quinta-feira, 16 de maio de 2013

ALMODOVARISMO DE ANTIGAMENTE (OU UM SENTIMENTO PERPÉTUO):



Numa frase: "ne me quitte pas".
 Apenas isso!

Wesley PC> 

SENHOR, PROTEGE-ME DO CIÚME TENDENTE AO EGOÍSMO, DA LAMENTAÇÃO FORÇOSA E PERPÉTUA, DO EXIBICIONISMO...

Atendendo aos pedidos clamantes de uma grande amiga, na noite de ontem, assisti ao média-metragem animado “Midori” (1992, de Hiroshi Harada). Baseado num famoso mangá de Suehiro Maruo, este filme impressiona pela crueza de suas imagens e por seu surrealismo hipnótico, porém, do meio para o final, o que parecia uma estória fadada ao trágico fim revelou-se para mim como uma advertência: “cuidado com o que tu semeias em instantes de tristeza e lamentação, Wesley!”. Muito bonito o filme, para além de suas forçações de barra!

 Na trama, a protagonista Midori é uma pobre vendedora de flores que, órfã de pai e tendo a sua mãe doente em casa, apaixona-se por um homem bem mais velho que lhe oferece emprego. Ao chegar em casa, descobre que sua mãe fora devorada por ratos e que o homem que lhe abordada era um escroque. Ela é, então, vendida a um circo de aberrações, cujos integrantes a estupram e a maltratam, em especial num momento forte e traumatizante em que pisoteiam e devoram os filhotes de cachorro que ela esconde carinhosamente. Até que, um dia, Midori se apaixona por um anão mágico, cujo maior truque é penetrar, em público, o interior de uma garrafa vítrea. Este anão, com quem ela se casa, revela-se progressivamente violento e, ao final, Midori estará novamente sozinha, depois que ele é esfaqueado por um assaltante, num cenário em branco, onde poderá reescrever novamente a sua história de horrores e lamentações... Cometerá ela as mesmas escolhas equivocadas e motivadas pelo desespero angustiado? Esta é a pergunta que direciono a mim também, neste exato momento, visto que não consegui dormir direito – entre outros motivos, por pensar e repensar no compromisso para-empregatício que me fez desperdiçar a oportunidade de estar ao lado de um querido masturbador na tarde de ontem. Viajarei para um Estado do Centro-Oeste na madrugada de hoje para amanhã: sentirei saudades dele por uma semana!

 Posso repetir que sou um idiota? Isso não resolverá agora e, compreendendo a indicação renitente da amiga que me conduziu a “Midori”, isto conduziria a um exibicionismo enviesado de lamentações e desconfortos espúrios. Viver é uma coisa deliciosa e o cinema tem o poder de demonstrar isso até mesmo em filmes tão cruéis. Apesar de imperfeito, “Midori” em uma verdadeira jóia!

Wesley PC>

quarta-feira, 15 de maio de 2013

“UM FAVOR MATA MAIS RÁPIDO QUE UMA BALA”?

O lema entre aspas foi proferido pelo célebre advogado cocainômano vivido por Sean Penn em “O Pagamento Final” (1993, de Brian De Palma). Para além da minha concordância tangencial em relação à mesma, sinto na pele um efeito paralisante desta tese: aceitei a súplica burocrática de um antigo contratante profissional e, por conta disso, dediquei doze horas de minha jornada de hoje ao atendimento de dúvidas de alunos universitários, enquanto, nalgum lugar, o rapaz que mais desejo sexualmente neste exato instante pode estar se masturbando sozinho, quando eu não me oporia estar dando-lhe uma mãozinha, uma boquinha, alguns dedinhos... Ele lá, eu aqui, o mundo girando e algumas pessoas sofrendo de AIDS, inclusive um parente muito próximo!

Em breve, irei para casa. Talvez seja tarde, talvez ainda dê tempo de dar uma sacolejada em minha glande favorita. Por ora, penso no que o romance de José de Alencar que terminei de ler mais cedo (“Ubirajara”, de 1874) me causou: amor, muito amor em minhas entranhas, apesar de uma tristeza remota e do desagrado em relação à beligerância das tribos que protagonizam o enredo. Antes de ser Ubirajara, o protagonista se chamava Jaguerê; depois, ele se batiza como Jurandir. Apaixona-se por duas mulheres: a araguaia Jandira e a tocantim Araci. A segunda aceita manter a primeira como amante de Ubirajara. A primeira rejeita a oferta, mas, ao final, se convence da licitude deste amor duplicado. E eu aqui, beirando o tédio. Ai, ai...

