Continuando o meu acompanhamento particular do III Festival
Sergipano de Teatro, dispus-me hoje a ver a peça “A Água Dividida”, encenada pelo
extraordinário grupo Raízes Nordestinas (na foto, posando durante a
apresentação de “Os Corumbas”, de Armando Fontes). A ausência de sinopses na
programação do evento me fez especular que o enredo deste espetáculo tivesse a
ver com alguma forçação de barra demagógico-pedagógica sobre a transposição do
Rio São Francisco, por exemplo, mas, para a minha surpresa e satisfação, a peça
era uma adaptação brechtiana, muitíssimo antenada à frase “estranhe o que não é
estranho”, em destaque numa faixa disposta sobre o cenário da mesma.
Conduzida por excelentes canções compostas, executadas e
interpretadas por Rafaela Alves e uma banda situada no palco, a peça contava
uma impressionante estória de injustiça, envolvendo um asqueroso comerciante,
que maltratava um guia e um carregador enquanto se embrenhava por um deserto,
em busca de um local onde pudesse explorar o petróleo. Como ele era seguido por
um concorrente, ele tratava os seus empregados com uma violência descomunal, despedindo
um deles quando percebe uma possibilidade de aliança entre as classes menos
desenvolvidas. Depois de assassinar o seu carregador quando confunde o cantil
que ele oferecia com uma pedra, o comerciante é julgado, mas absolvido por ter “o
direito de ter medo de quem pode lhe destruir”. Lema ensinado na peça: “nós é
uma coisa; outra é você e eu”!
Para o meu descontentamento, nenhum de meus amigos pôde
comparecer a este espetáculo, muitíssimo bem encenado por um grupo formado a
partir de uma oficina teatral bem-desenvolvida no sertão sergipano, mais
precisamente na cidade de Poço Redondo. Nem todos os atores estavam bem em cena
(o protagonista que vivia o comerciante era ruim), mas os coadjuvantes eram
ótimos, um deles era particularmente muito bonito e as canções eram
absolutamente extraordinárias, tanto em conteúdo libertário-aconselhador quanto
em melodia. Infelizmente, a platéia insistia em rir em momentos que deveriam
ser apreendidos dramaticamente em sua demonstração ostensiva de quão cruel pode
ser os maus tratos de um homem contra outro homem, a partir da justificativa
ideológica de que “quem tem uma vida boa é o homem bom; quem tem uma vida má é
o homem mau – e, assim, tudo segue bem...”. O modo solene com que os atores
recebiam, deslocavam e utilizavam os objetos cênicos era magistral, de modo que
eu saí do teatro encantado. Sozinho, porém encantado. E, no ônibus, transferi
este encanto para os braços venosos de um belíssimo surdo-mudo. Mas essa é
outra história de opressão imaginária...
Wesley PC>
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