quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

“MEU PAI ME ENSINOU A TRABALHAR, MAS NUNCA ME ENSINOU A GOSTAR DISTO”... (‘SIC SEMPER TYRANNIS’)


A ansiedade truncada pela audiência do recente “Lincoln” (2012, de Steven Spielberg), indicado a doze prêmios Oscar na manhã de hoje, me conduziu à descoberta precipitada do clássico obscuro “O Libertador” (1930), primeiro filme falado de David Wark Griffith. Digo que esta descoberta foi “precipitada” porque existem alguns filmes do mesmo diretor aqui em casa, aguardando o momento ideal para serem vistos, em ordem ascendente de produção. E, se digo que a ansiedade é “truncada”, isso se deve menos à vontade de ver o filme que à análise de sua inclusão na continuidade spielberguiana do projeto nacional fílmico empreendido não apenas pelo “pai do cinema norte-americano”, mas também por John Ford, cineasta que, além de ter biografado explicitamente o presidente Abraham Lincoln (1809-1865) em “A Mocidade de Lincoln” (1939), tinha uma grande admiração por seus ideais, a ponto de o personagem real aparecer em mais de um de seus filmes.

Diferentemente dos clássicos mudos do diretor, em que a dramaticidade (ou melhor, tragicidade) dava a tônica dos enredos, em “O Libertador”, a narrativa é quase estereotipada no humor exacerbado da primeira metade. A escolha do competente Walter Huston como intérprete do personagem – ator este que se tornou conhecido por seus célebres arremates de deboche, incluindo sua oscarizada participação no extraordinário “O Tesouro de Sierra Madre” (1948, de John Huston) – adianta a comicidade da trama, permeada pelas diversas anedotas que o presidente conta ao longo de sua vida.

Iniciado com um prólogo histórico, que se serve dos intertítulos e narrativa predominantemente visual, “O Libertador” logo nos apresenta à família Lincoln, justamente no momento em que sua mãe dá a luz a Abraham. Um corte de vários anos mostra Abraham capinando ao lado de sua amada Ann Rutledge (Una Merkel), que o ajuda a estudar questões legislativas que lhe serão argüidas na faculdade de advocacia. Abraham, entretanto, está muito mais interessado em abraçar e beijar a sua professora improvisada, de modo que esta tenta afastar-se dele, como o pretexto de que ele deve estar muito mais focado na Lei que nas tentações carnais. Numa seqüência seguinte, Ann está fatalmente doente, falece, a tristeza toma Abraham de assalto e, após um novo corte de vários anos, o retorno de Abraham à sua cidade-natal, já como advogado formado, é ansiado por uma moçoila rica, Mary Todd (Kay Hammond), com quem se casará e viverá até o fim de seus dias.

Apesar de não ter coragem de comparecer à cerimônia de seu casamento, por estar bastante nervoso e, ao mesmo tempo, sentindo saudades de Ann, isto não apenas não interfere na harmonia matrimonial com Mary como facilita a sua convocação como concorrente republicano à presidência da República, pouco tempo depois de Abraham estar se lamentado por ter cinqüenta anos de idade e uma vida marcada pelos fracassos. Daí por diante, o filme assume uma seriedade histórica solene (ainda que entrecortada pelas anedotas bem-humoradas do personagem) e concentra-se nos seus feitos presidenciais, incluindo a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América, ainda em sua etapa germinal, e o perdão de diversos condenados durante a Guerra de Secessão (1861-1865), desembocando em seu assassinato pelo ator John Wilkes Booth, durante uma peça de teatro em sua homenagem. Ao final, uma homenagem luminosa ao décimo sexto presidente norte-americano, ao som de “Glória, Glória, Aleluia”, seu hino religioso favorito.

Ao invés de deter-se numa explicação didática dos feitos lincolnianos, o filme pontua apenas alguns fatos marcantes, talvez por causa de sua curta duração (meros 90 minutos), o que talvez explique o seu insucesso de público e a sua subestimação fílmica ao longo dos anos. Com certeza, a versão spielberguiana investirá numa abordagem muito mais política e menos e menos privada, não se detendo na mania de Abraham de ficar descalço durante as reuniões à mesa e evitando diálogos chistosos como aquele em que, ao ser convocado para uma reunião urgente, Abraham exclama que o país está fervendo tanto quando a sopa de sua esposa ou quando esta última reclama que precisa trocar as cortinas sempre que o general vitorioso Grant os visita, de tanto que a subsunção deste ao vício da nicotina impregna a sua residência de fumaça. É esperar para ver...

Wesley PC> 

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