É uma pergunta dura, mas eu próprio já me flagrei diante da
mesma... Por mais que eu não acredite em desamor, a constância do divórcio me faz deduzir que ele existe...
Pensando nisso, submeti-me, na tarde de hoje, ao filme “O
Gosto do Pecado” (1980), uma das obras menos inspiradas do ótimo diretor Cláudio
Cunha, responsável por uma das obras mais consistentes do cinema brasileiro, no
que tange à sua versatilidade genérica. Apesar disso, a imprensa demeritória da
época insistia em taxonomizar todos os seus filmes como prefixalmente
pornográficos. Assim sendo, atribuíram-lhe a feitura de uma pornochanchada [sua
estréia como diretor no equivocado “O Clube das Infiéis” (1974)], um ‘pornothriller’
[o irregular “Snuff, Vítimas do Prazer” (1977)], alguns pornodramas [o
encantador “Amada Amante” (1978), um 'pornodisco' [o localmente inovador “Sábado
Alucinante” (1979)] e o interessantíssimo “Profissão Mulher” (1984)] e um
porno-sabe-se-lá-o-quê [“Oh! Rebuceteio” (1984)], o melhor de todos – e até
então, o último – que ele fez de propósito, para esculhambar.
Dos oito filmes que o diretor realizou, não vi apenas o
convidativo “O Dia em que o Santo Pecou” (1975), protagonizado por Selma Egrei.
“O Gosto do Pecado”, ‘pornodrama’ que eu não tinha visto até a tarde de hoje,
completa a filmografia, não obstante eu ter achado este um dos filmes menos
elaborados do diretor, visto que, apesar de uma equipe que conta com Inácio
Araujo e Jean Garrett como co-roteiristas, com Carlos Reichenbach como
fotógrafo e com Jairo Ferreira como consultor musical, a aparência de desleixo
formal é dominante. Mas nada que invalide por completo a qualidade enredística
da trama.
Bastante antenada às questões morais do início da década de
1980, a trama deste filme inicia-se focada no executivo Júlio (Jardel Mello),
recém-separado de sua esposa Regina (Maria Lúcia Dahl). Ainda muito apaixonado
por ela, ele tenta de todas as formas se reaproximar, alegando a felicidade de
seu filho pequeno, inclusive, mas, apesar de não terem brigado de forma irreconciliável,
ela recusa as investidas do ex-marido, salvo por uma ou outra transa eventual.
Gradualmente, somos apresentados aos dilemas da secretária Vânia (Simone
Carvalho), que, endividada, aos poucos se apaixona pelo patrão. Quando ela a
flagra com a saia esvoaçada, enquanto troca uma lâmpada do escritório, ele
percebe que pode se aproveitar sexualmente dela e finge corresponder ao seu
amor, mesmo ela estando noiva de um rapaz bastante ciumento e pobre chamado
Celso (Fábio Vilalonga, vencedor de um prêmio paulista de Melhor Ator
Coadjuvante por este filme). O desfecho do filme impressiona!
Conhecido por ser um dos cineastas da Boca do Lixo mais
respeitosos em relação às condições femininas, Cláudio Cunha, neste filme, concebe
uma das cenas de rompimento de hímen mais impressionantes que eu já tive o
prazer de ver (e de me identificar)! Sem contar que o estratagema radiofônico que
escancara as fontes realistas da trama também é boníssimo, o mesmo podendo ser dito
sobre a citação de Santo Agostinho no crédito final. É um filme menor do
diretor, mas, ainda assim, impactante e muito relevante, em nível pessoal
inclusive, visto que ele me fez lembrar de alguém tão repugnante quanto o
protagonista falsamente apaixonado, que, num momento confessional, jacta-se de
testemunhar a destruição amorosa alheia. Cláudio Cunha é realmente um cineasta
autoral: parabéns!
Wesley PC>
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