quarta-feira, 23 de abril de 2014

NÃO IMPORTA QUÃO EMBARALHADAS ESTEJAM AS IDÉIAS. COM O INCENTIVO CERTO, CHEGA-SE À CONCLUSÃO DE QUE TUDO SE AJEITA, POIS “ATÉ MESMO AS MÃOS DIREITA E ESQUERDA, SE MOVIDAS AO MESMO TEMPO, CHEGAM AO MESMO LUGAR”...



Acabei de ver um filme dirigido por Ody Fraga, o genial roteirista responsável pelo argumento da maioria dos filmes da Boca do Lixo. A produção em pauta tem como título “Reformatório das Depravadas” (1978) e tinha tudo para ser ruim e/ou aproveitadora, se não fosse o talento supremo por detrás de sua feitura: a partir da oportunista idéia de uma prisão disfarçada de escola, no qual uma professora nazista tortura garotas enviadas por suas famílias para serem corrigidas moralmente, o diretor e roteirista incita as discussões sobre democracia de uma forma absurdamente ousada, nos sentidos mais extremos de ambas as palavras!

No filme, Frau Gelli (Lola Brah) é uma mulher fria que fora educada entre 1935 e 1940, na Alemanha. Com a ajuda de dois capachos, ela tortura as suas alunas, a pedido de suas famílias, a fim de obter os nomes dos homens que as defloraram. Estes são posteriormente mortos em acertos de contas pequeno-burgueses. Isso, porém, é o que menos interessa no filme. A alcagüete nipônica interpretada pela bela Misaki Tanaki e a beleza de Nicole Puzzi se destacam numa trama em que o inicialmente insípido personagem de João Paulo Ramalho rouba a cena: ele é um professor que, quando interrogado por que leciona no educandário da Frau Gelli, responde secamente que é porque lhe pagam muito bem. A rígida diretora pergunta-lhe, então, se ele não ama a sua vocação, ao que ele retruca: “amo-a como qualquer um ama os seus trabalhos, e pelos mesmos motivos: pois gosto ainda mais de dinheiro”. Era uma bravata, que, mais à frente, assumirá a faceta inconformista mais ostensiva, sendo o referido professor uma espécie de anarquista, conforme a citação constante no título desta publicação deixa evidente. Além de ter caso com uma professora omissa, ele é seduzido por uma das lúbricas alunas, que, nos outros tempos livres, seduzem um empregado deficiente do educandário para que este lhes consiga gigolôs, para que possam saciar seus instintos sexuais animalescos. E eu impressionado com esta bagaceira toda: é um filme genial, mesmo não sendo necessariamente bom!

Para piorar, a cópia do filme a que tive acesso tinha uma particularidade tosca e inaudita: malgrado a ordem das cenas parecer correta, a banda sonora estava remontada aleatoriamente, ou melhor, numa ordem proposital mas incondizente com o que estava sendo visto. Por que fizeram isso? Reminiscência da censura ditatorial, talvez, que ainda hoje se incomoda deveras com o pendor contracultural deste filme? Vale a pena acrescentar que o desfecho é soberbo em seu realismo: depois de assassinar Frau Gelli com um tiro na testa, uma das alunas [Solange, a mais espevitada, claro! ( interpretada por Lucy Mafra)] foge e permite que as demais colegas consigam também estar livres. Como cometera um crime, entretanto, ela é presa pela polícia. Ody Fraga sabia brincar muito bem com as exigências censório-discursivas e mercadológicas do período. Ele é um gênio, pura e simplesmente!

Wesley PC>

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