sábado, 30 de novembro de 2013

EM PROL DA EQÜIDADE INTRA-SISTEMÁTICA!

Estava a ler um livro polêmico de Gerard Lenne contra "o aparato burguês do cinema oficial" quando me deparei a um elogio ao clássico subestimado "O Sal da Terra" (1954, de Herbert J. Biberman), segundo o autor, o único filme que pode ser efetivamente realizado por comunistas neste contexto opressor...

Por mais que muitos reclamem que o filme seja datado e/ou que a narrativa esteja subsumida na propaganda sindical, achei o filme lindo em seu vigor autocrítico: para além do macro-conflito entre trabalhadores e patrões, há relações conflituosas internas entre mineiros e donas-de-casas, entre imigrantes mexicanos e nativos estadunidenses que apoiam as suas causas sociais. É um filme extraordinário enquanto discurso, ainda que, de fato, seja atravessado por uma ou outra obviedade tramática (no sentido profético, inclusive, visto que, infelizmente, ainda hoje, as contradições que o filme combate se repetem)...

Não à toa, a magnífica protagonista interpretada por Rosaura Revueltas resiste à tentação de ofertar aos espectadores um "final feliz": o que ela nos luga é uma batalha vitoriosa num enfrentamento perpétuo, que visa à união entre as pessoas. Nesse sentido, por mais submissa que ela pareça ser em relação a um marido que esquece a data de seu aniversário por causa das obrigações grevistas, ela sabe erguer a voz e quase ficar afônica quando necessário. E, no instante em que se arrepende de ter desejado o aborto de seu terceiro filho, o filme é também emocionalmente engrandecido. "O Sal da Terra" faz jus ao seu título mítico!

Wesley PC>

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O FIM DE ANO ESTÁ CHEGANDO, A TRISTEZA ARQUETÍPICA ESTÁ VOLTANDO, EU NÃO ESTOU SOZINHO E O BRUCE LABRUCE É GENIAL!

Apesar de sempre ter intuído que o Bruce LaBruce era genial em sua militância 'queer', decepcionei-me com  a sua abordagem em "O Exército dos Frutas" (2004, comentado aqui), tendente a certa legitimação da pornografia, pelo viés legitimador e dubiamente anti-masturbatório. Em minha viagem à Paraíba, conheci um maranhense um tanto emburrado que estuda as contradições e paradoxos discursivos da pornografia na filmografia deste gênio canadense. A fim de comemorar o seu aniversário recente, resolve imergir numa mini-maratona com dois de seus filmes e, apesar de ter me deslumbrado com a genialidade beatífica e pós-moderna de "Otto; ou Viva Gente Morta" (2008), tenho que tecer algumas palavras elogiosas e devotas ao primevo, confessional e emocionalmente magistral "Super 8 1/2" (1994):

No filme, o próprio diretor interpreta a si mesmo, inclusive em sua fase juvenil, inclusive como dublê de bunda. Um gigolô recorrente, apelidado Johnny Eczema (Mikey Mike) comenta e protagoniza suas obras, enquanto quase tudo o que é mostrado é atribuído a uma colaboradora lésbica do diretor (Stacy Friedrich), que exibe seus filmes prototípicos, antes da onda de VHS que mediocrizou por completo a verve pornográfica militante.

Num dos filmezinhos, "Submit to my Finger", duas misoandras assaltantes de banco dão carona a um homem de muletas na estrada. De repente, despem-no, obrigam-no a chupar um salame, enfiam o cano de uma arma em seu cu, passam talco em seu pênis, vestem-no numa fralda e lançam-no de volta à estrada, rindo. Gostei muito do que vi, mas também fiquei perplexo e impressionado!

Não obstante haver uma referência felliniana imediata desde o título - que se confirma na abordagem das "lembranças inventadas" - a grande obra emulada neste filme é "My Hustler" (1965, de Andy Warhol), citado em mais de uma seqüência. Ao final do filme, Bruce LaBruce participa de uma conferência de imprensa, onde vaticina que "a pornografia é a onda do futuro". Dito e feito! Mas ele soube tirar partido militante disso muito bem: ele é um legítimo cineasta 'queer'!

Wesley PC>

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O PRECONCEITO MACHISTA É ALGO INTERMITENTE?

Não vou responder a esta pergunta. Ela é daquele tipo que não se responde, justamente. Ao invés disso, prefiro indicar “O Sexo das Bonecas” (1974), surpreendente filme do execrável diretor Carlos Imperial. Surpreendente porque, antes de mergulhar nas pornochanchadas misóginas que ele protagonizará ou realizará nos anos seguintes, aqui, a sua adaptação do texto teatral de Fernando Melo – originalmente intitulado “Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irará” – respeita os seus personagens, que, apesar do pendor estereotípico, são convincentes, interessantes...

