Apesar de eu ter me decepcionado sobremaneira com o mais recente filme do Heitor Dhalia, não o achei tão ruim quanto os meus
companheiros de sessão. Porém, tendo visto “Os Trapalhões na Serra Pelada” (1982,
de J. B. Tanko) há pouco, careço fazer algumas considerações reavaliativas. O motivo:
se, no filme mais recente, a localização geográfica titular é apenas fortuita,
no filme mais antigo impressiona a sagacidade contextual do roteiro, que,
infelizmente, deixa de ser cômico na metade final para filiar-se às convenções
do cinema de aventura pró-intervenção governamental.
Na seqüência inicial do filme cujo argumento foi escrito
pelo próprio Renato Aragão, acompanhamos uma prostituta dançar quase
completamente despida, salvo pelas cédulas monetárias espalhadas sobre seu
corpo. Seguem-se os créditos de abertura, onde sabemos que a trilha sonora fora
composta por Sivuca, e impressionamo-nos com as imagens impactantes do entulhamento
de trabalhadores, suados e sujos de terra. O grupo humorístico filmou no local
onde se efetivava a “febre do ouro”, o que justifica a mistificação confessada
pelo personagem de Dedé Santana [Boroca]. O personagem correspondente a Didi
(oportunamente chamado Curió, sobrenome de um militar importantíssimo no
controle estatal daquela região) logo se apressa em começar a ‘ouriçar’, sendo
corrigido por Zacarias [Bateia], que alega que o verbo correto para a
exploração de ouro é ‘ourinar’. Mussum [Melexete] corrige: “é garimparis!”. Mas
eu e minha mãe ainda estávamos a gargalhar de um instante anterior, em que,
quando perguntado por que cobria os olhos com as mãos, Zacarias responde: “é
que eu nunca vi uma serra pelada. Estou com vergonha!” (risos).
Não obstante começar muito bem – e rapidamente superar em
qualidade e relevância sociológica o filme mais recente – “Os Trapalhões na
Serra Pelada” logo revela os seus problemas constitutivos: o enredo se perde em
meio às ‘gags’ e cenas de ação; a ode aos militares é feita sem disfarces (vide
o segmento iniciado com a palavra ‘manobras’ escrita na tela); e coadjuvantes
de luxo como Louise Cardoso, Gracindo Júnior e Wilson Grey são desperdiçados.
Mas, ao contrário do filme de Heitor Dhalia, o roteiro de Gilvan Pereira dá atenção
às questões circunvizinhas ao garimpo, como os direitos indígenas, a
expropriação das fazendas menos prósperas (e/ou alheias à obsessão aurífera) e
os motéis populares que aceitam até mesmo casais a pé. As piadas do quarteto
valorizam situações chistosas envolvendo transportes a jegue (um táxi, por
exemplo, acopla o fundo de um fusca a um asinino) ou canções sobre garimpeiros
que “perderam a mulher no forró”. É um filme extremamente defeituoso e que
deixa de ser engraçado em seu quartel final, mas que, dada a ignorância até
hoje levada a cabo sobre o importante êxodo destrutivo vinculado à região paraense
do título, ganhou muitos pontos comigo, que, agora, reverei os filmes
protagonizados por Os Trapalhões com muito mais cautela... A ambigüidade ideológico-dramática
do desfecho desta obra é decisiva: Curió acredita que o amigo curumim Caú (interpretado
pelo pequeno Nilson Silva) tinha sido morto num bombardeio e, entristecido, larga
os seus amigos para ser pedreiro em São Paulo, alegando que “ouro só traz
problemas”. Larga diversos objetos áureos fora até que encontra uma gigantesca pepita de ouro e clama desesperado
por uma picareta. É para rir um troço destes?
Wesley PC>
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