sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

"MAIS CEDO OU MAIS TARDE, A INOCÊNCIA DA INFÂNCIA DESAPARECE"...

A premissa que deu origem ao extraordinário documentário "Cinco Câmeras Quebradas" (2011, de Emad Burnat & Guy Davidi) é literalmente acidental: o jornalista Emad compra uma câmera para registrar o nascimento de seu filho Gibreel, em 2005, e, coincidentemente, este é o ano em que tropas israelenses determinam que os campos de azeitona pertencentes à vila onde o protagonista e sua família moram devem ser desapropriados para a construção de apartamentos para os habitantes judeus. Inicia-se, assim, uma campanha maciça de resistência que durará cinco anos até a sua primeira vitória para os palestinos, quando uma barreira é derrubada, não obstante um muro de concreto ser erguido mais adiante. Ao longo destes cinco anos, cinco câmeras de Emad serão destruídas (quatro por conta dos ataques do Exército israelense; uma por conta de um acidente automobilístico), mas o material captado por elas é imortalmente registrado...

O melhor amigo de Emad, um jovem espirituoso que gosta de se divertir entre as crianças, apelidado de El-Phil ("o elefante"), é morto e, desse momento em diante, a narração realizada pelo próprio cinegrafista Emad - que, até então, era entusiasmada e/ou esperançosa - torna-se lúgubre. Num plano, Gibreel, aos cinco anos de idade, já considerado "crescido" e "pronto para entender as injustiças da vida" é mostrado assistindo ao sacrifício de um bode. Noutro instante, a narração acrescenta: "quando alguém morre, o ódio e a raiva fazem com que sentimentos interiores venham à tona e as pessoas se disponham a morrer por algo". A idéia originalíssima que perigava se tornar repetitiva é revigorada magistralmente: o filme é muito mais que um documentário pessoal, é um instrumento de resistência! Durante os créditos, uma organização nomeada Anarchists Against the Wall fora mencionada...

Em mais de um momento, durante a sessão, pensei no também ótimo e impactante documentário "Budrus" (2009, de Julia Bacha - comentado aqui), mas o filme de Emad Burnat e Guy Davidi impressionou-me ainda mais por causa por conta do grau de exposição pessoal ao qual Emad se entrega, incluindo sua família no processo, desde o pai e a mãe que choram quando seu irmão é preso até o clamor reiterado e cauteloso de sua esposa Soraya (criada no Brasil, o que explica o excesso de bandeiras brasileiras em sua residência) para que ele pare de filmar. Felizmente - para nós, espectadores - ele não pára de filmar, e, após mostrar os filhos de Amad felizes, brincando numa praia, um letreiro anuncia que a sexta câmera do co-diretor ainda está funcionando, captando a vida que segue, as batalhas que ainda são perdidas, a arte de sobreviver e se lutar por aquilo em que se acredita... Por pouco, este filme não é uma obra-prima, mas me afetou bastante: maravilhoso!

Wesley PC>

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