sábado, 15 de fevereiro de 2014

DE QUANDO É NECESSÁRIO (DIGO, PRECISO) REPENSAR...

Ter finalmente visto aquele que os críticos consideram a obra ozuniana suprema deixou-me um tantinho angustiado. Não necessariamente porque eu não achei que este seja o melhor filme de Yasujiro Ozu (o que é irrelevante, já que seus filmes se encadeiam minuciosamente e são quase todos sutilmente geniais), mas porque senti como se eu estivesse emocionalmente blindado durante a sessão. Mais à frente, constatei que isso também não era problema: meu amigo Jadson concordou comigo que este é um filme cujos efeitos reais surgem a posteriori. Dito e feito...

Quando eu voltava para casa com alguns amigos, após a sessão, testemunhamos um acidente motociclístico: a fim de evitar o atropelamento de um cachorro, um casal se joga no chão. Ambos se machucam bastante e os amigos que estavam comigo no automóvel saem para ajudá-los. O motorista do veículo em que eu estava leva a garota ferida em casa e, alguns minutos depois, ele se despede de mim, perguntando o nome do cachorro que latia diante de meu portão. Em sua casa, talvez uma mulher querida esteja a morrer...

Não consegui dormir quase nada nesta noite, tanto quanto os personagens na cena mostrada em fotograma, quando têm problemas de sono por causa de um jovem casal em lua-de-mel, no hotel de luxo em que estavam... Imagens bonitas e/ou preocupantes envolvendo-me em relação a meus amigos misturavam-se em minha cabeça, enquanto prestava atenção à minha mãe adoentada, que dormia a meu lado. Folheei um livro sobre o cineasta japonês que tinha em casa ["O Anticinema de Yasujiro Ozu", de Kiju Yoshida], mas discordei das observações repetitivas do autor, o que não impediu que eu me visse relendo com avidez alguns truísmos. Exemplo: "o que de fato não se pode esconder é que a condição humana nos obriga a fingir sempre para poder continuar a viver de modo 'normal' neste mundo transbordante de caos" (página 196). E, assim, alguns ressentimentos se misturam ao anseio de ser uma pessoa melhor para mim e para os outros. Hora de corrigir os primeiros e focar no segundo! Sempre...

Wesley PC>

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A ONIPRESENÇA ONÍRICA:

Antes de dormir, assisti ao curta-metragem “O Dia da Estréia de Close-Up” (1996), curta-metragem inocente de Nanni Moretti sobre a sua insatisfação diante dos avassaladores números de bilheteria de arrasa-quarteirões hollywoodianos no mesmo final de semana em que um cinema que gerencia promove a arrebatadora estréia de “Close-Up” (1990), clássico metalingüístico do iraniano Abbas Kiarostami. Quase ninguém vai ver este maravilhoso filme, o que faz com que o cineasta italiano tenha pesadelos...

Enquanto dormia, sonhei que minha mãe aparecia em minha casa com uma irmã adulta (com pai e mãe registrados) que eu não conhecia. Morávamos juntos eu, minha mãe e meus dois irmãos mais velhos. A mulher recém-chegada estava um tanto triste porque a sua cadela recém-parida havia ingerido veneno e morrera deixando órfãos quatro lindo cachorrinhos que pareciam dinossauros, para os quais ela tentava encontrar novos donos. Três foram facilmente adotados, mas o quarto ficou sob minha responsabilidade. Não podíamos ficar com ele em casa, pois já temos três cães bagunceiros (risos). No sonho, eu era estudante de Ciências Biológicas e estava ocupado com uma pesquisa de campo sobre a quantidade de girinos que vivia numa fossa improvisada no bairro em que vivo.

Quando acordo, vou à padaria, comprar dois quilogramas de milho para alimentar as aves do meu quintal. Enquanto subia a ladeira da rua em que moro, uma vizinha alguns anos mais velha – que me assediou sexualmente quando eu era criança – contou que sonhara comigo na noite anterior. Perguntei-lhe o que era, mas ela não lembrava. Seja como for, gostei de saber disso!

Wesley PC>

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

TIVE QUE MUDAR DE ASSUNTO, MAS...

