sexta-feira, 8 de março de 2013

“ELE É MUITO MAIS IRMÃO DO MEU IRMÃO QUE EU... QUEBRA ESSA AÍ!” (OU UM FILME QUE FAZ JUS AO TÍTULO)

Particularmente, aprecio bastante filmes cujas cenas cruciais se passam em supermercados. Um amigo que compartilha desta apreciação costuma adicionar outro elemento apreciativo que, aos poucos, me contaminou positivamente: filmes passados em veículos de transporte, principalmente ônibus. Quando percebi que “De Passagem” (2003), premiado filme do cineasta paulista Ricardo Elias partia deste pressuposto (a maior parte das situações-chave do filme são passadas no interior de ônibus e trens), intuí que gostaria bastante do filme, não obstante o chamariz do mesmo ter sido outro, também bastante efetivo: a beleza física do jovem Sílvio Guindane, que, aqui, interpreta magistralmente um estudante militar legalista. Gostei muito do filme!

Desde a primeira cena, em que um garoto entoa a célebre canção do Cassiano “Primavera (Vai Chuva)” enquanto outros dois brincavam de futebol num campinho improvisado, senti que o filme não seria um mero explorador publicitário dos clichês contemporâneos do cinema de classe média situado na favela. Ao contrário do que o público senso-comunal afirma, aliás, não acho problemática ‘per si’ a pletora de filmes sobre favela, desde que estes não se utilizem oportunistamente dos cenários e figuras populares para legitimar um discurso preconceituoso sobre os habitantes destes locais. Exemplos conduzidos por Bruno Barreto, Jeferson De ou Fernando Meirelles não faltam, bem como as exceções levadas a cabo por Lúcia Murat, Jorge Durán e o próprio Ricardo Elias, que já havia me surpreendido com o posterior “Os 12 Trabalhos” (2006). O viés enredístico primordial deste diretor e roteirista é o aspecto humano por detrás dos estereótipos de bandidos negros e, neste aspecto, “De Passagem” é um filme exemplar em sua complexidade composicional: aos poucos, seus filmes nos conquistam, nos transportam para a pele das vítimas de nossos próprios pré-julgamentos e, ao final, o que predomina é a qualidade de um cinema que, se não se pode dizer que não julga os seus personagens, não os condena. O magnífico desfecho em aberto do filme em pauta que o diga!

Em “De Passagem”, o referido personagem de Sílvio Guindane volta à cidade onde passara a sua infância para reconhecer o corpo de seu irmão mais novo, envolvido com o tráfico de drogas, supostamente assassinado num município distante. Dispondo de apenas poucos dias de licença, ele aceita a tarefa, visto que sua mãe está emocionalmente combalida e seu pai, também policial militar, se sente culpado por ter enviado o falecido para um instituto correcional quando ele ainda era um menino. Um amigo íntimo do rapaz morto se oferece para acompanhar o estudante militar até o Instituto Médico Legal. E, enquanto eles vão se reconhecendo na viagem, lembranças infantis dos meninos Jefferson, Washington e Kennedy (os três com nomes de ex-presidentes norte-americanos) despontam na tela...

Filmado predominantemente através de planos longuíssimos que exigiram bastante da firmeza de Sílvio Guindane no que tange à sua expressão sisuda e desconfiada, “De Passagem” torna-nos cúmplice também do marginalizado (mas bem-intencionado) vizinho dos dois irmãos, muito bem-interpretado por Fábio Nepô, premiado como Melhor Ator no Festival de Gramado, onde a produção também recebeu os troféus de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Prêmio da Crítica, em minha opinião, todos merecidos. De minha parte, receberia também os prêmios de Melhor Trilha Sonora, visto que André Abujamra realça muito bem a atmosfera dos diálogos e memórias sobre perda da inocência com música (incluindo a magistral versão do Karnak para “Sósereiseuseforsó/ Nuvem Passageira”), e de Melhor Ator, já que fiquei completamente apaixonado pelo Sílvio Guindane, em todos os aspectos que esta palavra comportar perante a minha apreciação entusiástica do filme. Se este rapaz já havia chamado bastante a atenção do público e crítica de cinema através de seu desempenho memorável em “Como Nascem os Anjos” (1996, de Murilo Salles), crescido, ele nos faz querer “traçá-lo”, como fazia o supostamente falecido Washington: ah, se eu me deparasse com um ex-favelado desses num trem...

Wesley PC> 

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