quarta-feira, 27 de março de 2013

“ALGUMAS ESPÉCIES DE ESTRELA-DO-MAR SOLTAM UM DOS BRAÇOS APÓS UMA DESILUSÃO AMOROSA. POR SUA VEZ, O BRAÇO SOLTO DARÁ ORIGEM A UM NOVO ESPÉCIME!”

Não lembro as palavras exatas da citação de Conrado, ridículo personagem de Malvino Salvador em “Qualquer Gato Vira-Lata” (2011, de Tomas Portella & Daniela De Carlo), mas o sentido é exatamente este que consta no título desta postagem. Absolutamente machista (no sentido mais conservador do termo), este personagem é um suposto biólogo que tenta aplicar algumas de suas observações zoológicas aos relacionamentos humanos. A desiludida e desagradável Tati (Cléo Pires), estudante de Direito largada pelo namorado mulherengo (o sensual Dudu Azevedo) oferece-se como cobaia para provar a tese do professor universitário desengonçado e recém-divorciado. Nem preciso acrescentar que o filme é previsível, sem graça, hipócrita e péssimo, mas não desprovido de um interesse observacional inverso. Aliás, este é o principal mote de Conrado: “o interesse dele é absolutamente proporcional à tua indiferença!”.

Vi o filme na manhã de hoje, por acaso, sendo exibido na TV. Por mais que o nome de Juca de Oliveira como autor do argumento teatral que deu origem ao roteiro tenha me agradado um pouco, o filme logo se demonstrou insuportavelmente associado à malevolência de seu título. Mas fiquei imaginando quais os argumentos utilizados por seus admiradores para defendê-lo. Afinal de contas, por mais espantoso que pareça, pelo menos 445 pessoas favoritaram-no no Filmow. Como pode? Em resposta a esta pergunta, sirvo-me de uma citação providencial do filósofo alemão Peter Sloterdijk, constante na página 396 de seu volumoso livro “Crítica da Razão Cínica”, publicado originalmente em 1983:

“A pornografia da burguesia tardia serve à sociedade capitalista como exercício da estrutura não atual de vida esquizóide que se enganou em sua própria época. Vende o original, o dado e o natural como objetivo distante, como encanto sexual utópico. A beleza do corpo, que foi reconhecida no platonismo como um indicador da alma até a mais alta e entusiasta experiência da verdade, serve na pornografia moderna para a solidificação da falta de carinho que, em nosso mundo, tem o poder de definir o que é realidade”.

Enviei esta citação providencial, último trecho do segmento “o cinismo sexual” do livro, para diversos amigos na noite de ontem. Mal sabia eu que viria tão a calhar diante deste filme: em comparação com os filmes com sexo quase explícito da Boca do Lixo paulistana, as comédias românticas cariocas financiadas pela Globo Filmes são pura pornografia capitalista. E olha que eu não pude deixar de perceber que o Dudu Azevedo (inclusive seu personagem nojoso), ao menos fisicamente, é uma delícia...

Wesley PC> 

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