sexta-feira, 3 de outubro de 2014

“SE ISSO FOSSE TRABALHO, O MAR NÃO SERIA SALGADO!”

A afirmação acima faz sentido? Talvez sim, sabendo que se trata de uma declaração responsiva dalgum personagem de Tony Vieira, interpretado pelo próprio. Em “Desejos Sexuais de Elza” (1982), ele interpreta Dalmi, um ex-presidiário que, depois de resgatar duas mulheres, uma jovem e sua madrasta, das garras sujas de três estupradores, aceita trabalhar na residência delas, como mecânico. A mais velha e uma vizinha ficam violentamente atraídas por ele, e o seduzem alternadamente, enquanto a filha do patrão é violentada, entra em coma e, quando se recupera, casa-se com a filha do caseiro, que estudara Medicina. Enquanto isso, uma moçoila que vive solitária numa ilha, ao lado de seu pai adotivo, sonha com o dia em que conhecerá alguém, em meio a devaneios telúricos...

 O enredo parece absurdo, mas, contando com os diálogos tipicamente queirozianos [o diretor utiliza o pseudônimo Mauri de Queiroz (na verdade, seu nome verdadeiro) como crédito de roteirista], o resultado é ainda pior (ou melhor, a depender do âmbito avaliativo). As cenas de sexo entre Dalmi e a vizinha, por exemplo, são permeadas por toques sadomasoquistas hilários (“me bata! Me bata! Bata mais, mais forte!”) e as ameaças perpetradas pela gangue do marido da personagem-título, um traficante de cocaína disfarçado de filantropo, são chistosas, de tão escrotas. A própria concepção da personagem Elza escandaliza o espectador, visto que era parece frágil e benévola a principio e logo se revela uma facínora ciumenta e perniciosa. “No fundo, somos todos iguais. Quem sabe até nos sentimentos”...

Em verdade, a personagem do filme que mais gostei foi uma prostituta com quem Dalmi se envolve depois que foge da casa do seu patrão, depois que Elza, encolerizada e sexualmente insatisfeita, assassina a sua rival subclassista. Esta surge num cabaré meia-boca, onde uma cantora nos encanta com uma voz similar à da musa brega Diana, encetando uma canção sobre afetos desencontrados. A prostituta narra uma desventura envolvendo um namorado, que, depois de ser preso por roubo de carros, apaixona-se por outro homem na prisão. “Além de virar viado, ele ainda me apresentou ao seu homem, quando eu fui lá visitá-lo”, lamenta a prostituta, antes de ser fustigada por tiros.Gostei muito do filme, muito mesmo!

Wesley PC>

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

(QUASE) NINGUÉM FALOU SOBRE A SUA MORTE, ESTA JAGUATIRICA...


Na madrugada desta quarta-feira, 01 de outubro de 2014, o cineasta Francisco Cavalcanti morreu, em decorrência de um câncer intestinal.Oficialmente, eu não gostava muito de seus filmes (inicialmente, ao menos), mas, aos poucos, fui percebendo o quanto ele era coerente em sua obsessão por ser um arremedo de "Charles Bronson brasileiro". Em quase todos os seus filmes, ele próprio interpretava o protagonista, alguém injustiçado que, de repente, se tornava um vingador. Comentei diversos deles por aqui e, à medida em que ia mergulhando em sua vasta filmografia de ação e semi-pornografia, fui descobrindo uma ou outra jóia suja de cocô (por causa das dificuldades produtivas da Boca do Lixo). No começo, eu não era fã do Chicão, mas, hoje, sou um grande admirador de suas obras irregulares, de seus filmes tronchos, de sua fidelidade a uma idéia. Vá em paz, Francisco Cavalcanti (1941-2014)!

Wesley PC>

“PARA CONSEGUIRMOS TER CONTROLE TOTAL DA SITUAÇÃO, PRECISAMOS ESTAR SOZINHOS!”

