Pretendia dormir cedo na sexta-feira, pois estava sonolento, cansado ou satisfeito com o ótimo dia que compartilhei com amigos, quando recebi um telefonema que durou mais de uma hora: o meu interlocutor precisava contar que dissera à sua mãe em tratamento para a depressão que conhecera uma pessoa exótica nos últimos meses e que queria apresentá-la a ela. Fiquei contente com a notícia, defequei enquanto falava ao telefone (maravilhas da tecnologia dialógica sem fio!) e não lembro o que sonhei em seguida. Quando abri os olhos na manhã seguinte, perguntei a minha mãe que horas eram, ao mesmo tempo em que, coincidentemente, ela dizia: “Wesley, já são nove horas, hora de levantar!”. Sorrimos ao perceber que pergunta e resposta foram pronunciadas em uníssono.
De pé, pedi que ela esquentasse o sanduíche de queijo que eu não comera à noite, e liguei a TV em busca de algo para assistir. Deparei-me com “David Bowie – Ziggy Stardust and The Spiders From Mars” (1973, de D. A. Pennebaker) num canal fechado de TV, como parte da programação comemorativa do suposto 'Dia do Rock'. Fiquei contente: fazia tempo que eu queria ver este filme! E foi muito bom tê-lo visto...
Apesar de a obra já ter começado já algum tempo, pude conferir o artista, aqui no apogeu de sua fase andrógino-interplanetária, emocionando a platéia enquanto cantava “Space Oddity”. Lágrimas rolavam da platéia, o que se seguiu quando ele encetou “My Death” (composta por Jacques Brel). Nos bastidores, o cantor comentava que se sentia indisposto. Volta ao palco, dispara “Suffagette City”, homenageia o amigo Lou Red através de “White Light/ White Heat” e termina o espetáculo com “Rock’n’Roll Suicide”. De repente, ao contemplar a cabeleira alaranjada do artista, lembrei de minha amiga loira Ninalcira, que hoje vive em outro Estado. Na TV, os créditos finais do filme eram apresentados, ao som de “Pompa e Circunstância”, de Edward Elgar. E eu sentia a Lua no céu, entre eu e a minha amiga querida. Viva a boa música que une, mesmo à distância, pessoas que se amam!
Wesley PC>
sábado, 13 de julho de 2013
sexta-feira, 12 de julho de 2013
ARNAUD DESPLECHIN: PALMAS PARA O ALTO!
Amo "Esther Kahn" (2000) e não gosto muito - ou melhor, não entendi bem - "Reis e Rainha" (2004), mas é inequívoco que eu estava destinado a ser um fã incondicional do cineasta francês Arnaud Desplechin: em "Um Conto de Natal" (2008), eu me entreguei por completo!
Por mais difícil que o filme seja em seu estilo elíptico e plurivocal - parece que o diretor homenageia um diretor diferente (de Alain Resnais a Mike Leigh, passando por François Truffaut, Alfred Hitchock, Claude Sautet e tantos outros) cada vez que um personagem entra em cena, de tão visualmente barulhento que o filme é... Na trama, uma briga entre irmãos - nunca suficiente explicada, diga-se de passagem, o que só reforça a genialidade proposital do roteiro - é ´parcialmente suspensa quando o parente banido dos eventos familiares é, além de um adolescente com problemas mentais, o único a apresentar compatibilidade medular com a sua mãe, o que permite que ele possa chantagear o seu retorno ao acolhimento familiar a partir de uma doação á progenitora acometida por um raro linfoma. Este ponto de partida, entretanto, é subvertido em favor de pequenos atos de vida e de sobrevivência emocional, para o qual focos luminosos, fechamentos de íris, músicas árabes misturadas com músicas clássicas, amores superpostos, tudo é válido! Saí da sessão absolutamente impressionado com o quanto o filme é inusitado em sua panóplia estilística. Genial, pura e simplesmente! Além de visto num momento deveras oportuno... Preciso revê-lo!
Wesley PC>
quinta-feira, 11 de julho de 2013
E, NO RAIAR DO TERCEIRO DIA, PARECE QUE EU ESTOU SAINDO DE UMA BOLHA...!
