sexta-feira, 10 de maio de 2013

NESSE CASO, A CULPA É DE QUEM LEMBRA!

Não vou mentir: quando li a sinopse de “Anos Incríveis” (2012, de Michel Leclerc), título brasileiro inapropriado para “Télé Gaucho” [algo como “TV (pirata) de Esquerda”], fiquei empolgado: a suposta descrição de uma intervenção anarquista em pleno apogeu da televisão francesa no início da década de 1990 parecia tão interessante, mas foi reduzida a um conjunto de lembranças hipócritas de um personagem insosso e mal-intencionado, que, apesar de se declarar cinéfilo e zombar de sua mãe por esta crer que Pasolini seja uma marca de macarrão, serve-se dos filmes de Abbas Kiarostami para beijar as suas acompanhantes de sessão (segundo o narrador, algo hoje prejudicado pela predominância dos óculos 3D nas salas de cinema - sic), não sabe diferenciar Anna Magnani de Silvana Mangano mesmo tendo visto “Roma. Cidade Aberta” (1948, de Roberto Rossellini) doze vezes, e destrata sua namorada quando esta realiza uma montagem involuntariamente nouvellevagueana de uma filmagem televisiva mesmo escolhendo o experimental “Tempo de Guerra” (1963) como seu filme favorito de Jean-Luc Godard. Um filme mentiroso, portanto, centrado nas lembranças deturpadas de um cineasta que se vendeu ao que de mais pérfido pode ser associado à alcunha direitista de “sistema”. Irc! 

 No filme, as duas personagens melhor interpretadas são rechaçadas por seus posicionamentos políticos diametralmente extremados: uma, de direita (magnificamente composta por Emmanuelle Béart) é uma jornalista que tem consciência de que seu trabalho é uma merda, mas contenta-se em “saber sobre aquilo que não conhece”; a outra, de esquerda (interpretada com charme e vigor por Maïwenn) é mostrada como uma militante exagerada e unilateral. Sem contar que a graciosa personagem vivida pro Sara Forestier (Clara Darc, a namorada do protagonista) é estereotipada em sua delimitação enquanto desastrada e o personagem principal, alter-ego do diretor e roteirista, que nos obriga a reviver a sua perspectiva mnemônica deturpada, é desagradavelmente carregado nas costas por um insosso Félix Moati, que, mesmo mostrando-se nu numa cena inicial, não consegue dirimir o enfado espectatorial diante de sua langorosa e reacionária presença em cena. Um fracasso este filme: saí da sessão absolutamente envergonhado e constrangido!

 Wesley PC>

quinta-feira, 9 de maio de 2013

UMA PRÉ-ESTRÉIA NO CINE VITÓRIA: OU “OS OLHOS DA CIDADE SÃO NOSSOS”!

No início da tarde desta quinta-feira, tomei um susto: estava almoçando quando uma viatura do Governo do Estado parou diante de minha porta e chamou o meu nome completo, entregando-me um envelope preto depois que eu me identifiquei positivamente. Para minha surpresa agradável, tratava-se de um convite para a pré-estréia do filme “Pedalando com Molière” (2011, de Philippe Le Guay), às 19h. A sinopse do mesmo falava em manipulação mútua, a partir de um ensaio da peça “O Misantropo”, de Molière. Eu poderia levar comigo apenas um convidado. Analisando os detalhes do que sabia sobre o filme, não tive dúvidas: alguém com que eu rompi relações recentemente. O melhor: ele aceitou o meu convite!

De fato, tive razão em escolher esta pessoa para estar ao meu lado durante o filme: mais de uma situação reviveu pendengas que tivemos, onde, apesar de eu crer que agi com probidade na maior parte delas, devo assumir uma grande parcela de culpa pelo andamento dos dissabores. Senti-me vingado durante a sessão do filme (muito bom, por sinal), ao tempo em que me identifiquei amplamente com o personagem de Fabrice Lucchini, um ator teatral que vive isolado numa ilha luxuosa, e que escarnece da sinceridade de um ator de TV (Lambert Wilson), que, admirador de seu talento, o convida para voltar aos palcos. Prefiro não avançar em detalhes sobre a trama, visto que o filme será exibido várias vezes durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2013, mas adianto que o meu acompanhante demonstrou ser infelizmente vilanaz: não dá mais para confiar nele! Não o rechaçarei publicamente, não falarei mal de sua pessoa sem necessidade, não o xingarei, não virarei a cara se ele vier me procurar, mas... Tratos com ele não são mais possíveis: ele mente, ele trai! Exatamente como entrevisto na peça molieriana encenada no filme...

