Uma pena que ‘Les Parents Terribles’ tenha sido traduzido
como “O Pecado Original” (1948) no Brasil. Tivesse o título original sido conservado,
a coerência idílica – no que tange à ode suprema ao amor e ao narcisismo –
seria mantida, tanto em relação a obras anteriores do próprio Jean Cocteau
quanto a elementos internos da genial derivação teatral deste filme.
Na obra, o namorado do diretor, Jean Marais, interpreta (de
forma muitíssimo afetada) Michel, um jovem extremamente mimado e adorado pela
mãe, que, aos 22 anos, finalmente se apaixona por uma rapariga (Josette Day), três
anos mais velha que ele. O problema é que ela fora amante do pai de Michel,
que, por sua vez, ignora que sua cunhada Léo (maravilhosa interpretação de
Gabrielle Dorziat) é completamente apaixonada por ele, o que explica o porquê
de ela viver na mesma residência bagunçada que esta família, por mais que os
seus devaneios ordeiros vão de encontro ao aspecto de reboque cigano do local.
Aos poucos, estes indícios de tragédia familiar (e, ao mesmo tempo, de comédia romântica)
vão se coadunando ao acaso, culminando num clímax tipicamente depressivo: a
chantagem emocional, concernente ao momento em que a matriarca Yvonne (ou
Sophie, como seu filho a chamava) (Yvonne de Bray) injeta veneno em suas veias por crer que seus parentes
estão abandonando-a, que ela é dispensável... Não era o caso, mas, de fato, com
a sua morte, Michel terá mais liberdade para viver com a sua amada Madeleine,
ao passo em que sua irmã Léo poderá finalmente levar a cabo o amor que sempre
sentira pelo patriarca Georges (Marcel André). Mas nada é tão simples assim e,
enquanto via o filme, correlações com a minha vida particular recente se
estabeleciam...
Nos derradeiros minutos da manhã de ontem, quando fui ao meu
ex-setor de trabalho conversar com a minha ex-chefa, deparo-me com a minha
ex-orientadora sentada exatamente na cadeira em que deseja parlamentar. Fiquei
sem reação por alguns instantes, mas, como minha consciência estava tranqüila,
esperei calmamente o clímax emotivo que poderia se estabelecer. Fui surpreendido
por uma reação inesperada, que mantenho secreta por alguns dias, até que eu
compreenda o que houve, no afã por respeitar os motivos e sentimentos da outra
pessoa mencionada. No final da noite, insisti para me comunicar com uma pessoa
que está lancinada por problemas familiares e, sem saber lidar adequadamente
com os mesmos, vinga-se em outrem, abandonando os colegas de trabalho e
maltratando os amigos. Dormi sentindo-me relativamente impotente, mas feliz
pelos eventos benfazejos entre amigos que me ocorreram durante o dia. Num
sonho, a angústia: parecia que eu estava dentro de um imenso filme dentro de
outro filme dentro de outro filme dentro da realidade. Não sabia como sair,
como despertar... Ao acordar, parecia que havia uma imensa bolha de chiclete
crescendo em meu estômago: era o pretexto para que o magnífico filme do Jean
Cocteau me acalmasse. A vida é mesmo maravilhosa!
Wesley PC>