposta num caderno promocional a que tive acesso descrevia a mesma da seguinte forma: “a peça, de temática universal, tem ambiência local, ao retratar também a luta entre as forças políticas transpostas do campo para a cidade, que te, no bairro Siqueira Campos, em Aracaju, a concentração da classe e da luta operária”. Eu sei: prejudica muito mais do que incita, mas sentei-me na platéia disposto a aceitar de bom tom o que viesse. Meu coração estava aberto: não queria me predispor enquanto crítico rabugento de província!

Por não ser um conhecedor profundo de teatro, antecipo-me em dizer que não assisti às demais peças do autor Hunald Fontes de Alencar (“Castrum” e “Cárcere de Outono”), com as quais não apenas a sinopse diz que “Itanhy – A Morte Antes da Alma” forma uma espécie de trilogia como também foi graças a ela que uma amiga apressou-se em externar decepção que o que vira imediatamente após o encerramento do espetáculo: segundo ela, os trabalhos prévios do autor são muitíssimo superiores. Eu não os conheço, ater-me-ei ao que vi nesta noite de sábado:

No palco, composto basicamente por paredes pretas e alguns caixotes de madeira com funções objetais diversas, três atores revezavam-se em diversos papéis: Paula Auday, que interpreta uma mãe de família com carregado sotaque nordestino e uma professora de piano vinda do interior; Kassem, que vivifica o filho de um grande industrial/empresário, um pai de família comunista e um torturador encapuzado; e Allan Jones Mariano, também responsável pela trilha sonora, que representa um único personagem, mas em diversas etapas cronológicas. Na trama, o filho de um proletário desenvolve uma amizade tendente à dissolução classista com o filho de seu patrão. Ambos costumam estudar juntos: enquanto um é habilitado em literatura, o outro é perito em matemática. Um quer ser artista, o outro ganhar dinheiro. Ambos concordam que os poemas são bons “para comer as menininhas”, mas, com o passar do tempo, apaixonar-se-ão pela mesma mulher. E pugnarão fatalmente, não apenas por isso, mas por causa de suas divergências políticas irreconciliáveis: um quer pagar o outro para escrever os seus discursos hipócritas. O outro acredita que “toda arte é marginal e, quando deixa de ser, torna-se as fezes que vocês comem!”, grita, referindo-se aos aliados administrativos e coronelistas de seu ex-amigo. O martírio enquanto categoria geral do “mártir que morre a tiro” torna-se uma certeza. E, de fato, a peça termina com a iminência de um disparo anticlimático de revólver...

Entremeada por elipses extremas (levando-se em conta que, segundo a sinopse, cerca de vinte anos se passam em setenta minutos), a peça teve como principal problema, ao menos nesta apresentação, o desempenho dos atores: histriônicos, rebuscados e cerceados pela artificialidade de suas composições personalísticas, deveras inconsistentes, os três membros do elenco dificultaram a imersão do público no teor reclamante da peça. Dos três, Kassem é menos merecedor de vitupérios analíticos, visto que, apesar de sua entrada em cena pouco convincente, entupindo o texto de gírias contemporâneas num diálogo que deveria ser sessentista, está credível como o pai de família combalido, surpreendente (e amedronta) como torturador e sustenta com dificuldade a seriedade do enfrentamento tardio com aquele que, noutros tempos, era um colega de estudos e boemia. Paula Auday esteve péssima como a mãe desamparada que, diante da possível morte de seu filho rebelde, chora enquanto grita que não saberá o que fazer sem ele, com todo aquele luar em seu quintal, mas não atrapalha tanto como a professora de piano com um segredo atrelado ao rico explorador do trabalho do aluno por quem se apaixona e quase nos emociona quando ousa “dançar Chopin na chuva”, ao lado de seu amado. Allan Jones Mariano, o integrante do elenco que eu conhecia e admiro, infelizmente não demonstrou um trabalho muito coerente: apesar de ter enfrentado com audácia os trechos mais poéticos do texto, seu olhar pareceu exacerbadamente embriagado (no mau sentido do termo: o involuntário) durante o restante de sua presença em cena. Comove-nos enquanto se arrasta pelo chão, descamisado, mas não sustenta a confiabilidade actancial quando desempenha as funções de filho, amante e reivindicante pelos direitos dos artistas que também desempenham árduo trabalho braçal. Talvez tenha sido nervosismo de estréia, talvez tenha sido uma falha de direção, talvez tenha sido um exagero perceptivo de minha parte (visto que não tirei os olhos dele, tentando me convencer que não estava a gostar de sua interpretação), mas achei a presença em cena de Allan Jones declinante. Com bons momentos, claro, mas inconvincente no geral. Pena... Mas obras de arte permitem isso, inclusive: a inconstância!