Independentemente de o filme ser odiável, tê-lo visto no cinema foi uma experiência intensa, que me provocou sensações psicanalíticas que tendem a reformular muitas das minhas crenças mais particulares. Parir esta crítica foi um desafio confessional delicado: os meus dois companheiros de sessão amaram o filme e, tal como eles, associei a protagonista à minha própria mãe, e ri e me emocionei por conta disso. Mas, por detrás, tanto se esconde, tanto envenena... Glupt!
Repensando aqui a minha vida... Parece que eu saí de uma bolha, juro!
Wesley PC>
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"EU ME SINTO NUMA PRISÃO... EU NÃO CONSIGO SAIR!"
Tal qual o faz em diversos outros filmes, em "As Intimidades de Analu e Fernanda" (1980, de José Miziara), Helena Ramos interpreta novamente uma mulher oprimida pelos vínculos matrimoniais. Casada com um homem que a trai continuamente, alegando estar trabalhando, ela se apaixona por outra mulher, depois que a narrativa do filme dá a entender que, após uma briga, o marido havia se suicidado. A mulher por quem a protagonista se apaixona, entretanto, é patologicamente ciumenta, uma mulher absolutamente perigosa. Quando a flagra fazendo sexo com um homem que a assediava constantemente, a protagonista foge por uma praia, desesperada, chorando... Acaba se entregando a um pescador rude, interpretado por Maurício do Valle, numa cena vigorosa de estupro. Ao final, a amante lésbica da personagem é assassinada, por conta das perseguições atreladas ao seu "amor doentio" (para utilizar a expressão adotada por meu sobrinho, que assistia ao filme comigo e repetia o jargão dialogístico que intitula esta publicação), de modo que a protagonista talvez vá para uma prisão de verdade, onde repetirá pela terceira vez a confissão angustiada que parece persegui-la em todos os relacionamentos amorosos a que se entregou... Tem gente que parece predestinada: o excerto literário belíssimo que pontua a aproximação entre as personagens-título que o diga!
Wesley PC>
Wesley PC>
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SOBRE A (IM)POSSIBILIDADE DO INCESTO:
Quando a minha linda sobrinha neo-alagoana de 25 anos nos
visita, minha mãe foca preocupada que meu irmão mais novo a assedie
sexualmente. Como ela é muito bonita e ele tende a se embebedar, as fronteiras
morais que regem a ignorância familiar da beleza erótica alheia tendem a ser
quebradas, pensa a minha mãe justificadamente paranóica, que se cerca de
cuidados censórios quando a minha sobrinha se hospeda por aqui...
Curiosamente, nos últimos dois dias, em que o rapaz da
direita na foto esteve hospedado em minha casa, minha mãe não ostentou as
minhas preocupações. Apesar de, oficialmente, ele não fazer o meu tipo (no
sentido de que seu fisiculturismo evidente me distancia de uma imersão mais
detida), no que tange ao terreno bruto da sexualidade aparente, o volume
contido na parte baixa e seu ventre me tornaria um óbvio refém de seus encantos
anatômicos. Entretanto, ele é meu sobrinho. E, como tal, ao entrar em contato
com ele, estive tão preocupado em entender quem ele era (visto que não o via há
mais de uma década), do que ele gostava, o que ele pensava sobre mim, etc....
Ou seja, apesar de eu ser um defensor inconteste do incesto, na prática isso é dificultado
por diversos fatores, mais ou menos como acontece em relação ao canibalismo:
quando temos um envolvimento emocional (principalmente familiar) com os nossos “objetos
de consumo”, a relação torna-se diferenciada, particularizada, dotada de muitos
mais vieses além da mera saciação fisiológica. Foi o que se demonstrou aqui!
Fiquei tão angustiado em compreender quem era aquele
desconhecido que se instalou em minha casa que meus instintos básicos e
onipresentes acalmaram-se, cederam espaço a outras preocupações mais amplas.