Tudo indica que, daqui para amanhã, eu verei "Os Deuses e os Mortos" (1970), filme de Ruy Guerra que, segundo o historiador do cinema Fernão Ramos, completa a segunda trilogia (ou tetralogia) do Cinema Novo. Estou ansioso, na verdade, mas... Conforme o título e a publicação anterior talvez permitam antever, algo me instaura um tantinho de agonia. Agonia e desejo!

Wesley PC>

"E O QUE EU FAÇO COM TODO ESSE DINHEIRO?! - ENFIA NO CU!!!!!"

Revi "ZéZero" (1974, de Ozualdo Candeias) mais cedo, e foi bom, e tinha uma mão alisando a perna do guri por debaixo do balcão, e uma guria falando sobre o namorado ao meu lado, e pensando no vazio, e olhando para o que eu estava escrevendo, e peixe, e cheiro de vagina, e um morcego morto, ou melhor, assassinado pelo porteiro da fazenda, estou misturando os filmes, eu sei, mas cinema é assim, Brasil, arte, marginalidade, udigrúdi, o que eu faço mais tarde, ponto de interrogação, camisa cinza, sovaco, os barulhos de masturbação através do portão de plástico, "e o povo ainda acha pouco, imagine...", dinheiro, Alagoas, "Alagoas todo!'...

Wesley PC>

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

“TRABALHAR É PARA OTÁRIOS. VAMOS ROUBAR!”

Oficialmente, acabei de ver ”O Ônibus da Suruba 2” (1992, de Sady Baby & Renalto Alves) e estou absolutamente escandalizado com tudo o que encontrei ali: logo no começo, o protagonista Cascão, pessimamente interpretado pelo próprio diretor, pede ajuda a uma freira transeunte, visto que um amigo seu estava passando mal. Examinando-o, à beira de um lago ermo, a freira percebe que o enfermo geme sempre que ela alisa o seu pênis. Ela lembra então do que lhe ensinou o padre Inácio e chupa o pau do cara. Na cena seguinte, Cascão está recrutando assaltantes amadores para viajarem de ônibus, em busca de um sodomita paulistano que roubou o seu dinheiro. Para embarcar no ônibus, tem que saber roubar e querer dar o cu. Está dada a largada da “escola da fudeção”!

Insistindo que “é preciso foder nesta foda de país”, Cascão oprime e espanca os seus súditos (por falta de palavra melhor) sempre que tem oportunidade. Insuportável que ele é, ele não pára de xingar e esbravejar, enquanto a freira se diverte fazendo sexo oral enquanto chupa laranja e ‘punks’ com cara de entojo fodem e dançam ao som de Beto Barbosa (“Preta”), Elba Ramalho (“Ouro Puro”) e Roberta Miranda (“Vá com Deus”), enquanto canções célebres interpretadas por Lionel Ritchie, Irene Cara, Simple Minds, Kenny G., Harry Nilsson e tantos outros artistas internacionais são executadas em meio às péssimas cenas de sexo explícito. Numa delas, uma cozinheira quebra um ovo no pênis ereto de seu parceiro sexual, de tão duro que o membro está. Em seguida, ele pede para penetrar o ânus dela, que responde: “mas passa manteiga!”. Ele retruca: “vou passar coisa melhor: óleo de cozinha Tatá, ta?”. Impossível não gargalhar de tanto nonsense, por mais perturbador que seja constatar, logo em seguida, que, enquanto o homem ejacula, num esquisitíssimo plano em ‘contra-plongée’, sangue escorre na perna da mulher... Glupt!

A cena mais famosa (ou melhor, infame) deste filme talvez seja aquela em que um dos passageiros do ônibus reclama que está com dor de barriga, pede para o motorista Cascão parar nalgum lugar para que ele possa defecar e, diante da recusa do mesmo, arreganha o cu na janela do veículo e solta o barro, para utilizar uma expressão chula cara ao universo deste cineasta, cujos filmes precisam ser mais vistos por mim, conforme comentei anteriormente. Não entendo como eu não achei este filme completamente execrável (é abominável – moralmente principalmente!), mas tem muito o que ser comentado aqui: seria Sady Baby um autor? Quem é capaz de negar? (risos)

Wesley PC>

A METÁFORA DO TÚNEL (OU ALGO MAIS?)

