A ansiedade truncada pela audiência do recente “Lincoln”
(2012, de Steven Spielberg), indicado a doze prêmios Oscar na manhã de hoje, me
conduziu à descoberta precipitada do clássico obscuro “O Libertador” (1930),
primeiro filme falado de David Wark Griffith. Digo que esta descoberta foi “precipitada”
porque existem alguns filmes do mesmo diretor aqui em casa, aguardando o
momento ideal para serem vistos, em ordem ascendente de produção. E, se digo que
a ansiedade é “truncada”, isso se deve menos à vontade de ver o filme que à
análise de sua inclusão na continuidade spielberguiana do projeto nacional
fílmico empreendido não apenas pelo “pai do cinema norte-americano”, mas também
por John Ford, cineasta que, além de ter biografado explicitamente o presidente
Abraham Lincoln (1809-1865) em “A Mocidade de Lincoln” (1939), tinha uma grande
admiração por seus ideais, a ponto de o personagem real aparecer em mais de um
de seus filmes.
Diferentemente dos clássicos mudos do diretor, em que a
dramaticidade (ou melhor, tragicidade) dava a tônica dos enredos, em “O
Libertador”, a narrativa é quase estereotipada no humor exacerbado da primeira
metade. A escolha do competente Walter Huston como intérprete do personagem –
ator este que se tornou conhecido por seus célebres arremates de deboche,
incluindo sua oscarizada participação no extraordinário “O Tesouro de Sierra
Madre” (1948, de John Huston) – adianta a comicidade da trama, permeada pelas
diversas anedotas que o presidente conta ao longo de sua vida.
Iniciado com um prólogo histórico, que se serve dos intertítulos
e narrativa predominantemente visual, “O Libertador” logo nos apresenta à família
Lincoln, justamente no momento em que sua mãe dá a luz a Abraham. Um corte de
vários anos mostra Abraham capinando ao lado de sua amada Ann Rutledge (Una Merkel),
que o ajuda a estudar questões legislativas que lhe serão argüidas na faculdade
de advocacia. Abraham, entretanto, está muito mais interessado em abraçar e
beijar a sua professora improvisada, de modo que esta tenta afastar-se dele,
como o pretexto de que ele deve estar muito mais focado na Lei que nas
tentações carnais. Numa seqüência seguinte, Ann está fatalmente doente, falece,
a tristeza toma Abraham de assalto e, após um novo corte de vários anos, o retorno
de Abraham à sua cidade-natal, já como advogado formado, é ansiado por uma
moçoila rica, Mary Todd (Kay Hammond), com quem se casará e viverá até o fim de
seus dias.
Apesar de não ter coragem de comparecer à cerimônia de seu
casamento, por estar bastante nervoso e, ao mesmo tempo, sentindo saudades de
Ann, isto não apenas não interfere na harmonia matrimonial com Mary como
facilita a sua convocação como concorrente republicano à presidência da
República, pouco tempo depois de Abraham estar se lamentado por ter cinqüenta anos
de idade e uma vida marcada pelos fracassos. Daí por diante, o filme assume uma
seriedade histórica solene (ainda que entrecortada pelas anedotas bem-humoradas
do personagem) e concentra-se nos seus feitos presidenciais, incluindo a
abolição da escravatura nos Estados Unidos da América, ainda em sua etapa
germinal, e o perdão de diversos condenados durante a Guerra de Secessão (1861-1865),
desembocando em seu assassinato pelo ator John Wilkes Booth, durante uma peça
de teatro em sua homenagem. Ao final, uma homenagem luminosa ao décimo sexto
presidente norte-americano, ao som de “Glória, Glória, Aleluia”, seu hino
religioso favorito.
Ao invés de deter-se numa explicação didática dos feitos
lincolnianos, o filme pontua apenas alguns fatos marcantes, talvez por causa de
sua curta duração (meros 90 minutos), o que talvez explique o seu insucesso de
público e a sua subestimação fílmica ao longo dos anos. Com certeza, a versão spielberguiana
investirá numa abordagem muito mais política e menos e menos privada, não se
detendo na mania de Abraham de ficar descalço durante as reuniões à mesa e evitando
diálogos chistosos como aquele em que, ao ser convocado para uma reunião
urgente, Abraham exclama que o país está fervendo tanto quando a sopa de sua
esposa ou quando esta última reclama que precisa trocar as cortinas sempre que
o general vitorioso Grant os visita, de tanto que a subsunção deste ao vício da
nicotina impregna a sua residência de fumaça. É esperar para ver...
Wesley PC>
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