quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O HOMEM QUE AGORA AMO:

Eu costumava me demonstrar fortemente irritadiço quando lia algo escrito pelo crítico nascido na Bélgica mas radicado em São Paulo Jean-Claude Bernardet. Achava-o afetado, estouvado, geograficamente limitado. Quando comecei a ler sobre a região cinematográfica que pesquiso no Mestrado, a Boca do Lixo, percebi que este crítico era um dos poucos que a defendiam irrestritamente, inclusive preocupado em referir-se às pornochanchadas apenas em seu âmbito genérico cinematográfico, ou seja, enquanto comédia erótica com características bastante definidas. Hoje, portanto, sou fã do Jean-Claude Bernardet!

A minha devoção por este autor tornou-se tão confessadamente exagerada que minha orientadora tem receio que eu imite as suas práticas pessoais que lhe conduziram à contaminação com o vírus da imunodeficiência humana, o HIV. Quem sabe? (risos) Algumas de nossas aparentes práticas sexuais e/ou passionais são, de fato, muito semelhantes, porém, por enquanto, a minha relação com ele é predominantemente intelectual: fico impressionado com o modo como este crítico é simultaneamente polemista e comprometido com o seu objeto de defesa, muito mais que a glória pessoal. No livro “Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro”, publicado em 1995 e que terminei de ler na manhã de hoje, há, por exemplo, algumas propostas ousadas de pedagogia cinematográfica, em que ele prioriza os temas concêntricos à diacronia historicista, defendendo inclusive que o cinema brasileiro não seja estudado apartado das demais cinematografias mundiais, a fim de não confiná-lo numa guetificação bem-intencionada. Ainda não sei o quanto isto me afetou defensivamente, mas prometi a mim mesmo e a meus amigos que, na minha primeira aula oficial enquanto professor universitário (um de meus previsíveis sonhos profissionais, diga-se de passagem), utilizarei este texto como proposta de discussão com os meus alunos!

Lendo obsessivamente o Jean-Claude Bernardet, entendi o quanto ele tem razão em sua insistência na análise das condições de exibição e distribuição como sendo essenciais para o entendimento das condições subdesenvolvimentistas do cinema brasileiro, aproveitando aqui a famosa fórmula do Paulo Emílio Salles Gomes. Dedutivamente, esta é uma causa à qual já estou afiliado. E, diante deste sorriso terno do crítico, quase me estendo a afirmar que, sim, estou apaixonado por ele: enquanto amante idiossincrático do cinema (principalmente, o brasileiro), ele é lindo, um exemplo singular!

Há pouco, assisti ao clássico cinemanovista “O Bravo Guerreiro” (1968, de Gustavo Dahl), em relação ao qual o crítico prestou bastante atenção, visto que o diretor do filme é um de seus contemporâneos de atividade. Percebo agora que não é por acaso que a coletânea de artigos reunidos sob o título “Trajetória Crítica” não homenageia por acidente a derradeira imagem do filme em pauta. Este foi o primeiro livro do autor que li, assim que ingressei na universidade, e, à época, desgostei, mas, hoje, já penso em adquiri-lo (risos). O quanto antes, aliás. Porém, se mencionei este filme é porque estou escandalizado com o que li há pouco, uma comparação destacada por Fernão Ramos em seu capítulo no extraordinário livro que organizou em 1987, “História do Cinema Brasileiro”, no qual dois artigos do diretor Gustavo Dahl, então apenas crítico, postula diferentes abordagens do Cinema Novo: no primeiro, datado de 1961, ele apregoa a autoralidade suprema, não obstante as dificuldades de apreensão pelo público; no segundo, publicado em 1966, ele promulga a necessidade de fazer as pazes com o mercado, equiparando o “povo” que os filmes defendiam ao público que os rejeitava. “O Bravo Guerreiro”, entretanto, está longe de ser um fácil querido pelo público e, menos ainda, bem-recebido mercadologicamente. Fiquei com a pulga inquiridora atrás da orelha, ainda extasiada com os gritos contra o silêncio legitimador da opressão que são elevados a cabo pelo excelente personagem de Paulo César Pereio no filme. Ter me apaixonado pelo Jean-Claude Bernardet me deixou mais inteligente ou, no mínimo, mais sensível!


Wesley PC> 

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