Recebi mensagens de amigos consternados com a notícia, o que
me motivou a homenagear este brilhante cineasta de alguma forma. Decidi ver o
desagradado longa-metragem ficcional “Faustão, o Cangaceiro do Rei” (1971), um
de seus poucos filmes que eu ainda não tivera a honra de conhecer. Enquanto
transformava tal decisão num textículo honorífico, minha mãe adentra a casa, me
abraça e beija a minha testa, agradecida pelo favor que a fiz – na verdade,
muito mais que uma obrigação doméstico-filial. Senti uma felicidade extrema
neste instante, ao passo em que lidava com a angústia de imaginar o quão
dolorosa deve ter sido a morte do cineasta...
No texto que redigi, afirmei que o cinema estava de luto por
causa desta incomensurável perda, mas, ao invés de ficarmos lamentando,
convinha restituir a perenidade da memória deste artista genial, (re)vendo o
seu magnânimo corpus fílmico. E, nesse sentido, escolhi aquele que dizem ser o
seu pior filme como prova de que, na filmografia de um autor de cinema, até
mesmo as obras menores dizem muito, comunicam bastante acerca de suas
idiossincrasias, valores, paixões, defeitos e anseios...
A assunção final deve muito a Orson Welles, que, certa
feita, afirmou que “toda obra é boa, na medida em que exprime o homem que o
criou”. Este cineasta, inclusive, foi o mesmo que transformou em filme
incompreendido (inclusive por mim) a trama shakespeareana de que Eduardo
Coutinho se valeu para escrever o roteiro de “Faustão, O Cangaceiro do Rei”. A
obra wellesiana que eu preciso desesperadamente rever chama-se “Falstaff – O Toque
da Meia-Noite” (1965). E, a despeito do que eu previra, amei o subjugado filme
ficcional coutiniano!
Protagonizado por um Eliezer Gomes em estado de graça – ator
este que me impressiona cada vez mais pelo talento e pela versatilidade
dramática -, “Faustão, o Cangaceiro do Rei” inicia-se no instante em que o jagunço
Faustino Guabiraba interpõe-se numa briga de coronéis nordestinos, Pereira e Araújo,
cujas famílias arengavam há décadas. Faustino resolve tornar o filho do coronel
Pereira seu refém e, quando um capanga do mesmo chega para lhe trazer o
dinheiro do resgate, o rapaz, chamado Henrique, resolve ficar entre os
cangaceiros. Estava com raiva do pai, preferira ficar ao lado daquele que lhe
permitira experimentar um orgasmo em companhia da prostituta preferida pela
primeira vez...
Com o passar do tempo, tanto o coronel Pereira quanto seu
rival Araújo são mortos. Muitos empregados de ambas as famílias são
assassinados, bem como homens de confiança de Faustino, que, alheio às questões
de honra vingativa que causaram o massacre, badalava o sino de uma igreja,
comemorando: “bendito quem morre a sua morte; maldito quem morre a morte dos
outros!”. Henrique, o filho (Jorge Gomes), torna-se, por herança, o novo coronel
daquela região. Era o novo mandatário do lugar e, como tal, exige que Faustino
vá embora. Oferece-lhe dinheiro em troca de sua fuga, mas o cangaceiro, de fala
sábia, cordial e poética, obviamente recusa. Uma pendenga intensa se instala,
deixando o bando de Faustino encurralado. Ele escolhe Henrique como seu executor, mas este, covarde, deixa-se esfaquear, num melindre traiçoeiro. Faustino
é cravejado de balas pelos aliados do coronel. A palavra “fim” surge na tela. E
eu e minha mãe quedamo-nos impressionados com a qualidade dramatúrgica do
filme: como puderam falar tão mal deste filme?! É ótimo!
Ao término da sessão, perguntei-lhe o número de algum canal
de notícias. Ela quis saber o motivo de minha curiosidade, visto que raramente
assisto a telejornais. Eu disse-lhe que o diretor do filme que acabáramos de
ver havia sido terrivelmente assassinado. Expliquei-lhe como. No mesmo
instante, minha cunhada recebeu uma urgente convocação telefônica de suas
irmãs: um parente bêbado estava quebrando tudo em sua casa! Eduardo Coutinho
jamais será esquecido... Um brasileiro absolutamente genial!
Wesley PC>
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