sábado, 9 de fevereiro de 2013

MUITO MAIS (OU MENOS) QUE UMA RESENHA, UM CAÔ: "EU SOU O HERÓI, SÓ DEUS E EU SABEMOS COMO DÓI!"

Lembro com estranha nostalgia de uma associação marginal cara à minha infância: naquela época, era comum ouvir estórias sobre homossexuais mais velhos que seduziam adolescentes com pretextos para assistir a filmes pornográficos e doações de módicas quantias monetárias. Não que eu aprove este tipo de comportamento, mas havia um clima permeado de inocência no que tange às transições arquetípicas da descoberta sexual masculina, que, antigamente, passava por etapas relativamente gerais entre um e outro menino, enquanto que, hoje em dia, quase todos eles são diretamente apresentados ao coito. Virgens como eu estão fora de moda faz tempo!

Urgia que eu publicasse aqui algum comentário sobre o álbum “Cê” (2006), primeira das três parcerias do cantor e compositor Caetano Veloso com a banda de mesmo nome do disco, na qual o filho do artista, Moreno Veloso, é um dos componentes. Tais parcerias, inclusive, justificam a tonalidade roqueira destes três álbuns [os demais são “Zii e Zie” (2009), que não tive a oportunidade de ouvir ainda; e “Abraçaço” (2012), que é ótimo e já foi comentado superficialmente aqui], bastante elogiadas por vários de meus amigos. Ouvindo novamente o disco, teria alguns comentários apaixonados a fazer sobre ele, que, obviamente, transcendem a mera apreciação musical...

Calhou de eu ter sido oficialmente apresentado a este disco por um sociólogo bastante jovem e atraente (além de muitíssimo inteligente e apaixonado por suas teses sobre permanência disfarçada do racismo na sociedade brasileira hodierna), que louva a sapiência do artista na última canção do disco, “O Herói” (faixa 12), cuja introdução discursada menciona a chegada d’“o homem cordial que veio para instaurar a democracia racial. As diversas menções constantes na letra desta canção a clássicos da literatura universitária com certeza deixam o sociólogo em pauta em transe, o que foi facilmente compartilhado por mim durante a audição, em que o eu-lírico da canção nega a sua conformação a um ideal de mulato elevado à categoria de “santo que a brisa do Brasil beija e balança”...

Apesar da qualidade sobressalente desta última faixa, faixas mais pretensamente agressivas como “Rocks” (faixa 03) – e seu famoso refrão “você foi mó rata comigo!” – “Odeio” (faixa 08) e “Homem” (faixa 09), em que o autor nega ter inveja de várias características associadas às mulheres (maternidade, menstruação, lactação, fidelidade, dissimulação, etc.), com exceção da longevidade e dos orgasmos múltiplos. No refrão, o autor comemora: “eu sou o homem/ Pele solta sobre o músculo/ Eu sou o homem/ Pêlo grosso no nariz”...

Sendo imaginariamente obrigado a confessar para o sociólogo que me indicou o disco o que achei do mesmo, deveras elogiado pela crítica, não incorro em nenhuma inverdade ao generalizar que, de fato, “Cê” é muito bom. Mas, apesar de gostar muito dele, ele não me fisgou como eu imaginaria que fosse fazê-lo. Aliás, enquanto escrevo estas linhas, ouço a faixa 05, “Waly Salomão”, e não me atrevo a declarar que entendi o que o cantor deseja expressar com esta canção: sua sonoridade instrumental é bacana, lembra até mesmo as experimentações do The Velvet Underground em “Venus in Furs”, mas não sei se funcionou completamente comigo. Lembro com estranha nostalgia de eventos marginais que me rondaram na infância... Basta juntar as letrinhas, imaginar o que o sociólogo quis dizer quando declarou que eu sou afligido por “uma libido obsessiva”. Título da faixa 06 do álbum: “Não Me Arrependo”. Tenho dito!