Ao final do espetáculo, conversei com alguns amigos acerca de nossas apreciações e todos eles demonstravam decepcionados no geral, mas satisfeitos com um ou outro aspecto. “Não foi de todo ruim...”: ouso repetir para mim mesmo agora, contente pela oportunidade de ter apreciado uma tentativa de comunicar algo ao público, de incitá-lo à conclamação político-ideológica, de ter me empolgado quando vi o próprio autor adentrar o palco para compartilhar conosco a gênese de sua partitura prosaica e o quanto a canção “Triste Aribé” (muito bem executada na peça por Allan Jones Mariano) foi representativa para si, mas, ao mesmo tempo, não consigo conter o riso desmerecedor quando relembro passagens da peça, como quando o pai vocifera que “pobre também sonha em 3x4” ou quando a mãe retruca que “o único sonho que alimenta é aquele que é vendido na padaria”. Tendo desfeito a minha promessa por uma boa causa, posso voltar à persecução de meus princípios... E eu fui apenas um num palco lotado de espectadores!

Wesley PC> 

HORA DE FALAR UM POUCO SOBRE A VIDA REAL... NOVAMENTE!

Encerrado o desafio de ver filmes que aguardavam por mim, mesmo sem eu saber que precisava conhecê-los, algumas anedotas sobre o mundo real: na tarde de hoje, recebi uma mensagem de celular de um rapaz religioso por quem jamais me desapaixonarei. Ele redargüiu com a ironia de costume às minhas declarações de amor eterno, enquanto, na TV, um homem loiro se masturbava...

 Duas horas se passaram e minha mãe chegou do supermercado trazendo o sorvete de chocolate branco que eu requisitara... Se eu tivesse seguido os meus instintos, às 17h, eu poderia flagrar, presenciar ou substituir por felação a decisão de um rapaz gordo e de cabelo crespo – por quem nutro um desejo sexual tátil também eterno – de masturbar-se sozinho, depois de passar mais de trinta minutos vendo vídeos pornográficos no computador, conforme eu pude perceber alguns minutos depois: seu sêmen derretido ainda estava no ralo do banheiro, a toalha vermelha molhada estendida sobre uma cadeira da cozinha, como se estivesse a zombar do meu atraso...

 Voltei para casa, tomei sopa com cogumelos, enviei uma mensagem de celular aconselhadora para alguém que reclamava dos desmazelos da paixão e me entristeci ao perceber minha mãe lutar em vão para que meu irmão cedesse ao vício de fim de semana em ‘crack’. E, em algum lugar de Alagoas, minha sobrinha de 14 anos amamenta o meu mais novo sobrinho-neto, nascido há alguns dias, mas já batizado com nome religioso composto: o mundo é bom! Basta saber olhar para ele...

 Wesley PC>

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #09: “NÃO LIGUE PARA ELE... ELE É UM HOMOSSEXUAL!”

Ufa, com este filme esloveno, a maratona chega ao fim. E, para a minha intensa decepção, “Uma Viagem” (2011, de Nejc Gazvoda) é horrível, preconceituoso, desagradabilíssimo!