 Wesley PC>

terça-feira, 14 de maio de 2013

POR QUE INSISTEM EM REFILMAR DE FORMA DELETÉRIA O QUE JÁ FORA REALIZADO DE FORMA SUBLIME?

Juro que não parei de repetir isso em minha mente enquanto via “O Homem que Ri” (2012, de Jean-Pierre Améris) na noite de ontem. Por mais que a origem francesa da produção e o seu embasamento no original literário de Victor Hugo o protejessem comparativamente da obra-prima homônima que Paul Leni realizou em 1927, fiquei envergonhado enquanto via o filme. A coadjuvante Christa Théret é linda, o desempenho de Gérard Depardieu é aplaudível, a trilha sonora de Stéphane Moucha é graciosa e a homenagem circense da produção é pitoresca, mas nem mesmo a presença de Emmanuelle Seigner conseguiu salvar este filme do fiasco apreciativo: achei o protagonista Marc-André Grondin péssimo e detestei o ritmo alvoroçado do roteiro, levando-me a continuar repetindo a pergunta que intitula esta postagem ainda hoje: por quê?!

 Tal sanha regravadora (por falta de expressão imediata mais ofensiva) é comum em Hollywood, que parece se vangloriar de perder a imaginação criativa e parasitar até mesmo clássicos recentes, mas a contaminação francesa me parece deveras preocupante, principalmente se levarmos em consideração a existência de exceções bem-sucedidas a esta regra de deterioração imitativa, como, por exemplo, o magistral “Os Miseráveis” (2012), realizado pelo medíocre Tom Hooper. Durante toda a sua extensão (95 minutos), o filme me irritou por causa de sua artificialidade constitutiva, de soluções pretensamente estilosas (que plagiam descaradamente o universo burtoniano) que resvalam na estupidez reiterada, como insistir numa pretensa diegetização da música realizada através de copos cheios d’água pelo personagem Sylvain (Swann Arlaud) que entra em conflito com os corais inseridos na mesma. Quanto mais eu percebia que o filme estava a subestimar a minha inteligência, mais ele insistia em repetir os seus defeitos composicionais, tornados aberrantes ao final da projeção, quando nem mesmo a tragicidade imponente da trama se mantém: Gwynplaine se mata afogado, a cega Déa ingere arsênico e não temos certeza se Ursus conseguiu chorar pela primeira vez em sua vida, mas tudo se desperdiça na vacuidade organizacional do filme, dirigido de maneira preguiçosa e, ao mesmo tempo, pretensiosa. A fotografia parece exuberante, mas é falsa, descompassada, disfuncional. Uma pena: o filme tinha tudo para dar certo!

 Wesley PC>

domingo, 12 de maio de 2013

“O SEGREDO É FAZER COM QUE A TUA VONTADE SEJA EXERCIDA”: “TUDO É PARÁBOLA!”

Neste domingo, já acordei disposto a ver “Camille Claudel” (1988, de Bruno Nuytten), filme que estava em minha casa faz tempo, mas que carecia de uma motivação adequada. Este veio na forma da versão do cineasta Bruno Dumont para a vida da mesma personagem, num filme de nome “Camille Claudel, 1915” (2013), bastante diferente em temática e encenação.

No primeiro caso, temos uma biografia tradicional, focada nas desventuras românticas da personagem-título, uma escultora que “não precisa de aulas, mas de liberdade” e que, por conta disso, apaixona-se perdidamente por seu mestre Auguste Rodin. Sendo ele comprometido e mulherengo, ela enlouquece de paixão e, passados alguns anos de seu traumático rompimento com o amado, ela é internada num manicômio por seu irmão Paul. É aí que o filme de Bruno Dumont passa a contar a sua história: Camille já está no manicômio há cerca de um ano e fora recentemente transferida para esta instituição, por conta da deflagração da I Guerra Mundial na Europa. Ela se sente infeliz, sadia e crê que estão envenenando a sua comida, o que faz com que ela receba uma exceção em seu internamento: o direito de cozer os alimentos de que se servirá. Entretanto, a convivência forçada com pessoas doentes a fará surtar cada vez mais. Até que a promessa da visita de seu irmão leva Camille a ter esperanças de que conseguirá convencê-lo a desinterná-la...