Hoje, sonhei que tentava estuprar um enfermeiro estudante de Medicina Veterinária. Na verdade, eu apenas o assediava sexualmente, mas com tanta insistência que ele se irritou. Estávamos na porta de um cinema, no Centro da cidade, quando uma garota sadomasoquista com tranças suíças o agarrou com violência, sentou em cima dele e pediu que ele urinasse na camisinha que cobria o seu pênis. Ele assim o fez. De repente, eu estava num túnel ferroviário, sem energia elétrica, onde as pessoas imitavam movimentos que eu sabia serem do filme “O Pescador de Ilusões” (1991, de Terry Gilliam)...

Enquanto caminhava por este túnel escuro e populoso, encontro algumas pessoas que trabalharam comigo. Converso com uma delas, uma gaucha simpática que sofre de depressão, e a convenço a sair do setor. Do lado de fora, o sol brilha, há energia elétrica e ônibus me esperando...

Ouvi o meu telefone tocar duas vezes. Não atendi. Estava com muito sono, sonhando. Mais tarde, descubro que era a minha ex-chefa, querendo que eu enviasse o meu currículo para o seu ‘e-mail’: preciso voltar a trabalhar! Entretanto, tenho também uma dissertação de mestrado pendente. E filmes do Sady Baby para conhecer!

 Não sei a qual dos filmes vinculado ao díptico sobre um ônibus orgiático pertence o fotograma acima. Tampouco sei qual dos dois filmes eu possuo (ou, se tiver sorte, possuirei ambos), mas planejo ver algo deste cineasta sádico e ultra-pornográfico na tarde de hoje, antes de reunir-me com a minha atual orientadora de mestrado. O mundo exige enfrentamento para ser bom!

Wesley PC>

domingo, 9 de fevereiro de 2014

“FELIZMENTE, OS TALENTOS DO CINEMA ESPANHOL ESTÃO POR CIMA DE QUALQUER MINISTRO DE ANTICULTURA!”



Esta frase, pronunciada pelo ator Javier Bardem, foi, sem dúvidas, o momento mais empolgante da 28ª edição dos prêmios Goya, dita pouco antes de o ator entregar o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante à idosa Tenele Pávez, pelo filme “Las Brujas de Zugarramurdi” (2013, de Álex de la Iglesia), que foi ovacionada de pé por todo o teatro. Logo na abertura do evento, o apresentador da noite empolgou-se: “que bom ver um cinema com todas as cadeiras ocupadas!”. Como sempre, além da pompa inerente a qualquer premiação e do boníssimo humor caro ao evento, as críticas políticas foram recorrentes, sendo esta a primeira edição do evento em que o Ministro da Cultura ausentou-se, alegando outras ocupações mais urgentes. Obviamente, ele foi rechaçado por diversos convidados, que desaprovam publicamente as medidas administrativas que impuseram suspensão de financiamento estatal para os filmes espanhóis. O roteirista Mariano Barroso [um dos vencedores do prêmio de Melhor Roteiro Adaptado pelo filme que dirigiu, “Todas las Mujeres” (2013)] alegou que o seu filho de 5 anos se comportaria como um Ministro da Cultura melhor que aquele que se ausentou da cerimônia (risos).

No momento em que subiu ao palco para realizar o seu discurso tradicional, o atual presidente da Academia Espanhola de Artes Cinematográficas, Enrique González-Macho, comentou que “fazer filmes no país é um ato heróico”, ressaltando, entretanto, que o declínio quantitativo de filmes realizados não implicou num declínio qualitativo. Seu discurso foi longo, destacando que “para cada Euro retirado das rendas públicas, a cinematografia espanhola perde dois”, o que reverberou no instante em que, ao receber o prêmio de Melhor Roteiro Original pelo filme “Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados” (2013), o diretor David Trueba mencionou uma conversa que teve com um atendente de posto de gasolina, que alegava que a Espanha era o país mais rico do mundo. Quando o diretor contesta interrogativamente tal informação, o frentista teria argumentado: “Mas como não? Somos roubados há mais de quatrocentos anos e ainda estamos de pé!”. A platéia, empolgada, aplaudiu...

