sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

PIADA INTERNA (ENVOLVENDO UMA MULHER QUE TODOS CONHECEMOS)

Consideremos a seguinte estrutura tramática: um homem comprometido apaixona-se por uma mulher que insiste que é livre. Atraído por ela, que se confessa também apaixonado por ele – não obstante deixar claro o seu desinteresse por filiações conjugais arquetípicas – ele abandona a sua noiva e vive com a mulher que ama em fuga, visto que desobedece algumas leis para estar ao lado dela. Entretanto, fuga é também privação e eles se vêem dificultados na tarefa de conseguir víveres. Ela resolve interceder e sai de casa para conseguir um empréstimo monetário com um homem musculoso sexualmente interessado nela. Ele, por sua vez, corroí-se de ciúme. Quando ela volta, eles brigam: ela insiste que carece da liberdade; ele, que só consegue conceber a liberdade ao lado dela. Um nove de espadas retirado num baralho escreve o seu destino: ela morrerá, quiçá através das mãos coléricas e apaixonadas dele...  

Não parece um clichê trágico? Talvez o seja, de fato. Basicamente, esta é a trama de “Carmen Jones” (1954), maravilhoso e audacioso filme de Otto Preminger que vi na noite de ontem e que me fez pensar numa amiga que insiste em defender as benesses do “amor livre” feminista, ao qual eu respondo com a cautela de que, mais cedo ou mais tarde, ele descamba no unilateralismo passional. Dito e feito: o que torna o filme premingeriano absolutamente subversivo é a composição de seu elenco completamente por negros. Além disso, é um musical moderno baseado numa famosa ópera de Georges Bizet. Como se não fosse suficiente, os protagonistas são a exuberante Dorothy Dandridge e o talentoso Harry Belafonte. Conclusão: o filme é ótimo, não obstante lançar um questionamento irrespondível na sua meia-hora final. E a pergunta que eu nos faço é: quem é viciado em liberdade tende a trair alguém nalgum momento, a fim de defendê-la? Não sou eu quem responderá...

Wesley PC> 

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