Antes da sessão, duas personalidades importantes da política governamental – a secretária de Cultura Eloísa Galdino e a responsável pela restauração da sala de cinema Vitória, na antiga Rua 24 Horas (atual Rua do Turista), Rosangela Rocha – discursaram: a primeira ateve-se aos contributos estatais envolvendo o uso público e “alternativo” desta sala de cinema, na qual, segundo ela, haverá a predominância exibitória de filmes brasileiros (inclusive sergipanos); a segunda servindo-se de uma paráfrase de título de filme de Bigas Luna para exclamar que está fazendo a sua parte e que os benefícios adquiridos são coletivos. Não vou discordar delas duas, por enquanto (informações jornalísticas sobre o evento podem ser encontradas aqui): a reforma da sala ficou muito boa, o espaço está bastante aconchegante e o filme escolhido para esta pré-inauguração foi oportuníssimo! Pena que não apenas isso esteja em jogo...

Wesley PC> 

PIADA INTERNA (POR DEBAIXO DA CAPA) OU NÃO SEI SE ACREDITO EM "PARANÓIA DO BEM"...

Ao chegar em casa, na noite de ontem, recebi um recado de minha mãe; “Wesley, a tua revista do mês chegou”. Por motivos que considero prioritariamente monográficos, sou assinante da revista Preview, uma publicação mensal brasileira sobre cinema que, apesar de seu viés comercial (vide a foto e as manchetes de capa), deixa-me bastante informado acerca do que está acontecendo no mundo em relação aos filmes vindouros. Folheando a edição de maio, li as considerações da ótima articulista Mariane Morisawa sobre o Festival de Cannes, que vai de 15 a 26 de maio deste ano de 2013, sob a presidência de Steven Spielberg, e soube algo acerca dos novos filmes de M. Night Shyamalan, Leos Carax, Fanny Ardant e outros mais... É uma edição voltada para o grande público (aqueles que se autodefinem como “cinéfilos”), mas não fica apenas nisso em minha opinião: é uma tentativa de conciliar o ‘mainstream’ com o universo ‘indie’, havendo um foco deveras cuidadoso com a produção brasileira hodierna. De minha parte, vale a pena comprar e recomendar a revista. Mas não é necessariamente sobre isso que eu talvez estivesse querendo falara agora...

Wesley PC>

UMA PESSOA PERGUNTA POR OUTRA PESSOA, QUE SE IDENTIFICA COMO A TAL. ATO CONTÍNUO, SEXO ORAL E FODA SILENCIOSA: O CAPITALISMO FINANCIA!

Teria muito a falar sobre “Os Mortos” (2004, de Lisandro Alonso), de tanto que este filme me influenciou emocionalmente na noite de ontem. Tive a honra de assistir a este filme por acaso, atendendo ao pedido de um anfitrião simpaticíssimo que ansiava por um filme “alinear”, a fim de continuar o estado de espírito que lhe tomara de assalto desde que vimos juntos o clássico “Eraserhead” (1977, de David Lynch) mais cedo.

 De fato, entre um e outro filme há pelo menos uma conexão pustular possível (se bem que, no segundo caso, o corpo assassinato não é doente, mas saudável): no filme lynchiano, um bebê deformado é assassinado por seu pai e elimina diversas substâncias purulentas; no filme alonsiano, um bode é degolado de forma súbita, por um ex-presidiário que caminhava por uma zona fluvial em busca de sua filha. No segundo filme, inclusive, causou-nos espanto a insistência do carnívoro humano em retirar todas as vísceras do animal morto, deixando-o apenas em estado de pele e pêlos. Mas tal espanto não foi exclusivo a esta seqüência: ele nos acompanhava desde o início da sessão...

 Numa das cenas que mais me impressionaram, o ex-presidiário compra alguns pães e doces, uma camisa barata (por ter pouco dinheiro, visto que a situação econômica está ruim para quase qualquer um, conforme adianta o dono da butique improvisada) e, em seguida, procura por uma mulher na redondeza. Ela se identifica: “sou eu mesma!”. Num corte seco, vemo-la chupando o pênis do protagonista, que, em seguida, a penetra, enquanto crianças brincam nas proximidades. Não vemos a despedida deles, muito menos um orgasmo. O filme é absolutamente genial! 

 Wesley PC>

“- TU TENS UMA SOBRINHA QUE PARECE UM NAVIO DE BATALHA? – TENHO SIM. MANTENHA-A AFASTADA DE MIM!”