Este era o lema do garotinho Reine (Tomas Fryk, impressionante em sua eloqüente precocidade), que, aos onze anos de idade, vistoria periodicamente a sua genitália, a fim de se certificar de que nenhum pêlo púbico apareceu na região compreendida por seu pênis e seu saco escrotal. Ele teme que, quando os mesmos aparecem, ele perderá a sua inocência, vivendo então sob o apelo irrevogável da luxúria. “Anjos não fodem”, explicava ele. O comportamento angelical era, portanto, um objetivo inalcançável, conforme se perceberá á medida que o filme avança...

Vi “Barnens Ö” (1980, de Kay Pollak) enquanto muitas pessoas em, minha cada zoadavam: meu irmão e minha cunhada estão ambos desempregados e minha mãe é excessivamente zelosa (logo, barulhenta). Para que eu consiga me concentrar nalgum filme, nos últimos dias, preciso recorrer a esforços hercúleos. Digo mais: não posso reclamar, a fim de prejudicar a já periclitante harmonia familiar intermitente! Em minha mente, para piorar, os arroubos do desemprego que também me atingiu...

Voltando ao filme: depois que sua mãe solteira sai da cidade, Reine desiste de ir para o acampamento de verão para o qual ela o havia mandado e zanza por Estocolmo. Foge do padrasto violento e inseguro, interage com um bando de solteironas que vivem confinadas num ateliê de costura, apaixona-se por uma atriz mambembe (o momento em que testemunhamos, em ‘close-up’, a sua primeira ereção é de uma violência poética incrível), refugia-se entre motoqueiros ébrios, adentra o setor feminino de oncologia de um hospital, e, ao final, envolve-se com delinqüentes juvenis, que resolvem pôr à prova a sua ambição de quebrar o recorde mundial de tempo sob a água: três minutos. No derradeiro depoimento, entretanto, posterior aos seus questionamentos sobre a existência de Deus e a sua própria função no mundo, Reine constata que um pêlo surgiu em seu escroto. Ele envelhecerá, gozará, fará sexo, quiçá se reproduzirá seminalmente. A vida é assim – e o filme é muito bom, corajoso, quase surreal...

Wesley PC>

terça-feira, 30 de setembro de 2014

"NENHUM LUGAR PARA IR" (2000). Direção: Oskar Roehler.

Um filme. Alemão. Em preto-e-branco. Triste. Sobre a mãe depressiva e suicida do diretor .Que mais de um amigo desaprovou. E eu gostei. Muito!

No filme, a personagem interpretada por Hannelore Elsner zanza pelas ruas de uma Alemanha recém-unificada, a fórceps. O Muro de Berlim caiu, as pessoas na rua comemoram. Nem todo mundo tem o que comemorar, entretanto. Hannelore, apelidada Hanna Flanders, se sente deslocada nos dois lados do muro caído: à esquerda quando o consumo era regra (assim pensava ela); à margem quando confrontada com o ideal falido do comunismo que pregava, idílica e confortavelmente.

Ela não consegue devolver à loja o sobretudo chique que comprara. Ela não pára de fumar quase nem um minuto e, como tal, adquire uma doença que quase ocasiona a amputação de uma de suas pernas. Ela reencontra o homem com quem tivera um filho (o diretor do filme, justamente) e este está bêbado, entristecido, velho, com pouco cabelo. O pênis ainda fica ereto, mas não é suficiente para manter uma relação. Ela desmaia. Ela tem medo de um relógio imenso e com um tique-taque muito barulhento. Ela pula para a morte, depois de um 'close-up' móvel e significativo. Ela morre. Ela é culpada!

Ao contrário dos meus amigos que viram o filme antes de mim, eu gostei muito do que vi. Senti como se algo de mim estivesse passando diante da tela. Por dentro, a felicidade se esmera, ameaça, atinge êxitos. Por fora, eu sou um espectador!

Wesley PC>

POR MOTIVOS ALHEIOS À MINHA VONTADE...

...A minha vontade segue alienada!

Ter detestado"Vendo ou Alugo" (2012, de Betse de Paula), como era de se esperar, é um detalhe quase irrelevante. Outros assuntos se somam, outras angústias, outras pendências. Queria dizer que não estou com medo, mas estar sem medo é algo de quem não diz. Eu digo. Por mais que, na tarde de hoje, eu não tenha sabido o que dizer. Ainda assim, não silenciei. Eu disse... Ou tentei.

Wesley PC>