Wesley PC> 

DA ARTE DE SER IMPULSIVO (E SENTIR QUE FEZ A COISA CERTA)!

Na manhã de hoje, encasquetei que deveria ir a uma livraria do Shopping Riomar antes de ir para a minha aula de História do Jornalismo Brasileiro. O motivo: estava louco de vontade de adquirir o Guia de Vídeo 2012 (em inglês) do crítico Leonard Maltin, que custava menos de 20 Reais. Mais de 17.000 filmes, comentado em 1.700 páginas por apenas R$ 20,00 e duas passagens de ônibus? Oh, como vale a pena! Recomendo esta pechincha a mais de um amigo, aliás. Américo, por favor, adquira um!

Passei a tarde folheando a minha aquisição e me emocionei com a apresentação do mesmo, em que o crítico começa desmitificando a afirmação de que “vivemos numa era de contradições” e termina dizendo que não está brincando: “este livro não poderia existir num vácuo: ele depende fortemente da parceria com vocês, nossos leitores. Muito obrigado por tua lealdade”. Senti-me particularmente agradecido: desde 2001 que eu não adquiria um bom Guia de Vídeo, essencial para a formação de minha geração de cinéfilos. Exultei com o ótimo presente que dei a mim mesmo, por indicação de meu amigo Jadson Teles. Que bom que eu fui (e sou) impulsivo: só havia um exemplar disponível na loja (risos)...

Na volta para casa, o motorista do ônibus em que eu estava parecia estar bêbado: chamava o cobrador de bêbado e corno de 5 em 5 minutos, além de diversos outros pronunciamentos chulos que constrangiam os passageiros do veículo. Do lado de fora, mendigos se empanturravam com saquinhos de mostarda. Na minha rua, um rapazola de 24 anos discutia com o pai por causa de um conserto mecânico em seu carro recém-adquirido. Custou R$ 110,00. Resolvi intervir. Ele me agradeceu e disse que, depois, “precisava falar comigo”. Para mim, a intervenção está paga faz tempo. Quando se ama, não tem preço – nem se deve esperar: estou contente! Tanto quanto o nostálgico Leonard Maltin na capa de seu excelente e extenso guia...

Wesley PC> 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

“POSSO AO MENOS COLOCAR A MINHA BOLSA NO CHÃO? ELA ESTÁ PESADA... PESADA COMO O MEU PASSADO!”

Todos nós cometemos erros. Em mais de uma situação, estes erros nos definem. Sou um produto dos meus erros e, como tal, sinto um estranho orgulho deles: não por tê-los cometido, mas por saber que eles são meus. Ainda assim, tenho receio de, um dia, me converter a alguma destas igrejas neopentecostais que operam verdadeiras lavagens cerebrais na mente de seus fiéis. Sou amante de Deus, mas não me imagino abandonando o meu alvedrio para professar este amor. Infelizmente, é o que muitos fazem: uma vez, bateram em minha porta. Fui atender e se tratava daquelas visitas rotineiras de Testemunhas de Jeová. Um deles era um rapaz que estudou comigo no Ensino Ginasial. Timóteo era o seu nome, e ele gostava de jogos eletrônicos, revistas em quadrinhos e filmes do Tinto Brass. Puxei assunto com ele sobre nossos gostos em comum ele foi taxativo: “queimei tudo aquilo, Wesley. Hoje sou outro homem, libertei-me de meu passado!”. Não quero que isso aconteça comigo. Não desse modo forçosamente instituído, pelo menos!

Pois bem, quando soube que o inusitado filme francês “Jimmy Rivière” (2011, de Teddy Lussi-Modeste) seria exibido na TV fiquei exultante. Na trama, um jovem boxeador cigano (muito bem vivido por Guillaume Gouix, merecidamente indicado como Melhor Ator Revelação no prêmio César 2012) converte-se a uma dessas igrejas neopentecostais supracitadas e passa a renegar, ao menos em discurso, tudo aquilo que mais aprecia: as lutas, a bebida, as danças, o sexo com uma rapariga apaixonadíssima por ele... Mas tudo volta para pôr em xeque a sua fé!

