quarta-feira, 20 de março de 2013

“COMO PODE A GENTE AMAR UM HOMEM E, DE REPENTE, NÃO SENTIR NADA POR ELE, NEM AMIZADE?”


É uma pergunta dura, mas eu próprio já me flagrei diante da mesma... Por mais que eu não acredite em desamor, a constância do divórcio me faz deduzir que ele existe...

Pensando nisso, submeti-me, na tarde de hoje, ao filme “O Gosto do Pecado” (1980), uma das obras menos inspiradas do ótimo diretor Cláudio Cunha, responsável por uma das obras mais consistentes do cinema brasileiro, no que tange à sua versatilidade genérica. Apesar disso, a imprensa demeritória da época insistia em taxonomizar todos os seus filmes como prefixalmente pornográficos. Assim sendo, atribuíram-lhe a feitura de uma pornochanchada [sua estréia como diretor no equivocado “O Clube das Infiéis” (1974)], um ‘pornothriller’ [o irregular “Snuff, Vítimas do Prazer” (1977)], alguns pornodramas [o encantador “Amada Amante” (1978), um 'pornodisco' [o localmente inovador “Sábado Alucinante” (1979)] e o interessantíssimo “Profissão Mulher” (1984)] e um porno-sabe-se-lá-o-quê [“Oh! Rebuceteio” (1984)], o melhor de todos – e até então, o último – que ele fez de propósito, para esculhambar.

Dos oito filmes que o diretor realizou, não vi apenas o convidativo “O Dia em que o Santo Pecou” (1975), protagonizado por Selma Egrei. “O Gosto do Pecado”, ‘pornodrama’ que eu não tinha visto até a tarde de hoje, completa a filmografia, não obstante eu ter achado este um dos filmes menos elaborados do diretor, visto que, apesar de uma equipe que conta com Inácio Araujo e Jean Garrett como co-roteiristas, com Carlos Reichenbach como fotógrafo e com Jairo Ferreira como consultor musical, a aparência de desleixo formal é dominante. Mas nada que invalide por completo a qualidade enredística da trama.

Bastante antenada às questões morais do início da década de 1980, a trama deste filme inicia-se focada no executivo Júlio (Jardel Mello), recém-separado de sua esposa Regina (Maria Lúcia Dahl). Ainda muito apaixonado por ela, ele tenta de todas as formas se reaproximar, alegando a felicidade de seu filho pequeno, inclusive, mas, apesar de não terem brigado de forma irreconciliável, ela recusa as investidas do ex-marido, salvo por uma ou outra transa eventual. Gradualmente, somos apresentados aos dilemas da secretária Vânia (Simone Carvalho), que, endividada, aos poucos se apaixona pelo patrão. Quando ela a flagra com a saia esvoaçada, enquanto troca uma lâmpada do escritório, ele percebe que pode se aproveitar sexualmente dela e finge corresponder ao seu amor, mesmo ela estando noiva de um rapaz bastante ciumento e pobre chamado Celso (Fábio Vilalonga, vencedor de um prêmio paulista de Melhor Ator Coadjuvante por este filme). O desfecho do filme impressiona!

Conhecido por ser um dos cineastas da Boca do Lixo mais respeitosos em relação às condições femininas, Cláudio Cunha, neste filme, concebe uma das cenas de rompimento de hímen mais impressionantes que eu já tive o prazer de ver (e de me identificar)! Sem contar que o estratagema radiofônico que escancara as fontes realistas da trama também é boníssimo, o mesmo podendo ser dito sobre a citação de Santo Agostinho no crédito final. É um filme menor do diretor, mas, ainda assim, impactante e muito relevante, em nível pessoal inclusive, visto que ele me fez lembrar de alguém tão repugnante quanto o protagonista falsamente apaixonado, que, num momento confessional, jacta-se de testemunhar a destruição amorosa alheia. Cláudio Cunha é realmente um cineasta autoral: parabéns!

Wesley PC> 

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