Numa fila de supermercado, inclusive, eu e o meu sobrinho conversamos sobre um
caso aberrante de estupro que aconteceu no município alagoano de Delmiro
Gouveia, onde um homem estuprou um bebê de apenas quatro meses. Ficamos
atordoados ao imaginar a cena. Meu sobrinho, que já é pai de uma criança,
ofereceu uma solução prática: “puxa, prostitutas estão tão baratas hoje em
dia... Por que fazer isso?!”. A resposta imediata era óbvia: perversão!
Noutras palavras, incesto e canibalismo são situações que
não podem ser tão controladas aprioristicamente quanto eu insisto em defender
nalguns lugares tendentes à reação alarmada diante do que afirmo. O que não me
impediu de, enquanto me afligia com vontade de urinar, tive de esperar que o
meu sobrinho desinterditasse o banheiro. Ou seja, ele se masturbava. Não espontaneamente,
como muitos de nós o fazem, mas programadamente, levando o telefone entulhado
de vídeos pornográficos para o banheiro, realizando os movimentos de carícia
fálica como se efetuasse uma série de exercícios aeróbicos controlados por um
instrutor de educação física. Achei aquilo tudo tão desestimulante (sim, eu o
estava observando pelas gretas da porta!), mas, ao examinar isoladamente a sua
ereção, não pude deixar de isolá-lo eroticamente. Ali, ele deixou de ser um
parente, para se tornar um pedaço latejante de carne peniana, intumescida, suja
de esperma. Ainda assim, era algo estranho... Preciso pensar muito sobre isso. De
hoje em diante, quando eu falar sobre incesto, terei novos pareceres internos
para expor e considerar discursivamente. Como diz o jargão, “na prática, a
teoria é outra!”. Ou talvez não...
Wesley PC>
terça-feira, 9 de julho de 2013
“O OLHAR APRESSADO” (CRÍTICA CONTRA QUEM?)
Nesta segunda-feira, 08 de julho de 2013, aniversário de
setenta e um anos de minha mãe, eu e diversos de meus amigos ficamos ansiosos
para a chegada das vinte e duas horas, quando teríamos a oportunidade de
conferir uma entrevista com o filósofo esloveno Slavoj Zizek. O curto tempo do
programa (apenas uma hora e meia de duração), aliado às perguntas nem sempre
interessantes e ao frenesi do entrevistado, que parecia estar sob efeito de
cocaína, causou um desconforto particular em mim, que fiquei deveras
decepcionado com a desorganização do programa. Enquanto futuro jornalista,
incomodei-me bastante com o debate tornado raso, tamanha a desconexão entre as
perguntas, que desaproveitavam os poderosos ganchos teoréticos despejados pelo
filósofo, que, ao final, se define sardonicamente como “um intelectual
corrupto, como qualquer um de nós”...
Dentre os aspectos da conversa que mais me chamaram a
atenção estão as menções a Peter Sloterdijk, Fredric Jameson e Francis
Fukuyama, todos aparentemente amigos do filósofo, a sua brincadeira
nomenclatural com o presidente cubano, a quem ele disse permanecer “fiel à
castração”, o apelo à definição básica freudiana de que, principalmente no
capitalismo, “as nossas necessidades são mediadas pela inveja”, e a sua confissão
pela primazia da teoria quando lhe interrogam como ele enxerga as relações
entre teoria e prática na atualidade. Porém, o ponto máximo do programa, foi
quando ele contou a seguinte anedota:
Num debate comunista imaginário, pergunta-se se, no regime
socialista adotado, haverá ou não dinheiro. Nikolai Bukharin responde: “sim,
haverá dinheiro!”. Leon Trotsky recusa: “não, em nossa sociedade não haverá!”.
Ao que Josef Stalin intervém, em voz alta: “é preciso fazer uma síntese
dialética: em nossa sociedade haverá e não haverá dinheiro. Alguns o terão e outros não...”.
