Acabei de comentar com minha mãe: “posso desistir da viagem e
ficar aqui contigo?” (risos) Era um chiste, mas não desprovido de verdade: não
sou um bom viajante nem tampouco acho ruim ser sedentário. Porém, o fluxo da vida
(especialmente, a acadêmica) é outro, bem outro...
Na tarde de hoje, vi a parede da casa do pai de um amigo sociólogo
completamente pichada: ele fora aprovado num Mestrado na USP, e seus parentes
ficaram orgulhosos, por mais previsível que fosse a sua aprovação. Ele nasceu
para correr o mundo. De minha parte, a tendência é inversa: penso que, se eu
conseguir ficar velho, desejarei morar numa cidadela do interior...
Vendo “Novas Sacanagens do Viciado em C...” (1985, de David
Cardoso), confirmei isso. Digo mais: pro incrível que pareça, o filme é melhor
que a primeira parte, o diretor está mais maduro, o filme é muito melhor
resolvido narrativamente...
Se, no em “O Viciado em C...” (1984, também dirigido por
David Cardoso), a obsessão do matuto Zé Carlos (Sílvio Jr.) é apenas um
pretexto para diversas seqüências de sexo explícito tramaticamente incoerentes,
nesta continuação, o roteiro é muito mais consistente: o protagonista
abandonara a travesti com quem se casara anteriormente porque ela havia lhe
transmitido gonorréia e peidava muito. O nome dela era Pérola. Agora, ele está
com Esmeralda, que, segundo o pai preconceituoso de Zé Carlos, “tem um pau
ainda maior que o da outra!”. A mãe, por sua vez, não acha estranho a
para-homossexualidade do filho. O estimula, inclusive. Entretanto, quando o
casal tenta se casar sob as bênçãos da Igreja Católica, são hostilizados pelo
padre, que o denunciam à delegacia de polícia como “cu-munistas”. O movimento
bucetista intervém com cartazes dizendo que “o cu é apenas para cagar”, mas o
próprio diretor do filme, que se disfarçara sob o pseudônimo Roberto Fedegoso,
surge como um advogado afetado que traz um ‘habeas corpus’ provando que “não é
crime dar a bunda”. Daí por diante, os moradores do vilarejo experimentarão
sabores e dissabores do sexo anal: uma moçoila espevitada resolve enfiar uma
vela no ânus de seu noivo (interpretado pelo filho mais velho do diretor, James
Cardoso) apenas porque “nunca tinha visto um cu pegando fogo”, enquanto a mãe
de Zé Carlos se recusa a dar o bogas para o seu marido. Ao final, um quarteto
de fodedores amigos fugirá da ira das mulheres trocadas por travestis...
É um filme bastante irregular, conforme se percebe nesta
breve sinopse, mas possui diálogos divertidíssimos, uma ridícula participação
do humorista Marcelo de Nóbrega, e diálogos inspirados, como quando o delegado
lamenta os direitos humanos abusivos trazidos à tona com o fim da ditadura
militar ou quando uma rapariga reclama que, ao invés de estar apaixonado por
ela, seu namorado está de olho apenas em sua xoxota. Ele não se faz de rogado: “e
o que é que tem? Boceta também é cultura!”. Eu me rendi. Gargalhei: o filme é
muito bom!
E, hoje, ainda hoje, daqui a algumas horas, viajo para a
Paraíba, onde defenderei as virtudes militantes – ainda que involuntárias – do cinema
de David Cardoso, este tesudo da foto, hoje no fulgor de seus setenta anos, vivendo no interior do Mato Grosso do Sul. Lembrando da blague envolvendo a travesti
Esmeralda, quando se confessa filiada ao PC. “Tu és comunista?”, surpreende-se
o delegado, “Não, eu pertenço ao Partido do Cu”. Até o meu retorno, crianças!
Wesley PC>