Desde que minha mãe assistiu a “O Ódio é Cego” (1950), filme
oficial de estréia de uma de seus atores favoritos, Sidney Poitier, fiquei impressionado
não apenas com a sinopse do filme, sobre a faceta mais patológica dos ódios
raciais convertidos em crimes sociais, como pela importância subestimada do
mesmo na carreira primorosa do diretor e roteirista Joseph L. Mankiewicz. Além
disso, a trama possibilitava que eu enrijecesse as minhas impressões
discursivas sobre o racismo, bastante úteis numa paquera platônica que, naquela
ocasião, estava sendo inutilmente implementada. Passada a oportunidade, assisti
ao filme noutro contexto, bem mais apaziguado e com expectativas reduzidas, mas
não menos digno de ser relatado:
Nesta manhã de domingo, chateado por ter dormido mais de dez
horas seguidas, descobri o filme pro acaso no Telecine Cult e me impressionei
de imediato com a ótima personificação caricatural de Richard Widmark, bandido
racista que crê furiosamente que um médico negro assassinou por vingança o seu
irmão também bandido, que ele não sabia que estava com um tumor no cérebro. Se,
nos quesitos dramáticos (a complexidade dos relacionamentos entre o médico
negro, seus colegas de profissão e sua família, o tormento existencial da
namorada do falecido, que era traído por seu irmão, etc.), o enredo impressiona
pela pujança, na subtrama policial ele decepciona pela ingenuidade, visto que o
modo como um prisioneiro consegue se apropriar de um bisturi numa sala de
operação escancara uma terrível falha de segurança, que se repetirá no modo
como este mesmo prisioneiro, baleado numa perna, consegue fugir do hospital, no
modo como ele seqüestra e ameaça a sua cunhada e no modo como ele invade a casa
do melhor amigo profissional do protagonista médico. Tais pequenos defeitos não
eliminam a reflexão poderosa que o filme traz à tona, com certeza geradora de
polêmicas à época em que foi realizado: os preparativos para uma chacina de
negros que são apresentados num bairro periférico do ‘white trash’
norte-americano são impressionantes, de maneira que garrafas quebradas para
servirem como armas assustam ainda mais quando lembramos da cicatriz horrível
na face do ascensorista do hospital, ferido numa chacina semelhante.
Terminado o filme – que, conforme previsto, gerou uma breve
discussão entre eu e minha mãe sobre os absurdos do racismo – pensei no rapaz
que me motivaram idealmente a descobrir este filme e que, por ser idiota,
preconceituoso e virulento em meu medo pequeno-burguês de se relacionar com as
pessoas, hoje me evita. Problema dele: quem perde é ele! De minha parte, estou
contente de, por causa do que eu sentia por ele, ter descoberto este poderoso
filme genericamente envelhecido, mas infelizmente ainda atual e não-resolvido
em sua temática denuncista!
Wesley PC>
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