Mas vamos aos filmes, visto que são eles que importam: se, antes da cerimônia, eu parecia relativamente desempolgado por saber que o entusiasmante “Las Brujas de Zugarramurdi”, indicado a dez prêmios, fora ignorado nas categorias principais (Filme, Diretor e Roteiro Original), fiquei contente ao vê-lo receber oito prêmios, sendo eles o já citado prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante e aqueles que pareciam óbvios, ou seja, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Som, Melhores Efeitos Especiais, Melhor Direção de Produção e Melhor Maquiagem. Não preciso acrescentar que estou dooooooooido de vontade de ver este filme!

O mais premiado da noite foi uma barbada: “Vivir es Fácil con los Ojos Cerrados”: com sua trama sobre um professor de Inglês que ensina aos seus alunos utilizando música de The Beatles, de quem é fã obcecado, este filme – baseado numa história real, cujo professor inspirador, hoje com 89 anos de idade, estava presente à cerimônia – recebeu seis surpreendentes prêmios, sendo estes Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Musical (para Pat Metheny), Melhor Atriz Revelação (para a jovem e linda Natália de Molina, que recitou no palco a frase-motriz de sua personagem: “não quero que ninguém decida por mim!”) e Melhor Ator (para Javier Cámara, que já fora indicado seis vezes ao prêmio, mas nunca o recebera, o que foi assunto de um divertido chiste antes do início da festa, envolvendo o patrocínio de um cassino)...

Na categoria Melhor Ator, entretanto, eu torcia para Antonio de la Torre, por “Caníbal” (2013, de Manuel Martín Cuenca),drama de impacto que quero muito ver, laureado na categoria Melhor Fotografia. O roteirista Alejandro Hernandéz foi premiado por outro filme, “Todas las Mujeres”, que escreveu ao lado do já citado Mariano Barroso, que se referiu aos profissionais fílmicos como “as Forças Armadas do cinema”, mais uma vez alfinetando o ausente Ministro da Cultura (e da Educação). Antonio de la Torre, por sua vez, também, estava indicado a Melhor Ator Coadjuvante pelo filme “La Gran Família Española” (2013, de Daniel Sánchez Arévalo), que contava com doze indicações, mas recebeu apenas os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante (para Roberto Álamo, que dedicou o seu prêmio “a todos os atores do País: aos que trabalham e, sobretudo, aos que não trabalham”) e Melhor Canção Original (para a anglofílica “Do You Really Want to Be in Love?”, de Josh Rouse). O interessante é que este filme foi alvo de um comentário suspeitoso, quando um dos apresentadores da noite relatou que os filmes produzidos na Espanha oscilavam entre as comédias industriais, ao qual este filme se vincula (numa situação que demonstra o quanto o atual cinema espanhol pode ser comparado ao cinema brasileiro, dadas as devidas proporções, evidentemente), e os filmes de baixo orçamento e/ou artesanais, sendo o mais exaltado nesta vertente “La Herida” (2013, de Fernando Franco García), que recebeu – merecidamente, presumo – os aguardados prêmios de Melhor Diretor Estreante e Melhor Atriz (para Marián Álvarez, elogiadíssima).

Além destes momentos, a noite de gala do cinema espanhol entregou um Goya de Honra ao veterano cineasta Jaime de Armiñán (que ainda não conheço, mas as cenas de seus filmes pareceram-me deveras atraentes em sua recorrência de diálogos sobre medo), incluiu Bigas Luna, Jesús Franco e Sara Montiel entre os homenageados recém-falecidos (“aún más grandes, aún más cerca”, organizados por ordem alfabética, diferentemente do que acontece no Oscar), premiou o celebrado “Amor” (2012, de Michael Haneke) como Melhor Filme Europeu, e encantou-me particularmente ao fazer com que um pianista cômico subisse ao palco e convidasse o público a reverenciar os subestimados curtas-metragens indicados. O refrão “me gustan los cortos” ficou em minha cabeça até agora!