Na primeira cena do filme, acompanhamos o passeio em câmera lenta do protagonista, ao lado de outros ciganos, por um bosque. De repente, todos eles se acocoram, abaixam os calções e defecam. Costume cigano, talvez. Na cena seguinte, acompanhamos o batismo evangélico de Jimmy Rivière. Num instante consecutivo, sua namorada aparece, fingindo procurar brincos valiosos, mas, na verdade, querendo fazer sexo com ele, que se esquiva. Ela: “este Cristo é realmente muito forte, mas não o consegue te impedir de ficar excitado”. Ele não resiste e cede à tentação. Não apenas nesta situação, mas em diversas outras, visto que a sua agenciadora de boxe (vivida pela exótica e maravilhosa Béatrice Dalle) o persegue. Não o condenamos por ser humano, mas incomodamo-nos ao perceber que ele insiste em mentir para si mesmo e para os outros. O desfecho do filme, felizmente, não resolve o conflito: deixa-o em aberto, pois sabemos que Jimmy continuará a lutar consigo mesmo por muito tempo – e arrastando quem o ama nesta indecisão. Não quero ficar assim. Não me deixem ficar assim, por favor! Amo voluntariamente (o que eu acho que seja) Deus, mas isto não me impede de ser eu mesmo – muito pelo contrário, aliás: só sou o que sou porque Deus permite!

Wesley PC> 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

CONTRA A "ATITUDE HOSTIL" DA CRÍTICA - E, MAIS AINDA, DO ESPETÁCULO!


"Seria falsa a impressão, que alguns podem ter, que uma visão crítica do cinema supõe uma certa hostilidade ante as fitas. Uma postura consciente ante o cinema não supõe um desinteresse antes as fitas. A análise cinematográfica é uma etapa posterior à visão de uma fita. Mesmo a pessoa mais consciente e crítica há de ver o cinema com a entrega e o desfrute necessários para sintonizar com uma obra de comunicação audiovisual. O próprio crítico verá o cinema deixando-se captar pela para-hipnose da fita. Somente depois analisará o visto e não se deixará arrastar pela sugestão do que lhe comunicaram. O cinema, como todo diálogo, compreende duas fases: escutar a comunicação do interlocutor e responder a ela. Esta segunda fase é a única que diversifica a atitude de uma pessoa consciente ante o cinema e a de uma pessoa que se deixa alienar por ele" (Luis Espinal - "Consciência Crítica Diante do Cinema" - página 42).

Conforme eu comentei recentemente, sentia-me doente anteontem. Ingeri um remédio, por sugestão de minha mãe e, no dia seguinte, fui ao cinema com dois amigos, rever um filme que me obseda, não obstante eu constatar alguns de seus perigosos desvios ideológicos e espetaculosos. Meus amigos zombaram do filme durante a sessão. Eu tossi. Nada disso impediu que eu permanecesse apaixonadíssimo pelo que eu via e ouvia na tela, e que permaneceu me impregnando após a sessão. Cheguei em casa, mas não consegui escrever a crítica de imediato: como já havia visto o filme três vezes - e me sentia fortemente apaixonado - precisei dormir. Ao acordar, redigi um dos textos mais irracionais de minha vida. Não o digo por falsa modéstia: o texto realmente está impregnando de emoção, mas não posso me arrepender dele nem renegá-lo como enganoso: "Os Miseráveis" (2012, de Tom Hooper) me encantou pungentemente. Estou apaixonado - por este filme, inclusive!

E, ao final de seu artigo, o padre Luis Espinal arrebata: "para poder criticar uma fita, é necessário entregar-se ao diálogo da comunicação, com atitude despojada e aberta". Eu o fiz em relação ao filme. Mas, mesmo assim... Glupt!

