quarta-feira, 5 de junho de 2013

BREVES PALAVRAS SOBRE UM FILME ARREBATADORAMENTE GENIAL!

Quando "Doramundo" (1978, de João Batista de Andrade) começou a ser exibido, num canal fechado de TV, relativamente obscuro, eu estava ocupado. Assim sendo, precisei de algum tempo para me acostumar ao hermético ritmo do filme. O que começou como uma emulação de um célebre romance de Victor Hugo sobre assassinatos por ciúmes num vagão de trem - estória j[a filmada por Jean Renoir e Fritz Lang - evoluiu até uma complexa reconstituição simbólica das persecuções ditatoriais da década de 1970, através de um roteiro finalizado pro João Silvério Trevisan a partir de pesquisa do jornalista Vladimir Herzog. Absolutamente genial!

Na trama, diversos homens solteiros aparecem mortos na cidade paulista de Cordilheira. Investigadores de outra cidade são convocados para tentar esclarecer o caso. Homens casados são torturados, têm suas esposas humilhadas, são obrigados a confessar crimes que não cometeram e serem presos pelos mesmos, mas as mortes continuam a acontecer. O ano era 1939, mas o espírito era o do ano em que o filme foi realizado. E, de repente, percebemos claramente que toda a investigação é um 'McGuffin': até o final, não se descobrirá quem é o assassino... Ou melhor: os assassinos são os milicos! Todos sabiam disso desde antes de o filme começar!

Irene Ravache interpreta Dora, uma mulher casada, mas apaixonada por Raimundo, vivido por Antônio Fagundes. Cativos de um amor proibido, eles configuram outro 'McGuffin' tramático, que se mistura a um terceiro 'McGuffin', quando prostitutas são trazidas pelo Governo à cidade de Cordilheira para dirimir os desejos sexuais dos homens solteiros - e dos casados também. As mulheres insatisfeitas e/ou enfurecidas com a lascívia das putas queimam o vagão onde elas se prostituíam. E aquele bonde queimado permanecerá como cicatriz da cidade, diz o narrador, enquanto os personagens jogam futebol, como se nada tivesse acontecido, por mais que nada tenha sido desvendado...

Num momento de pura sublimidade tétrica, uma personagem atormentada é cercada por jornalistas. Interrogada acerca das mortes que acontecem na cidade, ela exclama, psicoticamente: "vocês não sentem o cheiro?! Cheia mal, mas é preciso respirar para poder viver!". E, noutra cena forte, um típico funcionário estatal diz que a cidade está infectada e ele, enquanto legítimo "biólogo social", sabe como resolver esta doença: "a melhor maneira de curar um mal é trazendo a tona outro mal, mas de maneira controlada". A mensagem era clara. O filme mereceu, portanto, todos os prêmios que recebeu. Absolutamente genial: belíssima surpresa!

Wesley PC>

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