Eu costumava me demonstrar fortemente irritadiço quando lia
algo escrito pelo crítico nascido na Bélgica mas radicado em São Paulo Jean-Claude Bernardet. Achava-o afetado,
estouvado, geograficamente limitado. Quando comecei a ler sobre a região
cinematográfica que pesquiso no Mestrado, a Boca do Lixo, percebi que este
crítico era um dos poucos que a defendiam irrestritamente, inclusive preocupado
em referir-se às pornochanchadas apenas em seu âmbito genérico cinematográfico,
ou seja, enquanto comédia erótica com características bastante definidas. Hoje,
portanto, sou fã do Jean-Claude Bernardet!
A minha devoção por este autor tornou-se tão confessadamente
exagerada que minha orientadora tem receio que eu imite as suas práticas
pessoais que lhe conduziram à contaminação com o vírus da imunodeficiência
humana, o HIV. Quem sabe? (risos) Algumas de nossas aparentes práticas sexuais
e/ou passionais são, de fato, muito semelhantes, porém, por enquanto, a minha
relação com ele é predominantemente intelectual: fico impressionado com o modo
como este crítico é simultaneamente polemista e comprometido com o seu objeto
de defesa, muito mais que a glória pessoal. No livro “Historiografia Clássica
do Cinema Brasileiro”, publicado em 1995 e que terminei de ler na manhã de
hoje, há, por exemplo, algumas propostas ousadas de pedagogia cinematográfica,
em que ele prioriza os temas concêntricos à diacronia historicista, defendendo
inclusive que o cinema brasileiro não seja estudado apartado das demais
cinematografias mundiais, a fim de não confiná-lo numa guetificação
bem-intencionada. Ainda não sei o quanto isto me afetou defensivamente, mas
prometi a mim mesmo e a meus amigos que, na minha primeira aula oficial enquanto
professor universitário (um de meus previsíveis sonhos profissionais, diga-se
de passagem), utilizarei este texto como proposta de discussão com os meus
alunos!
Lendo obsessivamente o Jean-Claude Bernardet, entendi o
quanto ele tem razão em sua insistência na análise das condições de exibição e
distribuição como sendo essenciais para o entendimento das condições
subdesenvolvimentistas do cinema brasileiro, aproveitando aqui a famosa fórmula
do Paulo Emílio Salles Gomes. Dedutivamente, esta é uma causa à qual já estou
afiliado. E, diante deste sorriso terno do crítico, quase me estendo a afirmar
que, sim, estou apaixonado por ele: enquanto amante idiossincrático do cinema
(principalmente, o brasileiro), ele é lindo, um exemplo singular!
Há pouco, assisti ao clássico cinemanovista “O Bravo
Guerreiro” (1968, de Gustavo Dahl), em relação ao qual o crítico prestou
bastante atenção, visto que o diretor do filme é um de seus contemporâneos de
atividade. Percebo agora que não é por acaso que a coletânea de artigos
reunidos sob o título “Trajetória Crítica” não homenageia por acidente a
derradeira imagem do filme em pauta. Este foi o primeiro livro do autor que li,
assim que ingressei na universidade, e, à época, desgostei, mas, hoje, já penso
em adquiri-lo (risos). O quanto antes, aliás. Porém, se mencionei este filme é
porque estou escandalizado com o que li há pouco, uma comparação destacada por
Fernão Ramos em seu capítulo no extraordinário livro que organizou em 1987, “História
do Cinema Brasileiro”, no qual dois artigos do diretor Gustavo Dahl, então
apenas crítico, postula diferentes abordagens do Cinema Novo: no primeiro,
datado de 1961, ele apregoa a autoralidade suprema, não obstante as
dificuldades de apreensão pelo público; no segundo, publicado em 1966, ele promulga
a necessidade de fazer as pazes com o mercado, equiparando o “povo” que os
filmes defendiam ao público que os rejeitava. “O Bravo Guerreiro”, entretanto,
está longe de ser um fácil querido pelo público e, menos ainda, bem-recebido
mercadologicamente. Fiquei com a pulga inquiridora atrás da orelha, ainda
extasiada com os gritos contra o silêncio legitimador da opressão que são elevados
a cabo pelo excelente personagem de Paulo César Pereio no filme. Ter me
apaixonado pelo Jean-Claude Bernardet me deixou mais inteligente ou, no mínimo,
mais sensível!
Wesley PC>
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