domingo, 2 de fevereiro de 2014

“DEVEMOS RESPEITAR AS PROFISSÕES PERIGOSAS DO SERTÃO: QUEM FAZ A VIDA E QUEM FAZ O CANGAÇO, TEM QUE ARRESPEITAR!”

Minutos antes de eu ler que o cineasta Eduardo Coutinho havia sido assassinado a facadas, aos 81 anos de idade, por seu filho esquizofrênico, fazia muito calor onde moro. De repente, começou a chuviscar e, enquanto eu me recuperava do que acabara de ler, levantei-me para desestender os vestidos de minha mãe, que estavam no varal. Voltei para diante do computador e fiz questão de pesquisar em mais de um ‘site’ de notícias se era verdade o que eu lera antes: Eduardo Coutinho fora mesmo barbaramente assassinado. Estava fisicamente morto, portanto!

Recebi mensagens de amigos consternados com a notícia, o que me motivou a homenagear este brilhante cineasta de alguma forma. Decidi ver o desagradado longa-metragem ficcional “Faustão, o Cangaceiro do Rei” (1971), um de seus poucos filmes que eu ainda não tivera a honra de conhecer. Enquanto transformava tal decisão num textículo honorífico, minha mãe adentra a casa, me abraça e beija a minha testa, agradecida pelo favor que a fiz – na verdade, muito mais que uma obrigação doméstico-filial. Senti uma felicidade extrema neste instante, ao passo em que lidava com a angústia de imaginar o quão dolorosa deve ter sido a morte do cineasta...

No texto que redigi, afirmei que o cinema estava de luto por causa desta incomensurável perda, mas, ao invés de ficarmos lamentando, convinha restituir a perenidade da memória deste artista genial, (re)vendo o seu magnânimo corpus fílmico. E, nesse sentido, escolhi aquele que dizem ser o seu pior filme como prova de que, na filmografia de um autor de cinema, até mesmo as obras menores dizem muito, comunicam bastante acerca de suas idiossincrasias, valores, paixões, defeitos e anseios...

A assunção final deve muito a Orson Welles, que, certa feita, afirmou que “toda obra é boa, na medida em que exprime o homem que o criou”. Este cineasta, inclusive, foi o mesmo que transformou em filme incompreendido (inclusive por mim) a trama shakespeareana de que Eduardo Coutinho se valeu para escrever o roteiro de “Faustão, O Cangaceiro do Rei”. A obra wellesiana que eu preciso desesperadamente rever chama-se “Falstaff – O Toque da Meia-Noite” (1965). E, a despeito do que eu previra, amei o subjugado filme ficcional coutiniano!

Protagonizado por um Eliezer Gomes em estado de graça – ator este que me impressiona cada vez mais pelo talento e pela versatilidade dramática -, “Faustão, o Cangaceiro do Rei” inicia-se no instante em que o jagunço Faustino Guabiraba interpõe-se numa briga de coronéis nordestinos, Pereira e Araújo, cujas famílias arengavam há décadas. Faustino resolve tornar o filho do coronel Pereira seu refém e, quando um capanga do mesmo chega para lhe trazer o dinheiro do resgate, o rapaz, chamado Henrique, resolve ficar entre os cangaceiros. Estava com raiva do pai, preferira ficar ao lado daquele que lhe permitira experimentar um orgasmo em companhia da prostituta preferida pela primeira vez...

Com o passar do tempo, tanto o coronel Pereira quanto seu rival Araújo são mortos. Muitos empregados de ambas as famílias são assassinados, bem como homens de confiança de Faustino, que, alheio às questões de honra vingativa que causaram o massacre, badalava o sino de uma igreja, comemorando: “bendito quem morre a sua morte; maldito quem morre a morte dos outros!”. Henrique, o filho (Jorge Gomes), torna-se, por herança, o novo coronel daquela região. Era o novo mandatário do lugar e, como tal, exige que Faustino vá embora. Oferece-lhe dinheiro em troca de sua fuga, mas o cangaceiro, de fala sábia, cordial e poética, obviamente recusa. Uma pendenga intensa se instala, deixando o bando de Faustino encurralado. Ele escolhe Henrique como seu executor, mas este, covarde, deixa-se esfaquear, num melindre traiçoeiro. Faustino é cravejado de balas pelos aliados do coronel. A palavra “fim” surge na tela. E eu e minha mãe quedamo-nos impressionados com a qualidade dramatúrgica do filme: como puderam falar tão mal deste filme?! É ótimo!

Ao término da sessão, perguntei-lhe o número de algum canal de notícias. Ela quis saber o motivo de minha curiosidade, visto que raramente assisto a telejornais. Eu disse-lhe que o diretor do filme que acabáramos de ver havia sido terrivelmente assassinado. Expliquei-lhe como. No mesmo instante, minha cunhada recebeu uma urgente convocação telefônica de suas irmãs: um parente bêbado estava quebrando tudo em sua casa! Eduardo Coutinho jamais será esquecido... Um brasileiro absolutamente genial!

Wesley PC>

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