Na noite de ontem, Sexta-feira da Paixão, resolvi aceitar o convite de um vizinho para assistir à encenação amadora da morte de Jesus Cristo na paróquia católica do conjunto residencial em que habito e, ao encontrar um licenciado em Filosofia na platéia, surpreendemo-nos ao constar que a suposta pomba desenhada num pórtico assemelhava-se à águia que simbolizada o III Reich nazista. Talvez o que pensávamos se tratar de uma pomba era, na verdade, um símbolo do poderio romano, nunca saberemos, mas que o espetáculo foi muito mais involuntariamente engraçado do que dramático, ah, isso foi!
Encenado com os sons dialogísticos previamente gravados e protagonizados por um Jesus inexpressivo, um Diabo absurdamente pançudo, um Barrabás exageradamente infantil e uma esposa de Pôncio Pilatos belíssima, o tal espetáculo "modernizou" diversas passagens bíblicas a fim de enquadrá-las no rito católico, a ponto de, no ponto culminante da peça, o Cristo falecido ser reduzido a um cadáver num arremedo de caixão, carregado pelas ruas do conjunto numa procissão. Se, por um lado, eu fiquei escandalizado com tudo aquilo, por outro, eu não pude deixar de elogiar mentalmente os esforços no enfrentamento do combate institucional com outras práticas religiosas - que, afinal, deveriam reunir-se, levar a sério o termo ecumenismo, e não digladiarem pela atenção de seus fiéis como se fossem times de futebol belicosos!
Seja como for, foi uma noite inusitada, num feriado dito religioso que costuma me incomodar pela hipocrisia. Hoje, Sábado de Aleluia, é o dia em que, em minha infância,os vizinhos costumavam queimar bonecos de Judas Iscariotes, ignorando que o mesmo se arrependera e se enforcara em seguida. Mas nada como expiar os próprios pecados através da violência simbólica (e/ou ígnea)... Como se percebe, talvez as similaridades entre esta cerimônia e a pompa nazista não sejam gratuitas e/ou acidentais, afinal de contas!
Wesley PC>
sábado, 30 de março de 2013
quinta-feira, 28 de março de 2013
“AZUCRINAÇÃO!!!”
Em cima da hora, recebi um telefonema de um vizinho
aceitando o convite para me acompanhar ao teatro na noite de hoje. Mal desci da
motocicleta e encontrei uma das pessoas mais sensíveis que conheço e, sentados
os três nos bancos vermelhos do Teatro Atheneu, assistimos à peça goiana de
marionetes e intervenções audiovisuais “Plural”, a cargo do grupo Nu Escuro, dirigida
por Izabela Nascente.
A peça conta a estória de uma menina chamada Maria e sua
saga quase arquetípica de sertaneja: nascida com um problema de saúde que fazia
sua cabeça sangrar, ela vivia numa roça com sua mãe viúva, diversos irmãozinhos
e uma avó bastante ranzinza, que não enxergava graça nos pedidos insistentes da
menina para aprender a ler. Quando a mesma torna-se adolescente e menstrua, vai
viver na cidade grande com sua mãe e um padrasto, sendo entregue a uma madrinha
que a trata como empregada, depois doada como serviçal a um médico que desejava
“desonrá-la” e, por fim, foge e se casa com um caminhoneiro, onde descobrirá a
felicidade, conhecerá o Brasil inteiro e, aos 52 anos de idade, matricula-se
num curso noturno de alfabetização e finalmente realiza o sonho de aprender a
ler...
A peça, composta por três atores em cena e vários bonecos, é
marcada por um ótimo senso de humor, por uma excelente trilha sonora (um hino interpretado
por “bananas em chamas” e com “amor nas entranhas” que suplicam para serem
desnudadas e devoradas é uma verdadeira obra-prima!) e por trechos dramáticos
que, se fazem a peça perder um pouco de seu charme do meio para o final, chama
a atenção pelo seu caráter biográfico, visto que, eventualmente, a voz
emocionada da Maria real contava a sua estória em ‘off’. Além disso, em diversas
seqüências da peça, projeções muito bem elaboradas apareciam no cenário, como
as sombras de um causo sobre um fazendeiro que prometeu um de seus filhos e um
boi ao diabo, a situação em que a avó obriga a sua neta a engolir uma penca
inteira de bananas ou os sinais de trânsito que retratam o desamparo de Maria quando
ela caminha desorientada e analfabeta pelo perímetro urbano de onde foge dos assédios
de um empregador lascivo.