 Quando li a sinopse do filme, ele me pareceu deveras interessante: “Ziva, Andrej e Gregor são melhores amigos desde o colegial. Gregor é um soldado prestes a embarcar numa missão para o Afeganistão. Ziva vai estudar no exterior. E Andrej odeia tudo – a começar por ele mesmo. No filme, eles resolvem fazer uma viagem para o litoral, assim como faziam em seus tempos de colégio”.

 Reli a tal sinopse após a audiência ao filme e, de fato, ela permanece interessante, mas os personagens são pessimamente construídos, os diálogos são ruins, a direção é pueril. Nos 10 minutos finais, uma injunção romântica chamou positivamente a minha atenção, mas já era tarde demais: o desagradabilíssimo personagem homossexual do filme me deixou iracundo. Ficar remoendo problemas da época de adolescência daquele jeito é o cúmulo! Nem o humor negro ensaiado na cena em que eles atropelam um gato funcionou (“sabe qual é o presente ideal para um bebê morto? Um gatinho morto!”)! A exposição do seio decepado da protagonista feminina, por outro lado, impressiona, de modo que a declaração silenciosa de amor definitiva entre ela e o soldado, na seqüência de despedida no aeroporto, encanta...

 É isso: maratona finda, hora de organizar outros projetos agora. Até breve com novos desafios!

 Wesley PC>

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #08: “EU QUERIA QUE MINHA MÃE FICASSE DOENTE PARA SEMPRE...”

Véspera de encerramento da maratona e o salto etário a que me submeti foi bastante vasto: de uma filmografia autoral, predominante européia e setentista, passei para um filme industrial, absolutamente globalizado, asiático e contemporâneo. Se, num primeiro momento, isto desencadeou decepções prévias, aos poucos “Sad Movie” (2005, de Kwon Jong-Kwan) foi conquistando a minha adesão espectatorial sincera e comovida.

 Formalmente assemelhado a produções românticas hollywoodianas típicas como “Idas e Vindas do Amor” (2010, de Garry Marshall) e “Matemática do Amor” (2010, de Marilyn Agrelo), com um ou outro momento rasteiro mais inspirado que emula “Magnólia” (1999, de Paul Thomas Anderson), este filme concatena quatro tramas interligadas básicas, conduzindo-as da felicidade inicial para a tristeza prometida no título...

 As quatro tramas entrelaçadas são: a de uma tradutora de linguagem de sinais num telejornal, que é incapaz de assumir o seu amor pelo namorado bombeiro, constantemente à sombra de um resgate heróico; a irmã surda-muda dela, justamente salva de um incêndio pelo cunhado bombeiro, que trabalha fantasiada de boneca num parque de diversões e se apaixona por um desenhista que anseia por ver seu rosto; uma executada bastante ocupada que não percebe que seu filho está cada vez mais triste por sentir a sua falta; e o abobalhado namorado de uma atendente de supermercado, que, depois de não agüentar mais trabalhar como “saco de areia humano” para lutadores de boxe, resolve fundar uma “agência de separação”, onde se propõe a noticiar términos de relacionamentos amorosos a cônjuges que não têm coragem de encarar seus (des)afetos...

 Se, no início, esses núcleos temáticos são simpáticos e engraçadinhos, da mesma forma que as comédias românticas hollywoodianas com que muito se assemelham, aos poucos, o filme vai revelando a sua faceta original: após protelar por muito tempo a proposta de casamento em relação à co-apresentadora de telejornal que ama, o bombeiro morre num incêndio súbito; por sentir vergonha da queimadura que possui em sua face, a surda-muda reluta em mostrar o seu rosto para o seu amado e, quando o faz, descobre que ele viajará para outro país, entristecido por ela não poder falar; depois que sofre um acidente automobilístico e passa a se reaproximar de seu filho (inclusive, por causa da leitura de diários antigos que ele encontra guardado), a executiva descobre que está com um câncer estomacal terminal; e, num estratagema de obviedade bastante ingênua, o mensageiro de finais de relacionamento precisa notificar a si mesmo que sua namorada não quer mais ficar com ele...