É aí que o filme dumontiano revela o seu maior trunfo: apesar da interpretação arrasadora de Juliette Binoche e do título feminino com nome e sobrenome famosos, o filme não é sobre ela: num instante súbito, entra em cena Paul Claudel (Jean-Luc Vincent) e, daí por diante, ele conduz o filme, seus diálogos assimétricos com o Deus em que acredita são a verdadeira obsessão do cineasta, que o leva a ser comparado – um tanto exageradamente, em minha opinião – com o gênio francês Robert Bresson.

Insistindo que, mesmo o Senhor, em todo o Seu poder e a Sua glória, não poderia impedi-lo de Amá-Lo, Paul oferece odes e preces teofílicas do instante que entra em cena até o momento em que seu automóvel sobe uma estrada montanhosa, pouco tempo depois de ser beijado por sua irmã e ser tranqüilizado por ela própria acerca de seu estado mental. Paul acredita plenamente em Deus, depois que fora convertido ao catolicismo ao ler os poemas “Iluminações” e “Uma Temporada no Inferno” de Arthur Rimbaud, mas suas práticas são motivadas mais por preconceitos religiosos que pela fé ou pelo perdão supremo. Segundo o que é mostrado no filme, inclusive, Camille fora internada por ele por ter praticado um aborto, ter cometido um crime imenso contra a Graça. Há, portanto, uma assimetria ainda mais evidente entre aquilo que o irmão dela apregoa (o amor, em sua forma mais bruta) e aquilo que ele pratica (a incompreensão, em sua forma mais voraz). E é nisto que o filme mais acerta, mais dilacera, como toda e qualquer obra conduzida pela mão firme do diretor [dentre os seus longas-metragens, o único que não vi até então foi “Fora de Satã” (2011)], com certeza um leitor pascaliano. Obviamente, saí da sessão do filme arrasado, desnudado, exposto, envergonhado. Esperava um tipo de encenação (quiçá mais terrenamente passional, dominado pela atriz) mas me deparei com outro, celestial, dorido, marcado pelos dois principais sintomas da loucura segundo a tese de seu narrador interno: o orgulho e o terror. Um filme adulto, para ser visto e discutido mais vezes!

Wesley PC> 

DE REPENTE, ERA 15 DE MARÇO...

Apesar de eventualmente parecer o contrário, gosto muito do estilo dos filmes-painel da Agnès Jaoui: tanto “O Gosto dos Outros” (2000) como “Questão de Imagem” (2004) me impressionaram positivamente pelo modo como ela amalgama os destinos de vários personagens, evitando porém os arroubos de paroxismo emotivo freqüentes (o que não é um problema) neste tipo de subgênero cinematográfico.

Em “Além do Arco-Íris” (2013), há um ponto culminante, em que não apenas todos os personagens se encontram como suas vidas mudam radicalmente a partir deste instante, no caso, a overdose da personagem Laura, interpretada pela belíssima Agathe Bonitzer, que se obceca por um homem de olhar duro e aparência lupina, a fim de realçar o aspecto de conto de fadas do enredo. Além de vestir-se de vermelho e ser vigiada por um lobo, Laura possui uma mãe que, apesar de ter 64 anos de idade, aparenta ser muito mais jovem e lhe oferece uma maça numa cena-chave. Além disso, quando ela conhece “o homem de seus sonhos” numa festa, ele precisa sair de lá exatamente à meia-noite, para buscar a sua mãe na saída do trabalho, deixando cair o sapato enquanto descia uma escada às pressas. Tem como reclamar que, ao final, um letreiro informando que alguns personagens “foram felizes para sempre” surge na tela? Pena que esta felicidade eterna não atinja a equivocada e linda, linda Laura...

Além do drama romântico que cerca Laura, o filme possui outros personagens interessantes, como um homem rabugento e descrente (comportamentalmente, muito parecido com um grande amigo meu) que fica impressionado quando sua ex-esposa lembra que uma vidente previu que ele faleceria no dia 14 de março daquele ano, e uma atriz (vivida pela própria diretora) que, também divorciada, não sabe como lidar com o fanatismo religioso de sua filha pequena, constantemente afligida por uma coceira.

Apesar de um ou outro atropelo roteirístico, gostei muito do filme e de suas estripulias narrativas e formais (os efeitos pictóricos impressionistas depositados sobre as imagens que antecedem algumas mudanças de plano, por exemplo). Depois dele, posso afirmar com mais segurança que sou uma espécie de admirador sutil do talento de Agnès Jaoui, outrora roteirista de filmes do Alain Resnais. As interações benfazejas que travei com os amigos que estiveram comigo após a sessão justificam esta admiração: ela merece, ela enternece!

Wesley PC>