Já tive diversas oportunidades de confessar que a minha
afeição temática pela Boca de Lixo adveio inicialmente de um contato tão
escandaloso quanto benfazejo com a genitália do David Cardoso (vide descrição
da experiência aqui): desse dia em dia, mergulhei cada vez mais nesta
cinematografia brasileira tão rica quanto ignorada. Hoje, debruço-me
academicamente sobre a região, a ponto de estar quase confirmada uma viagem
para conhecer o lugar onde foi realizada a maior parte destes filmes, hoje
correspondente à Cracolândia paulistana. Pressinto que chorarei
devastadoramente quando pisar no referido local, mas é importante para a minha
pesquisa e para o meu desenvolvimento afetivo pessoal.
Estudando sobre o assunto, resolvi dar uma pausa na confecção
de minha dissertação – já consegui adiantar dezessete páginas – e assistir a
uma variante carioca do subgênero erótico equivocadamente rotulado como
pornochanchada. O filme escolhido foi “Giselle” (1980), dirigido pelo mesmo
Victor di Mello que conhecera mui recentemente. O protagonista era o Carlo Mossy,
um correspondente local muito menos sensual que o sul-mato-grossense David
Cardoso. Tinha baixíssimas expectativas em relação ao filme, considerado uma imitação
tupiniquim do clássico feminista “Emmanuelle” (1974, de Just Jaeckin), o que se
transformou num temor diante da mensagem inicial, que associava a permissividade
sexual à decadência de uma cultura. Sodoma e Gomorra, obviamente, eram utilizadas
como exemplos que confirmavam a regra. O filme, entretanto, seguia um caminho
inverso...
Protagonizado por uma jovem Alba Valéria, por uma madura e
linda Maria Lúcia Dahl, pelo calvo Nildo Parente, pelo próprio Carlo Mossy e
pelo afetado Ricardo Faria, a primeira seqüência do filme já me escandalizou:
um ritual de acasalamento eqüino assistido por diversas pessoas. Logo ficamos
sabendo que se trata de marido e mulher, ao lado da filha do primeiro,
recém-chegada da Europa e logo se envolvendo sexualmente com o capataz da
fazenda, conforme acontecia desde que eles eram crianças. Ato contínuo, a
madrasta da garota faz sexo com ela, apaixonando-se perdidamente pela mesma. O
capataz resolve se juntar às duas em rituais libertinos de prazer, que se
estenderão ao filho homossexual da madrasta da protagonista, enquanto o dono da
propriedade em que eles vivem seviciam os garotinhos do local. Tudo parece sem
problemas e julgamentos até que o ciúme que a madrasta de Giselle sente em
relação a uma vizinha comunista (Monique Lafond) torna-se inconveniente. Mas
ela morrerá numa situação trágica de represália contra-revolucionária, deixando
Giselle livre para retornar ao palco erótico de outrora, tendo a oportunidade
de assistir a um de seus estupradores linchado pela população da cidade
interiorana em que passa as suas férias de verão. Contar mais talvez não seja necessário: fiquei
absolutamente surpreso e gostei muito do que vi/senti/experimentei neste filme.
Preciso revê-lo e discuti-lo, ao lado de meus amigos, o quanto antes. A “Boca
do Lixo carioca”, capitaneada pelo machão Carlo Mossy (que não hesita em beijar
apaixonadamente outro homem na boca), não é tão desprovida de interesse quanto
eu pensava, afinal!
Wesley PC>