 Para além de algumas convenções inverossímeis do gênero (o anunciador de términos entrando no quarto da executa doente e o bombeiro gravando uma declaração videográfica de amor em meio a um fogaréu) e da extrema sujeição do filme à generalização globalizante (salvo por ser falado em seu idioma local, quase esquecemos que o filme é sul-coreano), o filme diverte, encanta e quase nos faz chorar em um ou outro momento, como quando o bombeiro conclui que apesar de ter resgatado um homem de um incêndio e ter impedido uma mulher de se afogar, ele não foi capaz de salvar meu próprio relacionamento amoroso... Não foi uma exibição vã, portanto: enquanto descoberta inusitada, valeu a pena!

 Wesley PC>

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #07: “É APENAS SANGUE DE BOI, AFINAL...”

Ainda não me recuperei dos arroubos de beleza advindos do extraordinário “A Rosa de Ferro” (1979, de Jean Rollin – comentado aqui). Avançando na maratona de filmes, cujos títulos foram escolhidos da forma mais aleatória possível, descobri que dois títulos do mesmo diretor haviam sido selecionados entre os nove filmes: e, assim, tive o prazer de me ver diante de mais uma encantadora demonstração do talento rebuscado de Jean Rollin...

 Em “Fascinação” (1979), a trama é mais refinada, cumprindo à risca o que é prometido em seu título. Após uma inebriante seqüência de créditos iniciais, em duas belas jovens dançavam juntas sobre uma ponte, acompanhamos a cisão de um bando de criminosos: após um bem-sucedido roubo de moedas de ouro, um bandido loiro (Jean-Marie Lemaire) desentende-se com o restante do grupo e foge com toda a fortuna roubada, carregando uma mulher do bando como refém. Ela se insinua sexualmente para ele, mas ele a rejeita, fugindo para um castelo acolhedor e riquíssimo, onde duas governantas lésbicas disputam a primazia da sedução do bandido. Ele, entretanto, insiste que quer passar apenas a noite ali, enquanto espera a oportunidade adequada para fugir... Mas, com a chegada da noite, o castelo é ocupado por uma sociedade secreta de mulheres pequeno-burguesas, que sentem prazer em ingerir sangue humano. A explicação para este estranho comportamento é anunciada numa magnífica seqüência situada entre os créditos de abertura e a apresentação do protagonista masculino, quando um açougue serve de cenário para uma exótica orientação médica destinada a duas senhoras anêmicas: ingerir sangue de boi, no afã por ficarem curadas...

 À medida que o filme evolui, seus mistérios vão sendo deslindados e, ao mesmo tempo, ficando mais requintados e classudos. Não é um filme que me atingiu animicamente tanto quanto a genial obra previamente citada, mas percebe-se o quanto Jean Rollin domina seu ‘metier’, sabe o que está fazendo, que públicos-alvo deseja atingir, quais convenções vampirescas está renovando, a que finalidades lhe interessam a rica pesquisa histórica de seu enredo: “Fascinação” é um filme encantador. Preciso conhecer com afinco as demais obras de arte rollinianas!

 Wesley PC>

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #06: “A SOLIDÃO É UM ERRO... UM ERRO!”

Poucos minutos de exibição de “Pecados da Juventude” (1975, de Silvio Amadio) e eu já havia decifrado a charada: este filme é uma das influências genéticas definitivas do tipo de cinema psicanalítico que o inspirado Ody Fraga escrevia. Para além de suas divergências narrativas crassas, são óbvias as pontes dramatúrgicas entre este filme e “Erótica, a Fêmea Sensual” (1984), por exemplo. Mas vamos ao filme pelo que ele tem de original:

 Na trama deste filme, Angela, uma sensual adolescente (Gloria Guida) fica irritada quando descobre que seu pai vai se casar novamente. Alia-se a um namorado gigolô Sandro (Fred Robsahm) e mira a desmoralização de sua madrasta Irene (Dagmar Lassander) como um objetivo imperioso. Dito e feito: depois que o pai dela é convocado a Roma por um ministro, Angela inicia um poderoso jogo de sedução sobre Irene, até que consegue desvendar que, na adolescência, ela tivera um caso duradouro com outra rapariga, que tentou fingir que era uma mulher respeitada, mas terá sempre esta chaga desejosa mal-resolvida em seu peito. Angela finge consolá-la (“o que aconteceu ontem não é mais tão importante hoje: a vida é feita de presente e futuro!”), mas o que ela quer mesmo é desnortear Irene. Convida-a para sair, mas depois a despacha, dizendo que é jovem e, como tal, prefere estar entre aqueles que têm a mesma faixa etária que si. Convida-a para festas, mas depois a trata com indiferença. Até que as duas banham-se juntas num local convenientemente chamado Praia das Virgens e Sandro as fotografa durante um ato sexual, com vistas a chantagear Irene. Mas é tarde: Angela apaixonou-se de fato por ela. E a morte de Irene, graças a um acidente automobilístico, será um castigo implacável!

 Uma estória simples, direta, mas incisiva em seu discurso pró-liberação de instintos. Não gostei tanto no início, mas interessei-me bastante pelo filme durante a sua agradabilíssima projeção: não entendo por que ele permanece desconhecido. Este filme tem tudo para arrebatar grandes audiências excitadas, ainda hoje: afinal de contas, a nudez (feminina) é contínua e muitíssimo bem-inserida na trama. Gostei. E não apenas porque é um objeto comparativo de estudo...

 Wesley PC>

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #05: “É FALTA DE EDUCAÇÃO NÃO FAZER A MESMA COISA QUE AS OUTRAS PESSOAS QUANDO ESTAS TE OFERECEM UM TETO!”

Até a metade de “A Maldição de Lemora” (1973, de Richard Blackburn) não estava achando o filme tão genial. Tratava-se de uma obra B injustamente subestimada, tão político em sua exposição de perversões sobrenaturais quanto muitos outros clássicos do gênero. Quando a personagem-título aparece (muitíssimo bem caracterizada por Lesley Taplin), entretanto, o filme cresce impressionantemente, torna-se extraordinário!

 No filme, a garotinha Lila Lee, adotada por um reverendo (interpretado pelo próprio diretor – muito bonito, aliás), é traumatizada pelo assassinato violento de sua mãe adúltera. Após um mal-estar sentido durante uma missa – agravado pelo fato de o reverendo recusar as suas “demonstrações humanas de afeto” por considerá-las contraproducentes – a garotinha foge de seu abrigo eclesiástico e, após pegar carona com um motorista de ônibus saca que atola num pântano fétido e habitado por estranhas criaturas, é adotada por uma sedutora vampira, a Lemora do título, que demonstra um estranho desejo por ela.

 Na casa onde esta vampira vive, diversas outras crianças bizarras também habitam, mas Lila Lee logo perceberá que as mesmas são utilizadas como alimento sangüíneo para Lemora. Temendo um destino similar, ela foge, mas depara-se com “a igreja mais antiga de todas” e presencia uma mortal luta entre vampiros e as criaturas pantanosas. De repente, Lila Lee está novamente no púlpito do início do filme, como se tudo fosse um imenso ‘flash-forward’, entremeado pela aguardada concretização do desejo sexual entre ela e o reverendo. E por aí vai...

 Para além de suas convenções ‘off-hollywoodianas’, o filme possui aspectos psicanalíticos impressionantes, de modo que me imaginei lambendo o cu de um dado rapaz durante a sessão, mas precisamente, da cena em que Lemora elogia o corpo nu de Lila Lee em diante. Quem diz que filmes de terror são deliciosamente perigosos tem razão!

 Wesley PC>

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #04: “AS PESSOAS PÕEM CRUZES EM HOMENAGEM A JESUS...”


Numa frase: “A Rosa de Ferro” (1973, de Jean Rollin) é lindo, lindo, lindo! 

