E, assim, eu mergulho implacavelmente nas duzentas e
sessenta e sete páginas de “A Caixa-Preta” (1987), do israelense Amós Oz, que
me foi emprestado por um amigo na tarde de quarta-feira, após eu ter-lhe
enviado uma definição de Hamid Naficy (citando Linda Kaufman) sobre as
associações inatas entre a epistolaridade e o desejo.
O romance em pauta é epistolar: todo ele é construído a
partir da correspondência entre os personagens, ao longo de meses (quiçá anos,
visto que ainda estou no meio da estória). Os protagonistas são o acadêmico
Alexander Guideon e a ninfômana Ilana. Eles se divorciaram, depois que ele
descobriu o seu compêndio açambarcante de traições. Ela fazia sexo com outros
porque ansiava pela atenção dele. Um filho nasceu, Boaz, que, aos 16 anos,
lindo como um arcanjo bélico, é como se fosse um gigante, beirando os dois
metros de altura. Mal sabe escrever e é deveras agressivo, porém terno com as prostitutas,
conforme antevemos num de seus dez mandamentos pessoais. Seu padrasto Michel
Sommo, fanático religioso, faz o que pode para mantê-lo longe das prisões, mas
ele quer viajar, “ganhar o seu próprio sustento com o suor de seu rosto”, como
está nas Escrituras Sagradas. O advogado germânico-israelita Manfred Zakheim interpõe-se
na trama, como representante legal (e estranhamente submisso) do professor Guideon.
Dinheiro é o elemento que dá a tônica afetiva e relacional entre diversos estes
personagens, mas a amargura, o remorso, o amor incontido e o desejo sexual
também os preenchem...
Dizia a citação naficiana enviada vis SMS: "Exílio e epistolaridade são constitutivamente ligados porque ambos são motivados pela distância, separação, ausência, perda e anseio de suplantar as interrupções múltiplas. Qualquer que seja a forma da epístola (uma carta, um bilhete escrito num guardanapo, uma conversa ao telefone, uma gravação ou mensagem eletrônica), ela se torna, nas palavras de Linda Kaufman, 'um deslocamento metafórico e metonímico do desejo' - o desejo de estar com um outro e se reimaginar noutro lugar ou noutro tempo".
O amigo que me emprestou o romance disse-me que o autor é um de seus favoritos porque, quando a sua irmã tentou se suicidar, atirando contra a própria cabeça, tinha outro romance de Amós Oz nas mãos. Isso teria prejudicado a sua estrutura familiar – inclusive financeira – peremptoriamente. Felizmente, a moça não morreu: procriou, estuda, talvez seja eventualmente feliz. O amigo em pauta, por sua vez, é constantemente atormentado por acusações de arrogância. Não acho que seja o caso. Mas estou gostando muito do romance!
O amigo que me emprestou o romance disse-me que o autor é um de seus favoritos porque, quando a sua irmã tentou se suicidar, atirando contra a própria cabeça, tinha outro romance de Amós Oz nas mãos. Isso teria prejudicado a sua estrutura familiar – inclusive financeira – peremptoriamente. Felizmente, a moça não morreu: procriou, estuda, talvez seja eventualmente feliz. O amigo em pauta, por sua vez, é constantemente atormentado por acusações de arrogância. Não acho que seja o caso. Mas estou gostando muito do romance!
Não há como não mencionar a sagacidade do título, que remete
a um aparato aeronáutico que permite que acidentes sejam reconstituídos, a fim
de se descubram as suas causas. É uma trama emocionante, mas o que mais me
espanta no romance é a sexualidade incandescente do jovem Boaz, expressa
através de suas cartas repletas de erros ortográficos. E os clamores por (in)tolerância
acerca dos diversos povos que vivem em Israel, interesse subjacente – porém onipresente
– da trama. Brilhante descoberta: mergulharei o quanto antes na segunda metade!
Wesley PC>
Nenhum comentário:
Postar um comentário