Era uma piada, mas
diz muito sobre as contradições retroalimentadas do panorama sociopolítico
hodierno. Recorrendo citacionalmente muito mais a Friedrich Hegel que a Karl
Marx, por conta do lançamento de um livro recente “Menos que Nada: Hegel e a Sombra do Materialismo”, o filósofo esloveno
parafraseia o filósofo alemão e alega que “a Filosofia pode apenas pintar o
cinza sobre o cinza”. Achei mui peculiar tal imagem retórica, ao passo em que
me decepcionava com as charges desenhadas imediatamente após os pronunciamentos
do entrevistado, simplificando-os em excesso, como quando, numa comparação com
uma entidade hinduísta – motivada por causa da velocidade com que Slavoj Zizek
mexe as mãos – o desenhista associa o filósofo a Mahatma Gandhi. Não foi bem
isso o que ele tinha em mente quando sorriu ao perceber que fora cotejado a um
indiano...
Minha maior chateação em relação ao programa, para além de
seus visíveis defeitos constitutivos, foi a ignorância dos interessantes
comentários que o entrevistado poderia lançar sobre cinema, uma de suas
especialidades. Num rápido momento, entretanto, ele pode se servir de uma idéia
levantada pelo analítico Stanley Cavell para definir como prevalece (ou melhor,
deveria prevalecer) o fervor revolucionário nos dias hodiernos: tal como acontece
nas comédias hollywoodianas das décadas de 1940 e 1950 – as dirigidas por Ernst
Lubitsch, Leo McCarey e Howard Hawks, principalmente – a instauração do
divórcio e, em seguida, a sua supressão e o retorno ao bem-estar marital
inicial deveria ser tomado como metáfora adequada à mudança social efetiva que
se segue às comemorações empolgadas diante de manifestações e/ou conclamações
públicas a respeito de uma dada situação. Havia ele antecipado que, com exceção
do citado Friedrich Engels, a grande maioria dos filósofos tenta mudar o mundo ao
invés de realmente analisá-lo, conforme proposto. Platão seria um exemplo
primevo. E, enquanto estudante de Jornalista, eu sou apressado demais em minhas
conclusões: seria a síntese ainda possível hoje em dia? Sim, foi uma piada de
mau gosto... Mas valeu muito a pena ter visto esta entrevista. Por mais que
isto implique em perder um amigo (ou um amante inalcançável) para não perder a
piada...
Wesley PC>
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segunda-feira, 8 de julho de 2013
O ED WOOD GOSTARIA MUITO DESTE FILME, CERTEZA!
Waldir Kopezky é um dos piores diretores da Boca de Lixo
paulistana. Ainda assim, a sua parceria com o diretor e roteirista Fauzi Mansur
rendeu filmes que são, no mínimo, inusitados: já havia visto “Sexo Profundo”
(1981) há alguns meses e, na tarde de domingo, resolvi ver “Em Busca do Orgasmo”
(1981). Nossa, como este filme é ruim!
Além do enredo sobre um apicultor maluco que resolve criar
uma sociedade de mulheres-abelhas moralistas para dirimir as orgias que flagra
em seu trabalho camponês ser absolutamente estapafúrdio, tive acesso a este
filme numa cópia horrenda, quer misturava o mesmo com cenas inacabadas de outro
filme [“Loucura Erótica” (1983), que fora dirigido sob o pseudônimo Fernando
Ferro] e enxertos absolutamente inoportunos de sexo explícito, que tornavam a audiência
insuportável em seu sobejo de ininteligibilidade. Matilde Mastrangi está quase
irreconhecível de tão meiga. E a extração de erotismo a partir de um contexto
tão bizarro e cruel, no qual uma mulher castra um homem, ao chuveiro, com os
próprios dentes e afrodisíacos de cavalos são injetados em pretensos zangões
humanos é, para dizer o mínimo, infundada.
O filme me deixou perplexo: por mais odiável que ele seja,
há algo ali para ser investigado com mais cautela: é um filme repleto de paixão,
apesar das imposições das fodas que poderiam atrair o público. Tomara que eu
encontre uma cópia intacta do que fora pretendido pelo realizador. O engano
aqui é produtivo!