Demais prêmios: Melhor Ator Revelação para o gracioso Javier Pereira [pelo filme romântico “Stockholm” (2013, de Rodrigo Sorogoyen), que também anseio muito por ver], que brincou que “quem é filho único tem os melhores irmãos do mundo”; Melhor Animação para o argentino “Um Time Show de Bola” (2013, de Juan José Campanella); Melhor Filme Ibero-Americano para o venezuelano “Azul y No Tan Rosa” (2012, de Miguel Ferrari), cujo diretor entusiasmou-se bastante ao gritar o nome de seu país natal; e Melhor Documentário para “Las Maestras de la República” (2013, de Pilar Pérez Solano), que levou a sua emocionada diretora a suplicar para o público que este “também apóie o gênero documentário, pois este está passando por momentos muito difíceis”. Vale lembrar que, ao redor do auditório onde ocorreu o evento, houve muitos protestos de figurantes sindicalizados e de funcionários despedidos da empresa Coca-Cola (Antonio de la Torre levantou o punho em apoio aos manifestantes), que houve uma engraçada premiação cômico-ficcional para Melhor Filme Não-Realizado (ganhou um esquete sobre um futuro imaginário em que políticos alegadamente democratas sancionam leis proibindo determinados penteados), que David Trueba pareceu ressentido ao alegar que já estava acostumado a perder, mas emocionou-me a agradecer aos jornalistas – inclusive uma das homenageadas, recém-falecida – e que o apresentador principal da noite acertou ao brincar que “depois das declarações de amor, entregamos prêmios a quem nos declaramos”, mas equivocou-se, quando, ao final da cerimônia, declarou que os maiores vencedores do Goya “ não são os atores ou diretores ou demais técnicos, mas sim os vendedores de pipoca” (sic). Enquanto isso, as pipocas caíam no palco. E eu estava contente, afinal: foram três horas muito divertidas de cerimônia, mais uma vez!

Ah, não falei nada sobre o indicado “15 Años y un Día” (2013, de Gracia Querejeta): entendamos isso como um sintoma...

Wesley PC>

SOBRE UM PROGRAMA RUIM (COM OU SEM ASPAS):


Anteontem, o sinal fechado da transmissão 24 horas do programa televisivo “Big Brother Brasil 14” foi liberado no sistema de TV por assinatura que possuo. Esta poderia ser uma informação completamente irrelevante, visto que é praticamente um consenso que o referido programa não presta. Entretanto, conforme quis questão de confessar um tanto constrangido em situações anteriores, o programa me fascina: não que ele seja bom (longe disso, quiçá), mas, como eu sou ‘voyeur’, é difícil não ficar interessado na contemplação das atividades cotidianas e dos corpos esculturais de seus participantes.

Os motivos que supostamente me atraem no programa, entretanto, são também os que mais me repelem. Explico: por mais belos que sejam os corpos, seus complementos falantes e/ou pensantes envergonham pela superficialidade. Na manhã de ontem, por exemplo, atrevi-me a acompanhar escandalizado um bonito rapaz exercitando-se por quase duas horas inteiras numa academia de ginástica. Uma coisa escandalosa – no pior sentido do termo! Sem contar que eles quase que não tomam banho.  E são desagradáveis em seus hábitos diuturnos de pequeno-burgueses viciados em confortos que me desagradam sobremaneira. Além disso, a recorrência dialogística sobre as regras e elementos instauradores de competição do jogo é insuportável, o que justifica o porquê de tanta gente falar mal deste subproduto televisivo. Porém, eu seria hipócrita se mentisse: eu tendo trabalho para me esquivar de ser um audiente. Preciso de ajuda?

Wesley PC>

À GUISA DE UMA ENTREVISTA (OU ALGO MAIS) SOBRE A BOCA DO LIXO:

Na manhã de anteontem, respondi a uma entrevista por e-mail realizada por um colega de curso. Ele estava interessado em saber alguns de meus posicionamentos sobre aquilo que é genericamente identificado como pornochanchada. Tive a intenção de explicar-lhe o quanto esta conotação subgenérica se diferencia dos filmes da Boca do Lixo, região que teve a honra de legar ao mundo o talento de Jean Garrett, de quem vi ontem dois filmes, em ordem regressiva, ao lado de meus amigos do CECINE/UFS, conforme expliquei numa relatoria de grupo de estudos:

Primeiro, mergulhamos no fascinante filme-catástrofe “Noite em Chamas” (1978), cujo título espalhafatoso refere-se menos ao incêndio que ameaça tomar de assalto um edifício que à intensidade dramática dos conflitos que movem os numerosos personagens. Ou seja, enquanto o mecânico do prédio revolta-se contra seu patrão por causa dos maus tratos dedicados aos funcionários, uma atriz de comédias eróticas planeja se suicidar, um repórter esforça-se para conseguir entrevistar um jovem milionário que assassinara uma moça numa orgia, um orgulhoso proprietário de touros reprodutores discute com uma dondoca que termina o casamento por causa de incompatibilidades entre seu marido e um cachorro e um bonachão recém-aprovado no Vestibular humilha o filho do capataz de sua residência enquanto convida um trio de prostitutas para celebrar o seu sucesso. São apenas algumas das estórias que se descortinam neste injustamente filme subestimado pela crítica contemporânea.

 Após o menor Caio Amado tecer os seus comentários elogiosos sobre aspectos técnicos do filme e destacar a interferência da precariedade também técnica do mesmo, fizemos um lanche rápido e vimos “Excitação” (1977), pitoresca e magistral filme de terror em que Kate Hansen interpreta uma mulher atormentada por problemas psicológicos que é convencida pelo marido a morar numa casa de praia recém-comprada, onde ocorreu um suicídio. À medida que os aparelhos eletrônicos do local passam a funcionar sozinhos e mantém a mulher num estado crescente de pavor, situações apavorantes (e, obviamente, excitantes) passam a se intensificar. Ao final da sessão, os cecinéfilos estavam encantados: o filme é brilhante!

 Mas, para que a minha empolgação não fique apenas restrita a este trecho de relatoria facebookiana, seguem as perguntas e respostas espontâneas da entrevista:

 • Qual a importância desse gênero para o cinema brasileiro? 

Antes de responder a esta pergunta, tem que se diferenciar o que se chama efetivamente de pornochanchada (ou seja, o subgênero da comédia erótica) e os filmes da Boca do Lixo, que eram vendidos como pornochanchadas sem sê-los. Apesar de eu particularmente crer que estes filmes sejam importantes esteticamente, justamente por causa de sua consolidação enquanto subgênero rentável, a importância cabal para o cinema brasileiro vem mesmo de suas avassaladoras bilheterias, a ponto de, involuntariamente, terem levado os espectadores mais gerais a associarem o cinema nacional como um todo às pornochanchadas, o que justifica que, até hoje, tenha gente que insista em gritar antecipada e precipitadamente que "cinema brasileiro não presta". Mas esta é uma questão muito complexa e demorada: dá uma dissertação inteira de Mestrado, que é o que eu estou tentando fazer (risos)... 

 • Há quem critique a Pornochanchada por ela ter ditado a visão que as pessoas tem do cinema Brasileiro como chulo, com muitos palavrões, e erotismo.

 Na verdade, as pornochanchadas realmente investiam em situações chulas (o que é muito diferente do erotismo), mas era isso o que o público queria, o que enredava uma situação nociva e viciosa de retroalimentação deletéria que desencadeou numa fórmula duradoura e entulhada de equívocos que serviam para justificar a situação ditatorial em que o Brasil se encontrava sob jugo no período. Mas o que a Globo Filmes faz hoje é bem pior. E, por vivermos num sistema democrático (sic), é como se, agora, fosse permitido, o chulo é 'cool'... 

• Você concorda com isso? Como você avalia o cinema brasileiro atualmente?

Existem cinemas brasileiros ultimamente. Plural mesmo. Existem os segmentos regionais, as produções inovadoras de determinados Estados, e as nojeiras produzidas pela Globo Filmes. Novamente, essa é uma questão que dá uma dissertação inteira, mas sou defensor do chulo enquanto opção expressiva sim. Não enquanto única solução, entretanto, que é o que fazem as comédias hodiernas na linha "De Pernas pro Ar" (2010, de Roberto Santucci), por exemplo, urgh! 

 • Para quem era feito esse tipo de filme? (Classe social)

 Todo filme é feito para todo público, para todas as classes sociais portanto. Esta é uma pergunta que reflete os preconceitos da época, como se apenas pobres vissem um tipo de filme X e ricos um tipo de filme Y. Comparando-se com a situação atual, constatamos infelizes que a Indústria Cultural atingiu o seu mais perverso objetivo: está todo mundo igualado por baixo no que tange a subprodutos cinematográficos, infelizmente. 

