Enquanto via o inspirado “Barra Pesada” (1977, de Reginaldo
Faria) na TV, incomodava-me ao pensar insistentemente que boa parte dos textos
publicados neste ‘blog’ seria mal-vista se lida por pessoas que conversam
comigo todos os dias mas, ainda assim, é como se não me conhecessem. Se,
antigamente, estar atrelado à marginalidade assegurava um estatuto secundário
de entendimento intelectual (a análise superficial do filme em pauta me fez pensar
nisso), hoje, este suposto entendimento intelectual é um estatuto de
marginalidade em si, sendo cada vez menos compreendido ou defendido por causa
da situação depauperada dos órgãos midiáticos atuais. Tal como previra os
sábios inventores de distopias literárias, é perigoso pensar!
Oficialmente, estou evitando entrar a fundo no assunto de
propósito (uma “ameaça” recente ainda paira sobre minha cabeça), mas esforço-me
para não incorrer numa espécie de autocensura, relacionada ao temor de ver
minhas palavras utilizadas como armas contra mim. Se elas são minhas palavras,
nada mais adequado que elas sejam minhas armas, pensava eu num instante
posterior de idealização, mas... O mundo não é como eu penso, já me disseram
isto mais de uma vez!
No filme, o protagonista, vivido por um jovem e bonito
Stepan Nercessian, é um menino de rua mnemonicamente perseguido pelas imagens
de sua mãe prostituta ateando fogo contra si mesma. Baseado num livro de Plínio
Marcos, chamado “Quebradas da Vida”, este enredo foi filmado novamente em 2007,
numa agradável versão de nome “Querô” (dirigido por Carlos Cortez). Porém, o original
setentista é muito mais interessante em sua ambigüidade valorativa, em sua
aparente supressão das crises de consciência que afligem os personagens quando
precisam assassinar ou denunciar pessoas que, minutos antes, eram considerados
seus amigos ou, na pior das hipóteses, companheiros de miséria. É um filme
seco, sujo, mas pulsante em seus sopros de vida, muito bem ecoados na ótima
trilha sonora instrumental de Edu Lobo.
Para falar a verdade, achei a segunda metade do filme –
centrada na perseguição do protagonista por alguns traficantes de droga, irritados
depois que ele mata um “aviãozinho”, no afã por conseguir uma arma – chata em
relação à primeira, permeada por bichas loucas e relações sexuais convertidas
em meros estratagemas para obtenção de benesses, como um simples sanduíche ou dinheiro
para pagar uma divida de jogo. Querô repetia para si mesmo que se tivesse um revólver
em suas mãos, estaria com a razão do seu lado. Eu discordava dele, mas torci
por ele até o fim. Queria que ele se regenerasse, se apaixonasse (o que chegou
a acontecer, inclusive), entendesse que os amigos são importantes, mas o mundo
não é como eu quero, como eu percebo... Até mesmo filmes realistas e cheios de
(sobre)vida como este que descrevo fazem questão de me provar isto. E ser
marginal é importante – martirizante ou não, ainda é!
Wesley PC>
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