Wesley PC>

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

ACABO DE TOMAR DIPIRONA (INFANTIL) LÍQUIDA: DEVO ESTAR DOENTE!


“Dizem que não há pecado em matar uma fera, mas sim em assassinar um homem. Entretanto, onde acaba um e começa o outro?”

Depois de uma tarde de grandes e sutis emoções (uma reunião com meu orientador ranzinza de Mestrado – que hoje sorria e me tratava com dignidade docente -, um abraço numa garota simpaticíssima e recém-saída de um relacionamento duradouro, uma conversa longa com um misantropo que nutre uma estranha admiração intelectual por mim, o enfrentamento ocular positivo com um lindo sociólogo), deitei-me no sofá de minha casa um tanto letargicamente e assisto ao péssimo longa-metragem de horror “O Lobisomem” (2010, de Joe Johnston). Apesar da bela fotografia de Shelly Johnson, do roteiro promissor (baseado num ótimo filme da década de 1940), da trilha sonora intensa do Danny Elfman, da atuação angustiada do Benicio Del Toro e das aparições de Geraldine Chaplin como uma velha cigana, o filme é constrangedoramente tedioso. Nem é tão longo, mas Anthony Hopkins está tão vergonhoso em cena que o filme extenua (no pior sentido do termo)...

Para além de seus muitos problemas estruturais, a definição do protagonista como um ator teatral vitoriano e as suas internações num hospício cujo diretor mergulhava-o constantemente num tonel de água congelada impressionaram-me deveras: ao final da sessão, os bons elementos do filme sobressaíram-se, não obstante eu insistir que o filme é péssimo! E, se eu pareço um tanto macambúzio enquanto escrevo é porque estou suando. Estava febril há pouco, mas o remédio que ingeri deve estar fazendo efeito. Dormirei em alguns minutos. Espero ter bons sonhos, cultivar o amor em meu subconsciente: o sociólogo em pauta disse que eu tinha “uma libido obsessiva”. E o melhor: ele não achou isto ruim! O ingênuo deve ser eu...

Wesley PC> 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

"AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO"...


"Cagar, urinar, masturbar-se (possivelmente, inclusive, realizar o coito): a tradição tardia platônica e cristã, que afogou o corpo sob a vergonha, naturalmente só pode ver nisto um escândalo e foram necessários anos de secularização antes que se pudesse abordar o núcleo de significado filosófico destes gestos. A psicanálise tomou como seu este redescobrimento ao inventar uma linguagem em que se pode falar publicamente sobre 'fenômenos' genitais e anais. Precisamente, isto é o que [o filósofo cínico] Diógenes apresentou primeiramente, de uma maneira pantomímica. Se o sábio é um ser emancipado, então tem que desfazer em si mesmo as instâncias interiores da opressão. A vergonha é um fator primordial dos conformismos sociais, a posta em cena da transformação em que se traduzem desvios exteriores em desvios interiores. Com sua masturbação pública, comete um ato desavergonhado, com o qual opõe-se aos adestramentos políticos da virtude de todos os sistemas. Este desvergonhamento foi o ataque frontal a toda política familiar, a peça nuclear de qualquer conservadorismo. Dado que ele, [Diógenes], tal como diz vergonhosamente a tradição, canta a sua canção nupcial com as próprias mãos, não sucumbiu à necessidade de chegar ao matrimônio para satisfazer as suas necessidades sexuais. Diógenes, portanto, ensinou, de uma maneira prática, que a masturbação deve entendida como progresso cultural, não como regresso ao animal. Segundo o sábio, se deve deixar viver inclusive o animal, na medida em que este é a condição do homem" (Peter Sloterdijk - CRÍTICA DA RAZÃO CÍNICA - Segunda Parte, "Cinismo em seu Processo Cósmico", capítulo 1, alínea B).