Amei a peça! Eu e meus companheiros de espetáculo ficamos
tão emocionados que sorrimos bastante e, de minha parte, até agora sigo com a
melodia de uma das canções repercutindo em minha mente: “a rodar/ a roda/
oooooooooooooooooh, iá!”. Amei, amei, amei! Quando eu estiver em Goiânia,
viagem prevista para maio deste ano, farei questão de elogiar esta companhia
teatral para os seus conterrâneos. Sem contar que, neste exato momento,
sinto-me mais irmanado do que nunca ao amigo sensível que esteve ao meu lado,
fungando e gracejando, sendo formoso e pleno de amor como ele sempre foi...
Tiaguinho, muito obrigado por existir!
Wesley PC>
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“QUEM TRANSA COM BICHA É BICHA TAMBÉM!”
Não obstante algumas de minhas intervenções acadêmicas
hodiernas deixarem a impressão de que sou um defensor inveterado das
pornochanchadas, é mister clarificar que eu desgosto de boa parte delas. O que
eu defendo são os filmes que não são pornochanchadas mas são tachados como tal,
por motivos oportunistas relativos ao descrédito contestatório que tal pecha
induz sobre os ousados e inteligentes filmes produzidos pela Boca do Lixo
paulistana.
Dentro deste espaço geográfico-cinematográfico bastante
definido, o paulista José Miziara é um membro tangencial. Apesar de alguns de
seus últimos filmes terem sido realizados nas imediações da Rua do Triumpho,
seus filmes tendem a ser atravessados por um mau gosto conservador que vai de
encontro negativo ao tipo de abordagem discursiva que eu pesquiso.
Por mais que eu nutra certa simpatia pelo humor matreiro de “O
Bem Dotado – O Homem de Itu” (1978) e “Pecado Horizontal” (1982), antes de
ingressar na exibição de “Embalos Alucinantes: A Troca de Casais” (1979), eu
divulgava o filme com bastante desconfiança. Ao término da sessão, surpreendo-me
ao considerar este o melhor filme do diretor que vi até então [vale lembrar que
eu adormeci durante o enfadonho mas pitoresco “Os Rapazes da Difícil Vida Fácil”
(1980), que espero ver na íntegra em breve...].
A princípio, ostensivamente pornochachadesco – tanto no que
diz respeito à sua sinopse repleta de adultérios e homossexualismo
ridicularizado quanto à apresentação burlesca do personagem de Nuno Leal Maia,
que não tem escrúpulos nem mesmo para enganar uma criança! – o filme adquire
uma impressionante carga dramática à medida que evolui, graças a um roteiro
muitíssimo bem-elaborado em suas imbricações subtramáticas e a atuações
convincentes e improvisadas, com destaque para a firmeza sorridente do galã
Anselmo Duarte.
A canção-tema de Os Carbonos, intitulada “Eu Aproveito Tudo
que a Vida me Oferecer”, indica uma qualidade produtiva acima da média em
relação ao filme, confirmada na subversão da cafajestice do protagonista Ramon quando
ficamos sabemos de sua dramática infância com pai presidiário e “mãe indefinida”,
substituída por diversas prostitutas ao longo de sua formação: se, no início,
escandalizamo-nos e irritamo-nos com a surra que Ramon aplica em seu primo
homossexual (Hélber Rangel), completamente apaixonado por ele, quando
flagramo-lo conversando descontraidamente com a apaixonante Valdete (Ana Maria
Braga) sobre os motivos que o levaram a cursar Psicologia na faculdade, o
personagem é dotado de uma densidade compositiva que vai muito além das funções
meramente cômicas a que o filme parecia se prender...
A entrada em cena dos casais ricos com os quais Ramon e sua
colega Cris (Lenita Leonardi), adepta do sexo grupal, se envolvem, complexifica
ainda mais o ótimo roteiro do filme, que inverte as suas supostas conseqüências
trágicas e/ou edificantes no desfecho benevolente com os diversos trapaceiros e
mentirosos da estória, que, então, assume-se como um registro ficcional das
características amorais típicas da elite aquisitiva da época. Ou seja, de aparentemente
ingênua, descompromissada e (in)ofensiva comédia de costumes, o filme tornou-se
um valioso retrato sócio-geracional, o qual eu faço questão de defender por
seus méritos cinematográficos e narrativos elevados. Se antes da sessão eu estava
reticente acerca de seu valor basilar para a minha pesquisa, agora eu
empolgo-me ao dizer que, ainda que muitas passagens do filme tenham me irritado
pessoalmente, enquanto espectador crítico, eu o recomendo com entusiasmo
(aproveitando inclusive para indicar a ótima resenha sobre ele contida neste ‘blog’,
especializado nos filmes que estudo), malgrado ainda permanecer com o pé atrás
em relação às virtudes directivas do José Miziara... Que venham mais de seus
filmes: terei a honra dúbia de ver “Rabo I” (1985) em breve, quem sabe?
