sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A DIRETORA INSISTE EM BRIGAR COM O FILME, QUE INSISTE EM VIVER, MAS ELA NÃO DEIXA QUE ELE SEJA BOM, APESAR DOS GRITOS, DO VIGOR, DA PUJANÇA, DA COERÊNCIA, DA AUTOCRÍTICA INVOLUNTÁRIA...

Sybila Arredondo foi presa em 1985 por suspeitas de atividades terroristas e, mais tarde, quando presa novamente, foi condenada a quinze anos de prisão, dos quais cumpriu quatorze. Viúva do escritor peruano José María Arguedas, tem como sobrinha Teresa Arredondo, que resolveu documentar o reencontro com a tia em “Sibila” (2012), filme que vi há algumas horas e que ainda me causa forte irritação... Um dos motivos: nada do que foi dito até agora - nem sequer o fato de o filme ter um I na primeira sílaba do nome da protagonista, que é com Y! - importa fora de seu contexto familiar pequeno-burguês, irca!

Profundamente coerente em sua velhice, vivendo na França, Sybila insiste em tachar a sua sobrinha de ingênua, por crer que as atividades militantes em que ela se envolvera na juventude – e das quais não se arrepende – sejam encaradas como terrorismo. Quando a sobrinha diretora insiste em interromper os seus depoimentos para afirmar a sua discordância ideológica, Sybila não se contém: “tu estás a falar como se fosse o Bush!”. A diretora corta a cena neste ponto. Ele é um pouco mais que ingênua: ela nega-se a entender a tia militante, por mais que seu discurso proponha o contrário. Sybila recusa-se a admitir que o Sendero Luminoso era uma célula terrorista, recusando inclusive esta antonomásia, segundo ela um apelido pejorativo para um Partido Comunista Peruano legítimo!

Ao declarar esta raiva contra o posicionamento regressivo da diretora, não me atenho apenas às suas palavras, mas ao gesto reacionário que é o filme como um todo, que quase ameaça calar a imponente personagem real, envelhecida porém segura em suas crenças e atitudes: construído sob o signo da saudade e sob o elogio ferrenho da noção de família, Teresa Arredondo confessa que quase não ouviu falar sobre a tia na infância porque seus pais evitavam falar dela. Ela acha isso justificado e, quando confronta a sua tia, pergunta se ela não passa em como a sua filha Carolina lidou com a dor de sua prisão. Sybila não arrefece: “o que ela experimentou foi algo que fez com que ela tivesse uma vida, que ela relacionasse a sua própria vida com os apelos da nação!”. Teresa discorda, Sybila não passa a mão em sua cabeça conservadora: elas divergirão, a não ser que o diálogo se prolongue, mas a diretora é quem manda no filme, e encerra a projeção quando ele prova que pode ser vívido e interessante. Uma vergonha, um despautério. Mas o filme sobrevive, o filme grita, Sybila é uma personagem maravilhosa, para o País pelo qual ela lutou (apesar de ser chilena), para o mundo, para mim... E isso diz muito mais que ser a tia de alguém!

Apesar de forçar a emoção a todo custo, o filme obtém legitimamente - mesmo em sua faceta aburguesada -  em momentos como aquele em que Carolina, a filha da protagonista, encontra uma carta da mãe escrita num pedaço de papel higiênico, ou quando a diretora focaliza uma escultura em miniatura que mostra atrocidades infanticidas atribuídas aos radicais socialistas. Por estes momentos e pela magnífica personagem real, o filme vale muitíssimo (muitíssimo mesmo!) a pena!

Wesley PC>

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