Consideremos a seguinte estrutura tramática: um homem
comprometido apaixona-se por uma mulher que insiste que é livre. Atraído por
ela, que se confessa também apaixonado por ele – não obstante deixar claro o
seu desinteresse por filiações conjugais arquetípicas – ele abandona a sua
noiva e vive com a mulher que ama em fuga, visto que desobedece algumas leis
para estar ao lado dela. Entretanto, fuga é também privação e eles se vêem dificultados
na tarefa de conseguir víveres. Ela resolve interceder e sai de casa para
conseguir um empréstimo monetário com um homem musculoso sexualmente
interessado nela. Ele, por sua vez, corroí-se de ciúme. Quando ela volta, eles
brigam: ela insiste que carece da liberdade; ele, que só consegue conceber a
liberdade ao lado dela. Um nove de espadas retirado num baralho escreve o seu
destino: ela morrerá, quiçá através das mãos coléricas e apaixonadas dele...
Não parece um clichê trágico? Talvez o seja, de fato.
Basicamente, esta é a trama de “Carmen Jones” (1954), maravilhoso e audacioso
filme de Otto Preminger que vi na noite de ontem e que me fez pensar numa amiga
que insiste em defender as benesses do “amor livre” feminista, ao qual eu
respondo com a cautela de que, mais cedo ou mais tarde, ele descamba no
unilateralismo passional. Dito e feito: o que torna o filme premingeriano absolutamente
subversivo é a composição de seu elenco completamente por negros. Além disso, é
um musical moderno baseado numa famosa ópera de Georges Bizet. Como se não
fosse suficiente, os protagonistas são a exuberante Dorothy Dandridge e o
talentoso Harry Belafonte. Conclusão: o filme é ótimo, não obstante lançar um
questionamento irrespondível na sua meia-hora final. E a pergunta que eu nos
faço é: quem é viciado em liberdade tende a trair alguém nalgum momento, a fim de
defendê-la? Não sou eu quem responderá...
Wesley PC>
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