Wesley PC>
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quarta-feira, 27 de março de 2013
“ALGUMAS ESPÉCIES DE ESTRELA-DO-MAR SOLTAM UM DOS BRAÇOS APÓS UMA DESILUSÃO AMOROSA. POR SUA VEZ, O BRAÇO SOLTO DARÁ ORIGEM A UM NOVO ESPÉCIME!”
Não lembro as palavras exatas da citação de Conrado, ridículo
personagem de Malvino Salvador em “Qualquer Gato Vira-Lata” (2011, de Tomas
Portella & Daniela De Carlo), mas o sentido é exatamente este que consta no
título desta postagem. Absolutamente machista (no sentido mais conservador do
termo), este personagem é um suposto biólogo que tenta aplicar algumas de suas
observações zoológicas aos relacionamentos humanos. A desiludida e desagradável
Tati (Cléo Pires), estudante de Direito largada pelo namorado mulherengo (o
sensual Dudu Azevedo) oferece-se como cobaia para provar a tese do professor
universitário desengonçado e recém-divorciado. Nem preciso acrescentar que o
filme é previsível, sem graça, hipócrita e péssimo, mas não desprovido de um
interesse observacional inverso. Aliás, este é o principal mote de Conrado: “o
interesse dele é absolutamente proporcional à tua indiferença!”.
Vi o filme na manhã de hoje, por acaso, sendo exibido na TV.
Por mais que o nome de Juca de Oliveira como autor do argumento teatral que deu
origem ao roteiro tenha me agradado um pouco, o filme logo se demonstrou
insuportavelmente associado à malevolência de seu título. Mas fiquei imaginando
quais os argumentos utilizados por seus admiradores para defendê-lo. Afinal de
contas, por mais espantoso que pareça, pelo menos 445 pessoas favoritaram-no no
Filmow. Como pode? Em resposta a esta pergunta, sirvo-me de uma citação
providencial do filósofo alemão Peter Sloterdijk, constante na página 396 de
seu volumoso livro “Crítica da Razão Cínica”, publicado originalmente em 1983:
“A pornografia da burguesia tardia serve à sociedade capitalista
como exercício da estrutura não atual de vida esquizóide que se enganou em sua
própria época. Vende o original, o dado e o natural como objetivo distante,
como encanto sexual utópico. A beleza do corpo, que foi reconhecida no
platonismo como um indicador da alma até a mais alta e entusiasta experiência da
verdade, serve na pornografia moderna para a solidificação da falta de carinho
que, em nosso mundo, tem o poder de definir o que é realidade”.
Enviei esta citação providencial, último trecho do segmento “o
cinismo sexual” do livro, para diversos amigos na noite de ontem. Mal sabia eu
que viria tão a calhar diante deste filme: em comparação com os filmes com sexo
quase explícito da Boca do Lixo paulistana, as comédias românticas cariocas financiadas
pela Globo Filmes são pura pornografia capitalista. E olha que eu não pude
deixar de perceber que o Dudu Azevedo (inclusive seu personagem nojoso), ao menos fisicamente, é uma delícia...
Wesley PC>
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segunda-feira, 25 de março de 2013
REVISTO HOJE, O FILME NÃO ME PARECEU TÃO MARCANTE QUANTO O FOI EM MINHA INFÂNCIA, MAS...
As boas intenções estavam todas lá: por mais que eu não tenha gostado tanto de "Beijo na Boca" (1982, de Paulo Sérgio de Almeida) nos dias de hoje, ter revisto um dos filmes proto-eróticos mais marcantes de minha infância foi uma experiência bonita, ainda que decepcionante por causa dos rumos estereotipados a que a trama romântico-policial, baseada num caso real, adere em sua metade final. mas Cláudia Ohana está bastante espontânea e, nossa, como o Mário Gomes era bonito! Na época, nem mesmo eu admitia isso...
Wesley PC>
Wesley PC>
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