 Assistindo a este filme, não pude me esquivar de uma teoria conspiratória basilar: o cinema fantasmático de Jean Rollin foi escondido de mim propositalmente, não é possível! Como pode um cineasta realizar um filme tão belo, possuir uma filmografia tão consolidada (e difamada por alguns) em suas convenções de horror necrofílico e eu nunca ter ouvido falar dele?! Que filme lindo!

 Na trama do filme, bastante elementar, uma rapariga fantasiosa e um poeta impetuoso (Françoise Pascal e Hughes Quester, ambos muito bonitos) resolvem compartilhar um idílio amoroso num cemitério. Amam-se a ponto de perderem a hora (literalmente, inclusive, visto que o rapaz esquece onde deixou seu relógio) e, quando saem da cripta onde transavam, não conseguem encontrar a saída do cemitério... Vagam em círculos, discutem, devaneiam (“diante da morte, eu prefiro o amor ao invés da vida”) e, progressivamente, a mulher enlouquece, declarando que ama o homem que está a seu lado, mas, ao mesmo tempo, aprisionando-o na cripta onde estavam, depois de terem feito sexo mais uma vez, sobre crânios e ossos de diversos cadáveres... Lindo, lindo, lindo!

 Paralelamente à saga lúgubre do casal, personagens mudos desfilam na tela, como o coveiro vestido como um vampiro, o palhaço que deixa flores sobre um túmulo, a viúva que deambula por entre as lápides e fecha o portão na cena derradeira do filme... Fiquei absolutamente apaixonado por Jean Rollin: felizmente, há outro filme dirigido por ele nesta maratona...

 Wesley PC>

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #03: “GOSTO DE TI COMO TU ÉS, MAS ESTA TUA CARA INGÊNUA ME CAUSA ENFADO!"

Acordei atrasado na manhã de hoje, de modo que pude assistir a apenas mais um filme da maratona a que me submeto nesta semana. O terceiro exemplar foi o filme eslovaco "Morgiana" (1972, de Juraj Herz), completamente desconhecido para mim, em todos os sentidos. Analisei a filmografia do diretor e não me deparei com nenhum filme reconhecível dentre as dezenas que ele realizou. Resta-me falar sobre o que vi, portanto.

 A trama de "Morgiana" lembra a estrutura básica de uma telenovela mexicana: duas irmãs ricas ficam órfãs e a mais velha delas resolve envenenar a mais nova, deslumbrada e apaixonada, a fim de monopolizar os ganhos da herança. Porém, o veneno não é letal como ela previra e, no máximo, faz com que a rapariga padeça de uma sede incontrolável e de alucinações que, aos poucos, a levam a desvendar o mistério.

 Interessante no filme é que o título do mesmo faz menção à gata da protagonista vilanaz, que, aparentemente, não possui muita importância tramática, salvo por uma participação fundamental no desfecho, quando ela adianta o enforcamento voluntário da megera. A maquiagem exagerada das personagens, as perucas bizarras e as roupas em estilo rococó acentuam a afetação histórica da narrativa, que parece proposital em sua hipertrofia 'kitsch'.

 Na verdade, achei o filme simplista em sua estrutura narrativa geral e um tanto redundante em seu clima de mistério, mas o ritmo é agradável, a narrativa é bem conduzida, as atuações melindrosas chamam a atenção e um garotinho coadjuvante, que brinca com uma cadela potencialmente envenenada, é absolutamente encantador, bem como o espectro lésbico que paira sobre a protagonista e a faz cometer atitudes impensadas e muito violentas, como atirar uma pedrada gratuita na nuca de uma empregada bonita que se banhava despida num rio... Valeu a pena ser descoberto: e a gata sobrevive, uhuuuu!

 Wesley PC>

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #02: “NÓS, TRAVESTIS, PRECISAMOS RESPEITAR UMAS ÀS OUTRAS!”

