quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

“ELA PARECE UMA ROMÂNTICA POR FORA, MAS, POR DENTRO, É UMA SOBREVIVENTE”!

A definição acima é aplicada à personagem de Keira Knightley em “Procura-se um Amigo Para o Fim do Mundo” (2012, de Lorene Scafaria), filme que vi na manhã de hoje ciente de que desgostaria, por causa da apreciação negativa de um amigo cuja opinião eu aprecio superlativamente. Cria que fosse uma comédia besteirol, com uma ou outra boa piada (a ponto de conseguir me fazer gargalhar durante os vinte minutos iniciais!), mas o filme me surpreendeu por causa de sua ótima condução (melo)dramática: de repente, a maravilhosa forçação de barra filantrópica do título transforma-se numa declaração de amor sincera, sendo a ultima frase do filme, em meio à confirmação do Armagedom, justamente “eu estou muito feliz por ter te conhecido”. Saí da sessão absolutamente encantado – e, por mais que eu não queira admitir, emocionado!

 No filme, o anúncio de que um asteróide entrará em choque com a Terra faz com que as pessoas desistam de seus empregos, de seus relacionamentos estáveis e mergulhem numa orgia perene. O meu conhecido moralismo abstêmio fez com que eu me identificasse prontamente com os julgamentos de valor chistoso acerca destas festas orgiásticas, em que crianças são induzidas a beber vodca e convidados trazem heroína para os anfitriões como se fosse um bolo recheado de glacê. O sexo “livre” (aspas gigantescas neste adjetivo) é praticado à revelia, de modo que apenas o protagonista parece deslocado naquele ambiente de devassidão desesperançosa. Maravilhosamente interpretado por Steve Carell, que toma emprestado o olhar melancólico que adotou noutros filmes, este protagonista, Dodger, é um vendedor de seguros recém-abandonado pela esposa. Seu pai saiu de casa quando ainda era muito novo e sua mãe faleceu, de modo que ele se sente costumeiramente sozinho, salvo pela empregada doméstica latina que declina de assistir a algo na televisão a seu lado por ter o amor de seus filhos para lhe consolar. Dodger se sente sozinho, portanto!

 Numa cena oportunista, ele conhece a vizinha Penny (Keira Knightley), que chorava em sua sacada. Eles se abraçam, fumam maconha, e se despedem. Ela havia sido recentemente abandonada pelo namorado e devolve a Dodger as cartas pessoais que estavam sob sua posse há mais de três meses, quando foram equivocadamente entregues pelo carteiro. Sabendo que um amor do passado esperava pela reconciliação, Dodger sente-se motivado a eliminar a solidão de sua vida, encontrando um cachorro abandonado que lhe fará companhia. A incidência de tumultos apocalípticos o leva a precisar fugir de sua casa, e ele resolve levar Penny consigo, que insiste em carregar seus discos, pois estes são os seus amigos de verdade, na apreciação dela. Ela também é solitária, portanto, o que fica evidente quando ela se confessa como uma “monogâmica serial”. Daí para a frente, o filme resvala em clichês estruturais de comédias românticas tipicamente hollywoodianas, mas a plataforma de fim do mundo criada pela diretora e roteirista era irreversível: em minha apreciação, o filme queria dizer muito mais do que mostrava. E consegue!

 Terminada a sessão, absolutamente impressionado com a qualidade positiva do filme, fiz questão de indicar o filme a dois amigos, ao passo em que telefonei para o companheiro que desgostou dele, disposto a entender os seus motivos. Terminamos enveredando por outra discussão, associada a algo de estranho que esteja acontecendo entre nós a ponto de justificar opiniões tão diversificadas acerca dos mesmos filmes: eu gostando muito de filmes que ele odiou ou então eu detestando filmes que ele adorou. O que estaria acontecendo conosco? 

 Expus as armas de que dispunha (a minha vontade de ajudá-lo, caso ele quisesse, mesmo que isto implicasse num impulso ditatorial inicial de minha parte) e tentei organizar meus pensamentos acerca de outro filme que vimos juntos, e que gostamos mais ou menos da mesma forma: “A Viagem” (2012, de Lana Wachowski, Tom Tykwer & Andy Wachowski), visto comunitariamente na noite de ontem. Na crítica que publiquei sobre o filme (disponível aqui), esqueci de destacar elementos discursivos que me incomodaram, como, por exemplo, a oposição interna entre o conceito de “Verdade verdadeira” (substitutivo para religião) e a declaração de uma dada personagem, enxergada posteriormente como mártir, de que “todas as versões da Verdade são falsas, existindo apenas uma que é verdadeira”.

A montagem do filme, por ser ruim e/ou precipitada, tornava a minha necessidade de discutir estes pontos ausentes ainda mais emergencial, mas o meu texto já estava escrito e publicado, tinha que elaborar um apêndice posterior, talvez. Por ora, a ausência do ótimo ator negro Keith David nesta linha de tempo sobre os principais personagens do filme me faz pensar no quanto o rapaz que estava ao meu lado durante a projeção do filme, defendendo a mestiçagem, tem razão em suas teses raciais sociologizadas. Não que eu tenha duvidado das mesmas, mas minha relação com a sua abordagem pessoal do assunto é atravessada por outro tipo de ênfase. Ontem, achamos mais do que um ponto em comum. Como diria o filósofo esloveno Slavoj Zizek, “quando até mesmo um produto da supostamente ‘liberal’ Hollywood exibe uma regressão ideológica tão grosseira, é necessária mais alguma prova de que a ideologia está bem viva em nosso mundo pós-ideológico?”. Quem sou eu para discordar? Sou a prova viva (e conflituosa) de que não – e de que sim, ao mesmo tempo!

 Wesley PC>

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