Enciclopedicamente difundido como “o primeiro longa-metragem norte-americano da História do Cinema”, o filme que agora destaco – e que acabo de ver – chama a atenção, para além de seu inquestionável valor histórico, por ser um filme em que Charles Chaplin não atua como o seu célebre personagem Carlitos. Apesar de seus títulos brasileiros, “Idílio Desfeito/ O Casamento de Carlitos” (1914, de Mack Sennett) apresenta-nos ao famoso cômico mudo como um escroque que faz com que uma camponesa gorda e simpática (Marie Dressler) fique completamente apaixonada por ele, a fim de surrupiar o seu farto dote. Levando-a para a cidade, o casal passa a ser incomodado pela ex-namorada do trapaceiro, vivida por Mabel Normand, que, segundo um soberbo intertítulo, “é escravizada por sua beleza, que a faz ficar à mercê deste tipo de homem”. Poucos minutos antes, esta mesma personagem ingressara na “alta sociedade pela porta dos fundos”, visto que se empregara como copeira na residência de Tillie, a gordinha apaixonada do título original, erigida à condição de única herdeira de um tio milionário, depois que este é dado como morto numa atividade de alpinismo nas montanhas. Ao final, todos os mal-entendidos serão desfeitos e as duas mulheres apaixonadas pelo mesmo homem oportunista se unirão na rejeição programada e policialesca contra ele. Dois verbos em inglês que aprendi vendo o filme: “to oust” (“expulsar”) e “to spurn” (“rejeitar com desdém”). Uma obra de arte didática e pioneira, portanto.

 Digo mais: assisti a este filme em homenagem a um rapaz chapliniano que conheci recentemente e a fim de facilitar a minha exposição vindoura sobre o desenvolvimento da linguagem cinematográfica pré-hollywoodiana durante a década de 1910, que levarei a cabo no próximo final de semana, no grupo de estudos de que participo todos os sábados. Atendendo a uma recomendação de um Guia de Vídeo que sempre consulto, cri que o filme seria menos divertido que historicamente importante, mas discordei veementemente desta declaração: o filme é ótimo, hilário em seus qüiproquós e cenas de queda, torta na cara, palmadas e, principalmente, no instante em que, atolada na água, antes de ser digna de compaixão por sua rival trapaceira, Tillie é mostrada lutando com caranguejo, peixes e outros animais marinhos. Sem contar que, num artifício típico das comédias da época, há uma cena metalingüística genial em que o noivo enganador e a sua namorada interesseira entram num cinema para assistir a um filme que, segundo o intercrédito titular, adianta “o destino de um ladrão”. Inteligentíssimo o filme. Amei! Afinal de contas, eu sou desses que amam (e, aqui, não me atenho apenas ao filme)...

 Wesley PC>

terça-feira, 7 de maio de 2013

“I’M SEXY AND I KNOW IT” (O TEXTO NÃO É SOBRE ISTO!)

Enquanto pensava no que escrever, sentei-me para comer meu desjejum e me deparei com um videoclipe da banda eletrônica LMFAO na TV. Neste, diversos homens espalhafatosos balançavam o conteúdo de suas sungas diante da câmera. Não soube o que pensar de imediato, mas não sei se achei engraçado. Um questionamento sobre aquilo que eu talvez considere sensual ficou latejando em minha cabeça durante e após a exibição do videoclipe. E eu resolvi falar sobre o que os dois curtas-metragens griffithianos que vi ontem à noite me causaram:

No primeiro deles, “Faithful” (1910), D. W. Griffith utiliza-se dos talentos cômicos de Mack Sennett para construir uma pequena tragicomédia em que, depois de salvar a vida do personagem-título, um homem passa a ser perseguido por ele em todos os lugares. O que parece ser extremamente inconveniente (e, de fato, o é), termina sendo benfazejo, visto que, por ser persecutório, Faithful descobre que a noiva de seu amo estava aprisionada num incêndio e a salva. O final é feliz!

Não preciso dizer que me identifiquei bastante com o personagem e sua noção enviesada (e, na vida real, condenada) de fidelidade excessiva. É mais ou menos assim que eu ajo em relação às pessoas por quem me apaixono, o que engendra problemas de irritação semelhantes ao que acometem o perseguido Adonese (vivido por Arthur V. Johnson), o que nos leva ao segundo filme:

Em “The Usurer” (1910, vide foto), um agiota sovina exige que seus cobradores despejem uma mulher e sua filha doente do cômodo onde vivem, visto que elas não podem pagar as contas. A mocinha é vivida pela virginal Mary Pickford, que cativa forçadamente a ternura do espectador, que assiste a um desfecho trágico mas “feliz”, em que, ao morrer sufocado em seu cofre, o usurário do título permite que sua irmã descubra a sua crueldade financeira e livre os seus devedores das dívidas absurdas depositadas sobre eles. Muito oportunista este desfecho (e hipócrita, levando-se em consideração o contexto produtivo do mesmo), mas não desprovido de interesse e/ou reprodução na vida real. Para além de ser ou não sensual, importa-me tentar ser bom. Mas este é um conceito delicado, fugidio, que não raro implica em perseguições assustadoras. Por isso, sigo aqui digerindo o que comi...

Wesley PC>