Pois, afinal, eu amo aquele rapaz, mas devo ser realista: devo esperar, devo compartilhar, devo me conformar, não devo esperar... 

Wesley PC> 

DAS DIFERENÇAS ENTRE "PUBLICIDADE" E PUBLICIDADE...

No capítulo final de seu obrigatório "Mudança Estrutural da Esfera Pública", publicado originalmente em 1961, o filósofo frankfurtiano Jürgen Habermas estabelece uma distinção entre "publicidade" (assim entre aspas) e publicidade. O primeiro aspecto diria respeito ao ato de tornar público, sendo portanto uma atividade crítica, enquanto o segundo ao ato de disponibilizar uma mercadoria ao público, sendo, portanto, algo manipulatório.

Não apenas me identifiquei deveras como um diálogo problemático e um tanto intimidador recente entre eu e um rapaz absolutamente zeloso de sua privacidade me fez pensar em necessidades prementes de moderar alguns de meus comportamentos "públicos" e públicos. Infelizmente, as duas acepções, por mais diferentes que sejam, terminam se confundindo num contexto midiático em que tudo é vendável. É o que tento desvencilhar em meu projeto de Mestrado, mas tentar não é conseguir: tentar é abrir caminhos, tentar é assumir riscos, tentar é oferecer a cara para ser estapeada. Isso eu estou fazendo faz tempo... Tentando ainda, aliás!

Wesley PC>

domingo, 3 de fevereiro de 2013

“ROGO A DEUS PARA QUE TU NÃO TENHAS UM FILME HOMEM... POIS ELE CRESCERÁ – E TE MATARÁ AOS POUCOS, TODAS AS TARDES DE DOMINGO!”


O rapaz cuja fotografia é apresentada na parte inferior desta publicação completa hoje 24 anos de idade. Absolutamente querido por seus conhecidos, temia que as comemorações natalícias desta data – que, por motivos vários, é também sumamente importante para mim – impedissem que eu prestasse atenção ao clássico “Sangue e Areia” (1941, de Rouben Mamoulian), exibido dublado no canal TCM, na tarde de hoje. Uma espécie de conjunção celestial permitiu que seus amigos mantivessem-se calmos até o momento em que desliguei a TV, de modo que, enquanto escrevo estas linhas, o volume das canções executadas em celebração à festividade do rapaz em pauta está ascendente. Ele merece, não irei me chatear com isso. Mas preciso voltar ao que o filme me causou...

Não obstante ser um clássico hollywoodiano, “Sangue e Areia” nunca foi lançado em vídeo no Brasil e era exibido rarissimamente nas emissoras de TV. Sempre quis conferir o preciosismo melodramático de seu enredo - antecipado a partir de uma regravação ‘caliente’, datada de 1989, dirigida por Javier Elorrieta e protagonizada pelo desconhecido Christopher Rydell, pela sensual Sharon Stone e pela competentíssima Ana Torrent – mas nada se comprara à versão dirigida por Rouben Mamoulian em 1941 (que já era, em si, uma regravação da versão dirigida em 1922 por Fred Niblo e protagonizada por Rudolph Valentino): o filme é absolutamente soberbo! Sei que parece um chavão comentar isso quando o objeto da análise é canonicamente reconhecido, mas, insisto: “Sangue e Areia” é magistral!