É muitíssimo cedo para já mencionar a possibilidade de um paroxismo qualitativo desta nova maratona, mas acho difícil que algum dos filmes desconhecidos que se seguem consiga ultrapassar a genialidade ‘underground’ de “O Funeral das Rosas” (1969, de Toshio Matsumoto), obra absolutamente inaudita, sob qualquer prisma que eu me atreva a analisar...

Na trama básica do filme (e cometendo a licença poética de linearizá-la ao máximo), um rapazinho assassina a sua mãe depois que a flagra fazendo sexo com outro homem, depois que seu pai vai embora. Antes, esta mãe estapeia o rapazola, ao vê-lo beijando apaixonadamente a si mesmo diante de um espelho. Anos depois, este rapaz torna-se um travesti, que depõe diretamente para a câmera acerca das ambigüidades de sua vida sexual e tem um caso duradouro com um traficante de drogas, que, afinal, revelar-se-á seu pai sumido. O que fazer após deparar-se com o pai/amante esfaqueado no banheiro? Furar os olhos, é claro! Aparece, então, um comentador televisivo que diz que “esta é mais uma faceta da tragédia humana. Passemos ao próximo programa. Adeus!”. Édipo agradece pela inversão!

 Interessante é que, antes do desfecho do filme – quando tudo faz sentido, em termos tramáticos – eu estava me incomodando justamente com o excesso de vanguardismos no filme: Jean Genet é citado através do nome de um bar onde as travestis se reúnem; Yukio Mishima é emulado mais de uma vez (em dado momento, alguém proclama que “quando se retira a máscara de um homem, descobre-se a sua solidão, além de terceiras máscaras que se escondem sob aquela que estava debaixo da primeira”); trechos de um manifesto do cineasta norte-americano Jonas Mekas são proferidos por um espectador intradiegético, antes de este suplicar por maconha; excertos filosóficos assemelhados àqueles escritos pelos gregos antigos são despejados em mais de um momento (exemplo: “o espírito de um indivíduo atinge o máximo absoluto através da infinita negação”); tudo neste filme é antropofágico em relação ao que de mais inventivo acontecia no mundo no final da década em que ele foi realizado, mas, ao final, o percurso identitário é justificado. Como bem disse um dos homossexuais entrevistados durante o filme, há muitos traços em comum entre os intérpretes e os papéis que interpretam. Fiquei completamente extasiado durante a sessão: genial!

Wesley PC>

DESAFIO DOS NOVE FILMES DESCONHECIDOS - #01: “ – ELE PARECE INTERESSANTE... – PARA MIM, QUASE TODAS AS PESSOAS SÃO!”

Ultimamente, meu sono está mais intermitente que o (a)normal. Uma carência sobressalente, uma vontade doentia de ouvir a voz que eu acho que quero ouvir me impede de mergulhar adequadamente nos ciclos requisitados para um sono confortável. Ainda assim, me dou ao luxo de sonhar. E, hoje, sonhei que um mercador de festival de cinema (no pior sentido do termo) me presenteia com um pacote de macarrão mofado. Acordei com fome e comi justamente macarrão com quiabo. Temi senti o gosto do mofo, que, afinal, fingiu ter se manifestado numa azeitona...

Sentindo-me infeliz e psicoticamente “abandonado” (é importante frisar: a palavra está entre aspas!), resolvi adotar um estratagema emergencial a fim de não culpar ninguém pelo mal-estar que insistia em me afligir: baixei nove filmes desconhecidos, das mais diversas nacionalidades, sendo cuidadoso em não ler sequer as sinopses dos mesmos. Bastava-me título original, nome do diretor e duração. O resto é imersão!

