Na noite de ontem, uma desavença pessoal violenta atravessava
a minha empolgação em comparecer ao III Festival Sergipano de Teatro,
atualmente em voga no Estado. Ainda assim, resolvi conferir uma peça anunciada
como “Praia, 1985” no panfleto informativo com a programação do evento.
Convidei vários de meus amigos, mas, por motivos diversos, apenas um esteve ao
meu lado.
Ao chegar ao local do evento – o Teatro Lourival Baptista –
percebi que, na verdade, o nome da peça era “Na Praia, 1855”, baseada num texto
de Lina Regina Nunes, encenada pelo Grupo História EnCena e protagonizada por
um amigo conhecido por suas opiniões polêmicas. Perguntei-lhe por que ele não me
avisara que estaria atuando. Ele deu uma resposta evasiva, mas simpática.
Aguardei que o meu companheiro chegasse e, com quase meia-hora de atraso em
relação ao horário agendado, a peça
iniciou...
Dirigida por Gustavo Floriano, que adentrou o teatro de
forma impressionante, gritando os versos contidos no título desta postagem da
platéia, antes de subir no palco e conclamar os seus companheiros de cena a
hastearem bandeiras e cantarem um hino emancipatório. Duas personagens
supostamente adolescentes, Cléo e Zoé, entravam em cena, com o intuito de
realizarem uma pesquisa escolar sobre os motivos que justificaram a mudança da
capital sergipana de São Cristóvão para Aracaju, em 17 de março de 1855. Daí
para a frente, os demais integrantes do elenco representavam figuras marcantes
da História do Estado em que nasci, como o mártir João Bebe Água e o
estrategista Barão de Maruim, respectivamente, opositor e entusiasta da mudança
da capital.
Apesar de a peça merecer elogios pela audácia musical (os
integrantes da banda que executava os temas da peça estavam situados na
platéia), ela pecou pela falta de entrosamento de alguns atores com os seus
personagens (o intérprete de um padre são-cristovense incomodava pelo sobejo de
afetação), pelas coreografadas desengonçadas e efetuadas sem vivacidade, pela
obviedade de algumas referências legitimadoras a ícones da Indústria Cultural contemporânea
(no caso, a enjoativa Verônica Voz e um pseudo-‘funk’ repetitivamente
insuportável), pela sobrepujação dos efeitos de sonoplastia às vozes dos
atores, pelos equívocos evidentes de iluminação e pela forçação de barra no tom
didático do enredo, que, ao mesmo tempo em que evidenciava os aspectos encomendados
da peça, indicavam que ela talvez fosse mais bem-sucedida se tivesse sido
exibida à tarde, para uma platéia infanto-juvenil. No ponto de ônibus,
inclusive, ouvi de uma desconhecida: “amei a idéia de ensinar sobre a História
de Sergipe com tanto humor”. Eu concordei, mas nem todas as boas idéias da peça
funcionaram, ao passo em que outras ficaram incompreendidas: qual o motivo de
associar o mordomo da casa onde as duas adolescentes estudavam a uma combinação
fantasmática (realçada pela trilha sonora) entre o corcunda Quasímodo, o
mordomo Tropeço e zumbis andantes de um seriado norte-americano recente? Por
mais que eu tenha desgostado desta opção tramática, quem estava ao meu lado na platéia
foi taxativo ao indicar que o intérprete deste problemático personagem
humorístico era o melhor ator em cena (o que ele se apressou em destacar que
não era necessariamente um elogio – risos). Assim sendo, Joel Costa, sou
obrigado a concordar com ele: tu foste bravio em sua entrega caricata ao personagem!
Terminada a peça, que parecia muito ruim no começo – em
especial por causa dos desempenhos fracos do elenco, que bocejavam em cena e
erravam os seus movimentos – “Na Praia, 1855” destacou-se positivamente pela
quantidade valorizada de boas intenções e opções audaciosas de encenação (as
cenas musicais, por exemplo, eram potencialmente ótimas!). O público pareceu
apreciar o resultado, ao passo em que eu insisti em apregoar que, numa
encenação mais cuidadosa e ensaiada, talvez a peça atinja com mais precisão os
seus intentos. Mas, de antemão, a capacidade de divertir utilizando fatos
poucos destacados de nossa História já é digna de aplausos. Parabéns para o
grupo História EnCena, portanto!
Wesley PC>
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