Wesley PC>
domingo, 7 de julho de 2013
“’TENHO SETENTA E TRÊS ANOS, POR ALTO TEREI VIVIDO, VERDADEIRAMENTE VIVIDO, UM TOTAL DE DOIS... TRÊS ANOS NO MÁXIMO’. E O SOFRIMENTO, O TÉDIO, QUANTO TINHAM DURADO? INÚTIL CANSAR-SE FAZENDO CONTAS: TODO O RESTO: SETENTA ANOS” (p. 254)
Quando comecei a ler “O Leopardo” (1957), do Giuseppe Tomasi
di Lampedusa, meu intuito dominante era refrear a angústia que me tomava de
assalto por causa de manifestações populacionais de cunho superficialmente
político que me desagradavam em razão de sua condução manipulatória midiática.
Por dentro, eu sabia que o livro ultrapassaria tal objetivo, sendo tanto
maravilhoso por si mesmo quanto numa comparação com a obra homônima que Luchino
Visconti realizou para o cinema em 1963 a partir dele, sem contar o efeito
pessoal concernente ao enfrentamento de uma paixão violenta que me toma de
assalto, sendo o seu depositário humano um rapaz que se assemelha tanto aos
personagens arrivistas que circundam o protagonista que se gaba de apontar as
lacerações sociais circundantes ao que ele descreveu como uma tendência
aristocrática em meu olhar sobre o mundo ao meu redor. Ele não é desprovido de
razão nesta acusação, mas a política do cotidiano não é algo tão dicotômico
quanto uns e outros pensam...
Oficialmente, falta-me apenas um capítulo para encerrar a
leitura do livro, o oitavo, posterior àquele que intitula-se “A Morte do
Príncipe” e que já não constava de sua magnífica versão cinematográfica.
Difícil optar pelo que é qualitativamente superior, o romance ou o filme: ambos
são tão emocionantes, tão sutis, tão delicados em seus contornos políticos...
O protagonista é um príncipe altivo e decadente, que recebe
o apelido do felino que consta do título. Representante de uma classe social em
decadência numa Itália em transformação (a época do romance é a segunda metade
do século XIX), ele acompanha com desconfiança e concomitante empolgação os
feitos de seu sobrinho Tancredi, que luta ao lado dos revolucionários
garibaldinos, a fim de comprovar a sua tese: “se queremos que tudo fique como
está, é preciso que tudo mude”. Apesar de nobre, ele resolve despojar a filha plebéia
– porém belíssima – de um novo-rico que fizera fortuna a partir de serviços
rurais pouco valorativos, como coletar esterco. A noiva dele, chamada Angélica,
inebria o príncipe e quase o faz esquecer-se dos motivos vis que se deslindam
sorrateiramente em relação ao noivado, mas, com o passar inclemente do tempo,
tudo se cala, tudo grita: o que há de ser feito é efetivamente feito, contra ou
a favor da vontade de quem quer que seja!
O filme tem mais de três horas. O livro menos de trezentas
páginas. Entre um e outro, o espírito adaptativo é fidelíssimo: em ambos, os
protagonistas são construídos lentamente, com riqueza de detalhes emocionais e românticos,
incluindo inclusive detalhes eróticos, como o fato de o príncipe nunca ter
visto sequer o umbigo de sua esposa, mesmo tendo mais de meia-dúzia de filhos
com ela. Numa passagem absolutamente genial do romance, inclusive, a definição
freudiana do que seria um “ato falho” é antecipada em dezenas de anos. A
narrativa é onisciente, conforme se constata na insigne citação que acrescentei
ao título desta publicação. E, quanto mais eu avanço em relação à conclusão do
livro, absolutamente inédita em relação ao soberbo filme que vi mais de uma
vez, mais constato que, no que tange ao meu parecer sobre as manifestações
enviesadas que motivaram o meu mergulho literário, o essencial já fora dito no
primeiro capítulo: “ – Nada se consegue com pum! pum! Não é verdade, Bendicò? ‘Ding,
ding, ding’, tocava por sua vez a sineta anunciando o jantar”. As onomatopéias falam
por si mesmas – e Bendicò é o nome do cachorro!
Wesley PC>
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