Servindo-se de canções compostas por Zé Rodrix e cantadas, entre outros, por Sidney Magal, os dez primeiros minutos do filme não possuem diálogos: somos apresentados aos três personagens através de letras que mencionam os desencontros românticos de Arlequim, Colombina e Pierrô, encarnados, respectivamente, nas presenças de Mário Gomes (“ele”), Arlete Salles (“ela”) e Nestor de Montemar (“o etc.”): o primeiro é um rapaz interiorano que vem estudar Medicina no Rio de Janeiro; a segunda uma prostituta doméstica; e o terceiro, um enfermeiro homossexual que se apaixona pelo primeiro e se frustra com a sua ingenuidade, logo convertida em esperteza de gigolô. Quando o primeiro se apaixona pela segunda, ele decide apresentá-la ao terceiro como sua noiva (e ele como o seu tio-avô), o que desencadeará a conclusão em tom pastelão do filme. Ainda assim, preciso parabenizar o Carlos Imperial pelo tom gracioso do roteiro...

Apesar do título indecoroso e da forçação de barra erótica, o filme não é de todo desrespeitoso em sua designação do personagem do pederasta, que se defende das acusações inclementes contra os seus hábitos sexuais com a argumentação de que nunca teve opção e, eventualmente, exclamando: “se a Greta Garbo teve uma vida tão enrolada quanto a minha, coitadinha...!”. Mário Gomes, no auge de sua juventude, está muito bonito e parecido com alguns modelos reais, cujos diálogos e ações de ingenuidade ensaiada são deveras similares. Acho que foi isso o que mais me chamou a atenção no filme, aliás: a identificação com situações reais de minha própria vida, tendente à manutenção do gigolonato alheio!

A crítica da época detestou o filme, por conta de sua pífia imitação da peça original, mas eu, por desgostar sobremaneira da cafajestice do diretor e roteirista/adaptador (cujas obras são exibidas em pôsteres no bordel onde a colombina Gracinha vive), terminei sendo deveras indulgente em relação ao filme, que me surpreendeu pelos poucos cortes: a montagem é quase teatral, em seus longos planos, dependentes dos esforços actanciais dos dois astros masculinos e das tensões sexual e dramática que se instauram entre eles. Eu gostei do filme: sou suspeito e culpado!


Wesley PC> 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

DEPOIS DE UM DOMINGO MUXOXO, UMA SEGUNDA-FEIRA DE POSSIBILIDADES...

Apesar de eu não ter gostado muito do 'trailer' de "A Ninfomaníaca" (2013), o novo filme de Lars Von Trier, esta vagina em primeiríssimo plano, logo no comecinho, chama a atenção. Por mais subliminar que seja a imagem, ela se destaca, ela é imponente, ela está consolidado aos intentos chocantes e auto-analisadores do diretor, que, aqui, parece continuar o tratamento psicanalítico auto-infligido que foi levado ao seu píncaro aburguesado em "Anticristo" (2009), de que eu também não gosto muito.

Oficialmente, portanto, as minhas expectativas estão confinadas a um interesse pela continuidade observacional da obra deste cineasta - que, queiramos ou não admitir, é um gênio! Enquanto isso, a segunda-feira nasce aos poucos, jorrando bons augúrios sobre mim: que eles me tomem de assalto que nem esta boceta ansiosa por atividade sexual frenética...

Wesley PC>

domingo, 24 de novembro de 2013

“EU HEI DE ENTRAR NO CÉU, NEM QUE SEJA DE PORRETE!”

Hoje eu dedicarei o dia ao cineasta Roberto Santos (1928-1987): motivado por algum instinto, encasquetei de ver “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (1965) logo pela manhã. E não errei: o filme é maravilhoso, apesar de duro, difícil, árduo, triste, diferente das sagas sertanejas que marcaram o Cinema Novo. O protagonista, por exemplo, é um fazendeiro rude que, após ser espancado por fazendeiros rivais, torna-se um beato, devoto de uma variação interiorana do Catolicismo, com o desejo premente de imitar a mansidão supostamente associada ao coração manso de Jesus Cristo... Amei o filme!

Leonardo Villar está soberbo como o protagonista e Jofre Soares também está ótimo como o antagonista que instaura o conflito final. Mas é Maurício do Valle quem se destaca quando aparece como um padre bruto, que impede que homens valentes invadam a sua igreja para bater num homem. O filme é cerceado pelo tema da vingança. E pela tentação, pela violência que rodeia inclementemente quem tem fé. Um filme que veio a calhar!

Juro que estou me esforçando para tentar analisar objetivamente o filme, mas precisarei revê-lo: além de o filme ser narrativamente difícil, ritmicamente lento, a sua apreensão temática foi permeada por uma identificação que beira o langor: eu também terei a minha hora e a minha vez, penso. A trilha sonora de Geraldo Vandré é magistral, antológica!

Para o restante do dia, agoniado que estou com o que o filme me causou, planejo ver “O Homem Nu” (1968) e “Um Anjo Mau” (1971), ambos do mesmo diretor. Hoje é dia de Roberto Santos, de quem recentemente vi o seminal “O Grande Momento” (1958), inclusive!


Wesley PC>