Eu juro que tentei evitar a menção ao adjetivo genial em
relação à minha apreciação de “48 Horas de Sexo Alucinante” (1986), a fim de
que meu primeiro contato com uma imersão do diretor José Mojica Marins no
cinema de sexo explícito não soasse perigosamente entusiástico, mas não pude
evitar: a conversão de uma obra sacana num manual pedagógico de superação
traumática das paranóias sexuais através do casamento me impressionou
sobremaneira, de maneira que não consigo classificar este filme como inferior a
“ótimo”.
No início do filme, vemos algumas imagens publicitárias que
comprovam o sucesso de “24 Horas de Sexo Ardente” (1984), realizado
anteriormente pelo mesmo diretor, com o intuito de enfrentar os modismos
pornográficos através da introdução do bestialismo. Percebemos neste prólogo o
interesse mui pessoal de uma mulher (Andréa Pucci), que logo saberemos ser uma
sexóloga de nome Margareth. Esta procura o cineasta José Mojica Marins e o
roteirista Mário Lima – interpretado pelos próprios artistas – para financiar a
realização de um filme com sexo explícito, correspondendo à desafiante maratona
erótica contida no título desta película. Um médico surge examinando os atores
dispostos a se submeterem a tal desafio. “Diga 69!”, diz ele a uma jovem, que
logo corrige a fórmula médica embasada no número trinta e três. Na seqüência
seguinte, diretor, roteirista e sexóloga explicam as regras do concurso de
fodas, que durará exatas quarenta e oito horas e premiará aquele que mais gozar
neste período. O juiz será um homossexual disfarçado de Calígula, que possui um
escravo particular que segura um ventilador, mas que tem dificuldades para ter
ereções. Um papagaio inconveniente também está no cenário entulhado de gente,
gritando expressões de baixo calão. Mulheres (e travestis) portam-se como
bandeirinhas de futebol, erguendo flâmulas verdes sempre que presenciam uma
ejaculação, vermelhas quando alguém broxava, e eventualmente se dispondo a
chupar os pênis cansados. Um destes
pertence a Sílvio Júnior, conhecido pelas obsessões glúteas que vivificou numa
cinessérie dirigida (sob pseudônimo) por David Cardoso. A fim de ganhar o
prêmio principal, ele está disposto até mesmo a se contaminar com o vírus da
AIDS, disposto a meter em qualquer cu, inclusive de homens. E é justamente ele
quem vence a competição (não vou mentir: eu estava torcendo por ele!), sintetizada
em menos de uma hora, enquanto o papagaio reclamava: “faltou a punheta!”. De
repente, o enredo detém-se numa memória traumática da infância da doutora
Margareth, que fora espancada pela mãe quando observava os bovinos de sua
fazenda em pleno coito. Ela cresce impedida de ter orgasmos, desejando ser
penetrada por um touro. Reclama que sua vida não tem sentido e suplica ajuda
aos técnicos cinematográficos, que a despem e a inserem numa aça embalsamada,
com a promessa de que ela terá atendida a sua fantasia zoofílica. Quem aparece vestido
de touro, entretanto, é o ex-noivo da sexóloga que, após penetrá-la e conseguir
fazer com que ela goze, é rejeitado pela mesma quando ela descobre a farsa. Mais
tarde, sozinha, ela percebe o que aconteceu e pede desculpas ao noivo, marcando
encontro com ele num parque público, quase transando na relva, até que são
expulsos por uma velha (na verdade, um home vestido de mulher) escandalizada com
a imoralidade da situação. Corte para o interior do motel Bom Voyage, onde o
casal trepa. Na seqüência seguinte, eles convidam o diretor e o roteirista do
filme para serem os padrinhos de seu casamento, não sem antes de autorizar o
que fora filmado anteriormente para exploração comercial. “Um dinheirinho não
faz mal a ninguém, né?”, comemora Mário Lima. Segue-se uma cantoria num
restaurante, em que, ao som de “El Dia que me Quieras”, Margareth dança com
Mário, até que Mojica adverte seu noivo de que, se ele não se apressar, pode
perder a mulher para outro. O noivo se levante, dança com sua esposa, eles
cortam o bolo, uma marcha nupcial irrompe na banda sonora e a palavra “fim”
irrompe, em sistema MS-DOS, na tela. Tem como não tachar este percurso
fílmico-pornográfico de genial?
Peço perdão por sintetizar a trama integral do filme, mas
não consegui me conter: o roteiro metalingüístico desta obra é tão
surpreendente e impressionante que creio ter encontrado o projeto de meu futuro
doutorado durante a sessão, na qual estive acompanhado por um amigo/vizinho
recém-casado, que ficou tão contente quanto eu com a qualidade positiva do
filme. Quem diria? Estou em estado de graça: a Boca do Lixo consegue me
encantar, até mesmo quando estampava a sua própria decadência!
Wesley PC>