quinta-feira, 26 de junho de 2014

IRRITAÇÃO GODARDIANA? DE JEITO NENHUM!

Há pouco, vi uma truncada entrevista (para)televisiva com o diretor Jean-Luc Godard, realizada pelo cineasta Alexander Kluge. Pelo que pude compreender, esta foi lançada como um curta-metragem, sob o título “Amor Cego – Conversa com Jean-Luc Godard” (2001), mas a mesma irritou-me sobremaneira. Por mais valioso que seja o entrevistado, tanto por sua história intrínseca de colaboração cinematográfica quanto pelo arcabouço cinefilico, o entrevistador presunçoso ficou predominantemente restrito a questões de cunho filosófico exibicionista, como: “quem envelhece primeiro: o olho ou o ouvido?”. O entrevistado saiu-se bem: “do ponto de vista físico, eu não sei” (risos), mas prosseguiu na condução existencial da questão, o que felizmente contornou o tom pernóstico da questão, mas... Puxa, esse é o tipo de pergunta que se faz a um realizador do quilate de Jean-Luc Godard? Tem cabimento vender um treco confuso e/ou amorfo como este como curta-metragem “artístico”? Será que ninguém percebeu que a voz altissonantemente sobreposta da tradutora Ulrike Sprenger exaspera? Será que tudo isso é de propósito? Talvez eu esteja espectatorialmente equivocado, claro, mas detestei este sub-arremedo de filme, urgh!

Em defesa da genialidade potencial do diálogo, dois tópicos de defesa: primeiro, a magistralidade do título que traz à tona uma expressão vinculada ao dilema de amar (e falar sobre) filmes que não se pode ver, por estarem proibidos ou desaparecidos, que tem muito a ver com o contexto de censuras em que Jean-Luc Godard atuou como crítico. Inclusive, na sua fala, há um momento em que ele confessa que, de repente, percebeu que, até o dia em que nascera, em 3 de dezembro de 1930, sua mãe tinha visto apenas filmes mudos, o que o leva a discorrer sobre a incipiência de hierarquias na preferência fílmica (ao contrário do que há na Literatura) e sobre a desnecessidade de se diferenciar receptivamente filmes mudos e sonoros, salvo pela questão técnica; segundo, a imagem que ostenta esta publicação, uma fotografia que Alexander Kluge mostra a Jean-Luc Godard, a fim de demonstrar a possibilidade de roteirização da expressão que intitula o filme, com base na trama imaginária de um garotinho que ajuda o pai, caminhoneiro e cego, a guiar o seu veículo de carga. Um ponto de partida emocionante e genial! Pena que isso se torne irritante quando o entrevistador pergunta ao entrevistado se ele teria vontade de conduzir uma continuação para “Alemanha, Ano Zero” (1948, de Roberto Rossellini). Será que isso foi uma piada de mau gosto? Será que Alexander Kluge não sabe da existência de “Alemanha Nove Zero” (1991), do próprio Jean-Luc Godard, que adapta a angústia do garotinho Edmund para os dias atuais, em versão adulta? Detestei o curta-metragem (sic) klugeano, mas Jean-Luc Godard é genial – e lúcido – pura e simplesmente!

 Wesley PC>

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