Baseado num romance de Vicente Blasco Ibañez, autor que já inspirou a obra-prima muda “Laranjais em Flor” (1926, de Monta Bell), este filme narra a saga de Juan Gallardo (Tyrone Power), filho de um toureiro morto na arena que decide seguir a carreira de seu pai, não obstante os conselhos e lágrimas da mãe (a digníssima Alla Nazimova), que não se envergonha em se ajoelhar para lavar chãos, mas não suporta mais ser morta sempre que seus parentes dispõem-se a enfrentar touros, num esporte que é considerado reacionário por um dos amigos crescidos de Juan. Desde pequeno, Juan é estouvado – e, numa seqüência magistral, ele quebra uma garrafa de vinho na cabeça de um crítico que falara mal de seu pai, despe-se após ouvir ciganos dançarem na floresta, nada num rio por alguns minutos e, logo após, ainda de cueca, toureia rudemente um touro aprisionado na fazenda onde vive, como filha de empregado, a mocinha por quem se apaixona e estará destinado a se casar ao ficar adulto. Como foi previamente alegado, entretanto, Juan é estouvado. E, ao invés de conformar-se com as glórias que recebe, com a bela mulher que o acorda diariamente, com os familiares que lhe servem e com os clamores de uma multidão “tão volúvel e traiçoeira quanto uma mulher”, deixa-se seduzir pela lasciva personagem de Rita Hayworth, filha do dono da fazenda em que sua noiva era inquilina quando criança. Ele mente para ela e, ao fazê-lo, a trai, e nos trai, espectadores desejosos de sua felicidade, por extensão. O final do filme não poderia ser mais trágico: num plano absolutamente inaudito para os padrões da época, o título é tornado literal a partir da focalização do sangue de ruim derramado na areia onde estivera enfrentando um touro (e a sua própria vaidade) minutos antes... 


Para além do brilhantismo do roteiro, das atuações excepcionais (Linda Darnell, o jovem Anthony Quinn, e John Carradine estão de parabéns!),da trilha sonora mui respeitosa acerca de temas hispânicos, a fotografia colorida (premiada com um Oscar, dentre as duas parcas indicações que este exuberante filme recebeu) foi o que mais me impressionou. Momentos como aquele em que a noiva de Juan experimenta um vestido, os enquadramentos por detrás de uma fonte quando Juan e a lúbrica Doña Sol flertam, as imagens impressionantes da Santa Macarena e da efígie cristã para a qual os integrantes da família Gallardo rezavam e o já citado plano final ficarão cravados para sempre em minha memória devota: o filme é soberbo, pura e simplesmente! Como eu pude ter sido privado desta jóia hollywoodiana antes? Como?!

Para além de eventuais coincidências tramáticas envolvendo moços que conheço (uma criatura ignóbil e o rapaz mostrado na foto em destaque), o filme envolve-nos pela magnificência de seus elementos técnicos, por reviravoltas tramáticas que, ao invés de serem convertidas em clichês românticos, são exibidas aqui no fulgor de sua jovialidade expressiva. É um filme de amor vivo, o qual, conforme adiantou uma grande amiga, precisará ser revisitado mais e mais vez. Obra-prima, pura e simplesmente: belíssimo!

 Até mesmo o elogio às touradas espanholas, que parecia me preocupar, é habilmente revertido em ponto pacífico, quanto um personagem consciencioso, que lamenta não ter aprendido a ler e a escrever, constata que os touros não são mortos “em vão”, visto que, após os espetáculos cruéis e sangrentos das touradas, a carne deles é dividida com escárnio entre pessoas pobres que se amontoam diante dos matadouros improvisados. Fiquei impressionado com esta imagem. Preciso ver este filme novamente!

Wesley PC> 

PROGRAMA DOMINICAL (REAL E PRETENDIDO):

"Só com o estabelecimento de um Estado burguês de Direito e com a legalização de uma esfera pública politicamente ativa é que a imprensa crítica se alivia das pressões sobre a liberdade de opinião; agora ela pode abandonar a sua posição polêmica e assumir as chances de lucro de uma empresa comercial" (Jürgen Habermas - MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA - página 216).

 Até o próximo dia 08 de fevereiro de 2013, estarei ocupado com este tipo de discussão, de modo que o fotograma apresentado e a minha relação mui pessoal com o filme do qual ele faz parte deixa patente o quanto tudo isso tem a ver pessoalmente comigo e com o que eu acredito: mergulhado aqui em meus antecessores dissertativos, portanto!

 Amo-vos! 
Wesley PC>