 O primeiro dos filmes aleatoriamente selecionados tem como título nacional “A Chamada do Amor” (1968), dirigido por um tal de Alain Cavalier e roteirizado por uma certa Françoise Sagan, em cujo romance homônimo o filme se baseia. Temia que este fosse o filme que eu menos gostaria dentre os nove títulos escolhidos, mas cedi facilmente a seus encantos: na trama, Catherine Deneuve interpreta uma burguesa casada com Michel Piccoli [parceria que já havia sido antecipada em “A Bela da Tarde” (1967, de Luis Buñuel)], que, de repente, se apaixona pelo amante proletário de uma amiga, interpretado pelo atraente Roger Van Hool. Seduzida por seus encantos literários, ela resolve morar com ele, que é bastante ciumento e não aceita que ela conviva com seu marido, por mais que este se conforme em ser traído. “Há em mim tanto desejo e pânico (por te perder) que sinto que serei um perene animal triste”, confessa ele. Ela, porém, está obcecada: larga o marido e vai viver com seu amante mais jovem e mais pobre. Em dado momento da relação, ele lhe consegue um emprego como arquivista, mas ela não agüenta a pressão empregatícia e larga o trabalho, alegando seguir preceitos hedonistas encontrados num livro de William Faulkner. Quando descobre que ela não está mais trabalhando, ela a interroga acerca da demissão voluntária. Ela: “eu te disse que não nasci para trabalhar...”. Ele: “e o que tu queres fazer com a tua vida?”. Ela: “te amar, te amar, te amar, te amar, te amar!”. Era o que eu precisava ter ouvido...

Daí por diante, o filme fica cada vez mais interessante e imersivo, de modo que, enquanto eu me angustiava sempre que a vaidosa protagonista passava diante de um espelho, recebia mensagens de conforto de alguns de meus melhores amigos. A eles, destinei como consolo um dos apotegmas faulknerianos de que a burguesa viciada em prazer se serve: “para além de todas as necessidades fisiológicas, nada supera o fato de respirarmos, estarmos vivos e sabermos disto!”. Era verdade. Refleti comigo mesmo e fiquei contente. Belo filme de abertura de maratona cinefílica!

Wesley PC>

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

E, CONFORME DISSE MONTESQUIEU (1689-1775): "LIBERDADE É O DIREITO DE FAZER TUDO AQUILO QUE AS LEIS PERMITEM"...

Quem diria que eu fosse me enxergar tanto em "Solidão" (2008, de Çagan Irmak), filme turco que vi na manhã de hoje, forçando-me a desgostar. Tratava-se de um filme elogiado por um amigo hedonista, em relação ao qual mergulhei numa crise (des)apreciativa da qual não consigo mais me esquivar... Por este motivo, cria que fosse desgostar do filme, como se fosse obrigado a tal, mas... Não consegui: a personagem de Melis Birkan é tão encantadora, que me vi apaixonado por ela - como se eu fosse ela, para ser mais específico! 

O filme conta o drama de um dono de restaurante mulherengo que se apaixona pela dona de uma loja de fantasias infantis. Após certo esforço, ele consegue conquistá-la, mas ejacula precocemente na primeira vez que transam. Ela reverte o jogo sexual e ensina-o a relaxar antes do orgasmo, proporcionando-lhe grande prazer, a ponto de ele permitir que ela conviva com ele por muito mais tempo que permitiu a qualquer mulher de sua vida. Um dia, eles recebem a visita da mãe dele, que se afeiçoa bastante a ele, a ponto de, antes de voltar para o interior, a matriarca pedir ao filho que nunca a deixe partir. Ao chegar em casa, ele faz justamente o contrário: termina o namoro, sem qualquer motivo aparente, deixando Ada absolutamente desolada. Contar mais eu não posso: vejam o filme! Mas adianto que chorei bastante...

Para o meu extremo espanto, este filme emulou (em outras vias sentimentais, claro) um dos dilemas que mais me afligem, cognominado como "assimetria do desejo" neste 'blog', algo que reverbera em quase cada um de meus textos, no que tange à dificuldade essencial de convencer outrem de que eu os amo infinitamente. O filme desmascarou a minha sina, fingindo que se aliava ao protagonista masculino, quando, conforme bem demonstra o fotograma que escolhi como moldura para esta postagem, é o inverso que acontece: a perspectiva feminina é dominante e contagiosa. Por isso, chorei sinceramente de emoção. Lindo filme!

Wesley PC>