sexta-feira, 6 de setembro de 2013

FAZENDO AS PAZES COM O CACÁ DIEGUES...

Desde que eu entendi o contexto em que o cineasta Carlos Diegues cunhou e utilizou defensivamente a expressão “Patrulhas Ideológicas” – discutida em livro homônimo organizado por Carlos Alberto M. Pereira e Heloísa Buarque de Hollanda, em que estão reunidas entrevistas com diversas personalidades culturais brasileiras debatendo sobre o tema – passei a ficar bastante interessado em seus filmes antigos. Aproveitei uma deixa de pesquisa na tarde de quinta-feira e assisti a duas obras deste diretor: o maravilhoso “Chuvas de Verão” (1977) e o interessante “Dias Melhores Virão” (1989).

Em ambos os filmes, encontramos Jofre Soares e Paulo César Pereio no elenco, mas ocupando funções bastante diferentes: no primeiro filme, Jofre Soares é o protagonista. Interpreta um recém-aposentado que se apaixonada por uma vizinha da mesma faixa etária, mas que enfrenta problemas relacionados a crimes, envolvendo tanto o namorado de sua empregada doméstica quanto um palhaço envelhecido que mora ao lado e seqüestra e assassina uma garotinha; no segundo, o ator tem uma função terciária, mas divertidíssima e assaz crítica, já que ele vivifica um general insatisfeito com a abertura política do Brasil, divertindo-se enquanto aplica choques elétricos num gato. Ótimo ator este: muito digno!

Se, no primeiro filme, Paulo César Pereio utiliza toda a sua irreverência e deboche para dotar de cinismo o vizinho inconveniente do protagonista, que alega que “santo é aquele que morre na barriga da mãe”, no segundo, este ator interpreta um dos membros da equipe de dublagem em que conhecemos a personagem de Marília Pêra, uma sonhadora traumatizada com o acidente que matou um namorado motociclista da infância e apaixonada por um homem casado que fode com ela todas as quintas-feiras. Intérprete deste último: José Wilker, sem dúvida o aspecto menos interessante do filme.

Tanto um quanto o outro filme me emocionaram, mas o primeiro é muitíssimo melhor e mais sociologicamente honesto que o segundo: em “Chuvas de Verão”, ouvi que “uma das melhores maneiras de acabar com a solidão é se interessando pelas pessoas”; em “Dias Melhores Virão”, foi dito que “no capitalismo, não basta se dar bem: o concorrente tem que se ferrar!”. Cacá Diegues não era um mau cineasta: ele sabia o que e a quem estava visando. O decréscimo qualitativo do segundo filme, relacionado à legitimação enredística dos anseios por grandeza hollywoodiana da protagonista, deixa claro o intento vendável do produto fílmico que ele lançou, infelizmente exibido na televisão antes de chegar aos cinemas, o que prejudicou o seu sucesso comercial. Particularmente, ele merecia: o filme é muito bom, a trilha sonora é bem-selecionada, Rita Lee está ótima como a personagem de entalado norte-americano que a protagonista dubla, Zezé Motta, Paulo José, Benjamin Cattan, Antônio Pedro, Aurora Miranda e os demais integrantes do elenco capricham em suas coadjuvações, e a contextualização do Brasil em final de década de 1980 é cuidadosa. Durante os créditos finais, exultei ao perceber o clima descontraído das filmagens, sendo que o próprio diretor Cacá Diegues arrumou uma oportunidade sagaz de aparecer numa entrevista televisiva, tachando de megalomaníacos os projetos cinematográficos nacionais do passado (o Cinema Novo, talvez?)...

Porém, nada do que eu elogiei neste filme mais recente se compara à grandiosidade sensível do filme anterior, valioso tanto enquanto análise do desabrochar do amor entre pessoas idosas (em que a personagem de Míriam Pires insiste em reclamar de que, naquela idade, não tem mais o direito de se apaixonar... Ou tem?) quanto enquanto amostragem dos tipos suburbanos do período, entre eles, o palhaço que ainda tenta fazer com que as crianças experimentem a magia do circo, o ex-jogador de futebol que virou empregado de fábrica e compõe sambas-enredos nas horas vagas, e o marido aburguesado e ciumento que disfarça a sua homossexualidade sob a pecha de adúltero. E ainda estou na página 35 do livro que se aproveita discursivamente da expressão cunhada pelo diretor (risos). Nas palavras de Cacá Diegues, por conta do lançamento justamente deste filme mencionado há pouco, na medida em que o país se democratiza (pelo menos, aparentemente) e algumas camadas da população podem se manifestar mais livremente, eu vejo uma tendência no sentido de uma supervalorização das formas aparentes, superficiais, da manifestação política através da obra de arte” (página 17). Em ambos os filmes aqui comentados, o diretor atingiu vigorosamente os seus propósitos!

Ah, mais uma detalhe: quem me conhece, sabe o quanto menções ou situações de masturbação me cativam – e elas constam de ambos os filmes. Em “Dias Melhores Virão”, há o momento em que o fantasma do personagem de José Wilker diz à protagonista que só vai ao cinema para bater punheta, “mesmo quando o filme não é de sacanagem!”, num estratagema de autocitação aos problemas contemporâneos do cinema brasileiro cara aos diretores que começaram como cinemanovistas e, em seguida, precisaram prestar contas com as tais “Patrulhas Ideológicas” anteriormente mencionadas (risos). Em “Chuvas de Verão”, por sua vez, há uma cena belíssima, em que o solitário velhinho vivido por Jofre Soares, decidido a nunca mais tirar o pijama depois que se aposentou, observa a sua empregada (Cristina Aché, linda e eloqüente) transar com o namorado bandido e sensual. A câmera focaliza o baixo ventre do protagonista, que passa a se alterar. Ele enfia a mão em sua calça, cerra os olhos num gesto de prazer inicial, mas interrompe a bronha e deita-se na cama, chorando. Eu entendi o que houve e aplaudi de pé, emocionado. Bravo, Cacá Diegues, bravo!


Wesley PC> 

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