 • Podemos dizer que esse gênero era voltado para pessoas menos “cultas”? 

O mesmo sendo dito acerca da resposta anterior. Aquela distinção entre 'mas cult' e 'midcult' que o Teixeira Coelho faz em "O Que é Indústria Cultural?" cai muito bem agora... 

• A pornochanchada surgiu em plena ditadura militar. Esse gênero sofreu com a censura? 

Sofreu bastante, mas, ao mesmo tempo, há quem diga (e prove) que a ditadura militar se servia das pornochanchadas para implantar a despolitização: ou seja, enquanto o público se excitava, esquecia que era oprimido ou algo assim. As denúncias sobre financiamento da Embrafilme desta época (década de 1970, principalmente) têm muito a ver com essa questão, que, também, é muito mais complexa do que parece... Muito mesmo! 

 • Qual (na sua opinião) é o melhor filme desse gênero?

Ah, existem vários. Entendendo-se a pornochanchada como subgênero carioca, que é o que faço, ou melhor acredito, acho que os mais interessantes são aqueles dirigidos pelo Victor di Mello, como "Essa Gostos Brincadeira a Dois" (1974). Mas alguns dos filmes dirigidos pelo Carlo Mossy são esforçados neste sentido. E "Ainda Agarro Esta Vizinha", também de 1974, do Pedro Carlos Rovai, é um primor sintético acerca do gênero. Das pornochanchadas paulistanas (ou seja, eminentemente cômicas), as que mais gosto forma realizadas pelo Ody Fraga, como o genial "A Dama da Zona" (1979), e as reinvenções do Fauzi Mansur, como os inspiradíssimos 'O Inseto do Amor" (1980), "Me Deixa de Quatro" (1981), e "Sexo às Avessas" (1982). Mas a lista é longa, poderia passar o dia inteiro elogiando-as aqui...

• Muitos filmes têm destaque até hoje, não por sua importância para a cultura, precisamente, mas por certas polêmicas, como é o caso de Amor Estranho Amor com Xuxa. Esse tipo de polêmica prejudica a imagem desse gênero do cinema? 

 "Amor, Estranho Amor" (1982) não é pornochanchada, mas um drama erótico, político e existencial de primeira qualidade: o seu diretor, Walter Hugo Khouri, é um dos mais geniais e eruditos do cinema brasileiro. Este é um erro grosseiro, abominável, gravíssimo e preconceituoso que, infelizmente se alastra, gera polêmicas errôneos e impede o público de conhecer este filme maravilhoso do jeito que ele merece...

• Ainda se produz esse tipo de filme? Não? E porque ele chegou ao fim?

 Estes filmes deixaram de ser produzidos em meados da década de 1980, quando a ditadura acabou e os filmes com sexo explícito invadiram o mercado brasileiro. Ou seja, quando a pornografia explícita (inclusive estrangeira) invadiu o país aos borbotões, ninguém quis mais ver comédias ingênuas, por mais que se tentasse repetir algumas tentativas tardias canhestras, como a regravação deletéria que o Neville d'Almeida fez para "Matou a Família e Foi ao Cinema" em 1991. Oficialmente, as comédias imbecis e preconceituosas (e bem-sucedidas na bilheteria, claro) da Globo Filmes de hoje tem muito a ver com as piores pornochanchadas de outrora, mas isto gera outro debate, muito mais polêmico, minucioso e delicado.

 • Porque você escolheu esse para sua defesa de mestrado?

 Escolhi este tema porque percebo uma ignorância proposital e violenta da crítica brasileira a estes filmes, que têm algo a oferecer, sim senhor. Deixando claro que eu não pesquiso as pornochanchadas propriamente ditas, mas interesso-me sobremaneira pelos filmes dramático/existenciais da Boca do Lixo, que são vendidos como pornochanchadas, mas definitivamente não são, conforme já expliquei antes e p exemplo do Walter Hugo Khouri vem mais que a calhar. Mas seguiremos falando nisso por muito tempo, visse? Por favor. Não se esgota aqui! 

É isso: seguiremos pesquisando, sentindo e divulgando o assunto!

Wesley PC>